Cinemateca,
que guarda arquivo do DIP, parte do acervo da TV Tupi e 1 milhão de documentos,
corre risco
A
produção cultural brasileira já enfrentou ataques demolidores por parte de
muitos governos — os anos Collor foram exemplares: levaram consigo estúdios,
laboratórios, planos e sonhos. Foram anos de terra arrasada, mas nos
reerguemos. Os governos terminam, mas a produção cultural segue pulsando — a
criação é uma necessidade atávica do ser humano.
Já
estamos cruzando o semiárido cultural, mas não iremos desaparecer porque não se
mata uma cultura, e o nosso cinema é a prova indiscutível da capacidade de
resistir e de seguir criando. Será mesmo possível e desejável apagar nosso
passado — o conjunto das imagens que encerram nossos olhares, depositado na
Cinemateca Brasileira, nosso museu do olhar, como definiu Cacá Diegues?
Ela
abriga esse grande tesouro composto de registros de amadores que vêm desde o
início do século XX até hoje, todo o arquivo do Departamento de Imprensa e
Propaganda do Estado Novo, o DIP, parte considerável do acervo da TV Tupi,
todas as imagens e matérias do Canal 100 e quase toda a produção audiovisual
brasileira contemporânea. São 250 mil rolos de filmes e cerca de 1 milhão de
documentos.
No
início deste ano, a Cinemateca Brasileiro entrou num período de total e
completo abandono por parte da União. Dado o risco alarmante que corriam seu
acervo e instalações, foram organizadas importantes mobilizações da comunidade
cinematográfica, com destacado apoio internacional e da sociedade brasileira. A
tais manifestações, que contaram com ampla cobertura da imprensa, se somou uma
ação contra a União movida pelo Ministério Público Federal.
No
início de agosto, em aparente resposta a essas movimentações, o governo
federal, por meio do secretário substituto do Audiovisual, inaugurava um
momento de diálogo com as entidades da sociedade civil e a comunidade
cinematográfica. Chegou-se até mesmo a discutir alternativas para que se
garantisse a preservação do acervo e das edificações.
Transcorridos
50 dias, foram garantidos os serviços básicos e emergenciais de água e de luz;
foram contratadas uma minibrigada anti-incêndio e uma empresa de vigilância
patrimonial e os serviços de limpeza e manutenção da climatização, embora não
detenham a expertise necessária.
No
entanto, entre as necessidades emergenciais, falta o fundamental trabalho dos
funcionários especializados, sem os quais o acervo não estará seguro, mesmo com
a retomada dos serviços básicos acima descritos. O secretário solicitou um
plano de trabalho à Sociedade Amigos da Cinemateca, a SAC, para que isso fosse
possível, mas tal plano não foi aprovado até o momento. E, assim, apesar dos
esforços empreendidos pelas partes, segue inalterada a situação de enorme
risco.
Para
completar, a dotação prevista no projeto da Lei Orçamentária da União para a
Cinemateca Brasileira em 2021 é uma regressão jamais vista. Com tais recursos,
a Cinemateca Brasileira será reduzida a um mero depósito de filmes, anulando
toda a sua importância e excelência como centro de preservação, irradiador de
cinema e cultura.
Este
texto, ao lado de uma carta da comunidade cinematográfica já publicada e
enviada, é um alerta à comunidade audiovisual e à sociedade brasileira, bem
como ao atual governo, que hoje é inteiramente responsável por tudo o que vier
a ocorrer com uma das maiores cinematecas da América Latina.
As
manifestações que conheceram um justo e paciente arrefecimento em função das
negociações podem ser retomadas se o importante diálogo que iniciamos não
resultar em soluções efetivas. É urgente que se coloque um ponto final na
insustentável situação em que se encontra a Cinemateca.
As
associações de cineastas, de preservadores audiovisuais, as cinematecas de todo
o mundo, os festivais de cinema, a imprensa nacional e internacional, a
comunidade artística e os frequentadores e amantes do cinema aguardam uma
solução urgente e imediata para a Cinemateca Brasileira. Quem sabe, viabilizada
por uma parceria inédita entre o poder público e a sociedade civil? A
reabertura imediata da Cinemateca Brasileira é fundamental, não só para o
cinema, como também para o conjunto da cultura e da própria história do país.
*Roberto Gervitz é cineasta
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