sábado, 19 de fevereiro de 2022

João Gabriel de Lima: Caetano Veloso e Olavo de Carvalho

O Estado de S. Paulo

Em 1996, o poeta Bruno Tolentino provocou uma polêmica na área da cultura. Em entrevista a Geraldo Mayrink, um dos maiores jornalistas culturais daquele tempo, criticou o que lhe parecia um dado nocivo no País: músicos populares – notadamente Caetano Veloso – dando opiniões sobre o Brasil, quando na França eram filósofos da academia que ocupavam este espaço. Mayrink rebateu: “Mas existe algum filósofo brasileiro que mereça mais espaço na mídia?” Tolentino citou um nome: Olavo de Carvalho. De volta à redação, Mayrink confessou aos colegas que não sabia quem era.

Lembrei do episódio quando Olavo de Carvalho morreu, em janeiro deste ano. Procurei no Youtube, plataforma que consagrou Olavo, vídeos anteriores à entrevista de 1996. Achei um em que Olavo participa de um debate sobre o zodíaco. Ele defendeu, na ocasião, que a influência dos astros sobre os seres humanos tinha sido comprovada cientificamente. Uma pesquisa francesa achara uma correlação entre os signos e as profissões escolhidas pelos pesquisados.

Também lembrei do episódio quando, na semana passada, a revista americana The New Yorker publicou um perfil extenso de Caetano Veloso. O artigo celebra a importância cultural do artista, com sua síntese entre cultura pop, raízes brasileiras e versos de canção da melhor qualidade. A grandeza de Caetano já estava estabelecida em 1996 – ano em que Olavo de Carvalho apenas começava a fazer barulho com seu O Imbecil Coletivo.

Há cinco anos, Caetano Veloso processou Olavo de Carvalho por calúnias nas redes sociais. Ganhou o processo e o direito a uma indenização de quase R$ 3 milhões. As postagens de Olavo sobre Caetano, de tão estapafúrdias ou chulas, não merecem menção.

Tolentino não viveu para ver seu sonho virar realidade. Olavo hoje é mais discutido no País que Caetano. O secretário da Cultura, Mario Frias, até propôs que se erguesse um busto do astrólogo. Frias, recentemente, promoveu uma reforma na Lei Rouanet que não corrige seus problemas – e cria outros. Inspirou-se claramente nos ensinamentos de Olavo, que defendia que se destruísse o segmento da cultura não alinhado com o governo.

No minipodcast, Sérgio Sá Leitão discorre sobre o espírito da Rouanet. Especialista no assunto, ele esteve no Planalto nas Presidências de Lula e Temer e hoje é secretário de Cultura e Economia Criativa no governo tucano de São Paulo.

Diz muito sobre o País em tempos recentes que Olavo de Carvalho seja mais discutido que Caetano Veloso. Foi preciso que a The New Yorker nos lembrasse quem é realmente relevante para a cultura brasileira. •

Foi preciso que a ‘The New Yorker’ nos lembrasse quem é realmente relevante para a cultura

 

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

O historiado Evaldo Cabral de Mello também disse certa vez que só no Brasil compositor popular era ouvido como pensador - Mudando de assunto,gostei quando ele disse que antigamente quem ouvia música sertaneja era folclorista ou gente da roça,e quando enfatizou o perigo da invasão dessa ''nova-sensibilidade'' nos grotões do Brasil profundo.

ADEMAR AMANCIO disse...

Esqueci de dar minha opinião,é claro que Caetano Veloso é mais relevante que Olavo de Carvalho.