O Globo
Lula marcou um gol em sua viagem à Europa.
O ex-presidente se reuniu com líderes relevantes, recebeu homenagens e mostrou
que ainda tem prestígio no exterior. Ao contrário de Jair Bolsonaro, esnobado
no G20 e visto como pária na comunidade internacional.
Na última escala do roteiro, o petista
pisou na bola. Em entrevista ao jornal El País, relativizou o autoritarismo na
Nicarágua. “Por que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e o Daniel
Ortega não?”, questionou. A jornalista Pepa Bueno desmontou a conversa com uma
observação singela: Merkel nunca mandou prender opositores.
Após a correção, Lula admitiu que Ortega
estaria “totalmente errado” se tiver prendido rivais. A ressalva não anula o
fato de que ele tentou equiparar um autocrata a uma governante que sempre
respeitou a democracia. Só em 2018, a repressão política na Nicarágua deixou
355 mortos e 100 mil exilados.
Há duas semanas, o PT festejou a eleição de fachada que validou o quarto mandato de Ortega como uma “grande manifestação popular e democrática”. A nota foi apagada do site do partido, mas Lula reincidiu no erro para defender o velho aliado.
Ao relativizar o arbítrio, o ex-presidente
dá munição a quem o acusa de transigir com o autoritarismo de esquerda. E
colabora com adversários que tentam compará-lo a Bolsonaro, defensor da tortura
e do golpe de 1964.
Lula foi perseguido pela ditadura, subiu no
palanque das Diretas e perdeu três corridas presidenciais sem questionar os
resultados. Eleito, seguiu as regras do jogo e desautorizou aliados que queriam
mudar a Constituição para presenteá-lo com um terceiro mandato. Em respeito à
própria história, não deveria proteger antigos companheiros que buscam se
eternizar no poder, como o ex-revolucionário Ortega.
A questão democrática estará no centro do
debate brasileiro em 2022. Bolsonaro estimula o golpismo e já indicou que
tentará virar a mesa se for derrotado. Quem quiser vencê-lo não poderá vacilar
na defesa das liberdades civis, aqui ou no exterior. Ao afagar ditadores que se
dizem socialistas, Lula alimenta falsas simetrias e agita um espantalho que só
interessa ao capitão.
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