terça-feira, 10 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anistia a golpismo e impeachment no STF são absurdos

O Globo

Investigados pelo 8 de Janeiro devem ser condenados ou inocentados em julgamentos justos

Em manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo, partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro defenderam a anistia aos processados pelo 8 de Janeiro, ao próprio Bolsonaro na esfera eleitoral e o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelos inquéritos relativos a atos antidemocráticos e à disseminação de desinformação. Nenhuma das ideias tem o menor cabimento.

Moraes se tornou uma espécie de alvo preferencial dos bolsonaristas por conduzir inquéritos que tramitam em segredo de Justiça e têm resultado em medidas contra parlamentares, aliados e propagandistas de Bolsonaro. Ao colocá-lo a seu lado no palanque do 7 de Setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também ajuda, de modo impróprio, a lhe conferir um protagonismo político incompatível com o papel de um juiz. Mas é preciso ir além das aparências para avaliar os fatos.

É verdade que, em diversas ocasiões, Moraes extrapolou nas decisões tomadas nesses inquéritos — mais recentemente, nas punições contra usuários da rede social X e seu dono, o empresário Elon Musk. Nada disso justifica, porém, que investigações devam ser anuladas ou que deva haver algum tipo de anistia. Muito menos que estejam dadas as condições para uma medida excepcionalíssima como o impeachment de um ministro do Supremo.

É preciso ser rigoroso com o golpismo que tomou conta do país desde a campanha eleitoral de 2022 e culminou no vandalismo do 8 de Janeiro. Já está provado que, depois da derrota de Bolsonaro, houve minutas de decretos para mantê-lo no poder, reuniões com a cúpula das Forças Armadas — parte dela sucumbiu, mas felizmente a maioria resistiu à insinuação golpista — e uma conspiração que se materializou em acampamentos diante de quartéis do Exército, em tentativas de atentado num aeroporto e contra torres de energia, em bloqueios de estradas e no pior ataque já visto aos símbolos da República. Nada disso pode passar impune.

O próprio Bolsonaro foi corretamente julgado inelegível em razão de sua pregação fraudulenta contra as urnas eletrônicas diante de autoridades internacionais. O mais importante agora é que a Polícia Federal conclua com celeridade as investigações contra as centenas de envolvidos no 8 de Janeiro e que a Procuradoria-Geral da República, que tem tomado parte nos inquéritos conduzidos por Moraes, se encarregue de apresentar denúncia nos casos que julgar adequados, arquivando aqueles em que as provas forem insuficientes.

Os culpados pelo golpismo devem ser sentenciados nos termos da lei, com direito a todos os recursos que a legislação lhes oferece. Quanto aos eventuais erros que Moraes possa ter cometido na condução dos processos, o próprio Judiciário deve se encarregar de corrigi-los quando acionado nas devidas instâncias.

Acirrar a polarização por meio de ataques ao Supremo pode interessar a quem perdeu a eleição e gostaria de retomar o poder. Mas não interessa ao Brasil. A democracia brasileira depende do repúdio e da condenação a todos os crimes cometidos contra ela. O país tem de recobrar um clima de normalidade. E, com tantos problemas mais urgentes para resolver em segurança, saúde, educação, infraestrutura ou meio ambiente, a última coisa de que precisa é um processo de impeachment contra um ministro do Supremo

Permanência de Silvio Almeida no governo era insustentável

O Globo

Alta nos casos de assédio mostra importância da conscientização e do acesso a canais de denúncia

A demissão de Silvio Almeida do Ministério dos Direitos Humanos, por acusações de assédio sexual, foi a decisão correta. Nos termos precisos da nota do Planalto, era mesmo “insustentável a manutenção do ministro no cargo considerando a natureza das acusações”. A Polícia Federal abriu investigação, e a Comissão de Ética Pública da Presidência também apurará os fatos. Respeitada a presunção de inocência, Almeida terá agora a chance de se defender, sem usar o poder que o cargo lhe conferia. O caso também oferece a oportunidade de avaliar os avanços da sociedade brasileira ao lidar com tema tão sensível — e infelizmente ainda tão presente.

Durante todo o ano de 2021, houve 178 denúncias de assédio sexual envolvendo servidores públicos federais à Controladoria-Geral da União (CGU). Esse número saltou para 531 em 2022, ano em que o então presidente da Caixa Econômica FederalPedro Guimarães, foi demitido, após ser alvo de denúncias. No ano passado, chegou a 920. Neste ano, entre janeiro e agosto, foram 557 denúncias, a maior parte de órgãos vinculados ao Ministério da Saúde e universidades federais. A alta nos casos não se restringe ao setor público. Foram registrados 7.188 ocorrências de assédio sexual no Brasil em 2023, ou 28,5% acima do ano anterior, segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A importunação sexual — situação em que não existe necessariamente relação hierárquica entre criminoso e vítima — somou 41.371 casos, crescimento de 48,7%.

Não há razão para supor que os episódios dessa natureza estejam aumentando tanto. A hipótese mais provável é que antes havia mais subnotificação. Com mais mulheres conscientes de seus direitos e maior facilidade de acesso a canais de denúncia, há mais luz sobre o problema. Há anos era comum fazer vista grossa a casos com indícios semelhantes aos contra Almeida. Agora ficou mais difícil.

Não é difícil enxergar a diferença entre flerte e assédio ou importunação. Usar condição hierárquica superior ou ascendência para constranger e obter favores sexuais é crime. Beijar ou passar a mão no corpo de alguém sem consentimento também é inaceitável. Não há nada de flerte quando uma mulher é coagida a aceitar investidas ou é importunada.

A violência é dolorosa para as vítimas. É comum questionarem, ficarem em dúvida ou com sentimento de culpa. Como na maioria dos casos não há provas materiais, temem por novo assédio ou se sentem desmotivadas a acusar os agressores. Felizmente, os serviços oficiais de denúncia ou de ONGs que garantem o sigilo transformaram essa lógica. Podem não ser a solução ideal por abrir a possibilidade para eventuais denúncias falsas, mas sem dúvida são um avanço. É verdade que ninguém deve ser condenado por antecipação, mas, em situações tão sensíveis, a palavra das vítimas sempre deve ter peso maior. Os assediadores geralmente mantêm um padrão de comportamento. Quando desmascarados, são incapazes de calar várias vozes. É preciso expor seus crimes.

Bolsonarismo dá sinal de descompasso com a base

Folha de S. Paulo

Movimento reuniu multidão menor no 7 de Setembro em meio a disputas internas; populismo tende ao desgaste na democracia

O bolsonarismo, ao menos observado a olho nu, não parece o mesmo movimento que eletrizou parcelas volumosas da sociedade brasileira nos últimos anos.

O ato do Dia da Independência na Paulista foi menor e menos impactante que os dos anos anteriores -embora tenha reunido muito mais gente que o desfile em Brasília com Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Perdeu largamente da mobilização de fevereiro, quando investigações sobre conspirações subversivas apertavam o cerco a Jair Bolsonaro (PL).

Teria sido ainda mais discreto o evento de sábado (7), pode-se cogitar, sem a proibição do X decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, decisão que deu impulso de última hora ao comparecimento no ato direitista.

É cedo para diagnosticar uma tendência minguante na força centrípeta da corrente que, no Brasil, encarna o populismo conservador em voga nos países de tradição política ocidental.

Um teste mais objetivo a respeito ocorrerá nas eleições municipais de outubro. Bolsonaro tem percorrido o país ungindo candidatos de sua preferência, e as urnas, demagogicamente atacadas pelo movimento, darão uma medida da influência do seu líder.

Ao menos no Rio de Janeiro, o candidato apoiado por Bolsonaro, Alexandre Ramagem (PL), caminha para levar uma surra do atual prefeito, Eduardo Paes (PSD), a julgar pelo Datafolha.

Na disputa pela prefeitura paulistana, o poder do ex-presidente foi colocado em dúvida no recente entrevero entre o círculo de Bolsonaro, de um lado, e Pablo Marçal (PRTB), do outro.

Diante da adesão inicial da base mais radical e barulhenta da direita ao assim chamado ex-coach, Bolsonaro viu-se obrigado a recuar na ofensiva que ensaiou contra o outsider da autoajuda.

Até agora o ex-mandatário evita atirar-se explicitamente no barco do candidato que formalmente apoia —Ricardo Nunes (MDB)— e cujo vice designou. Sua posição em cima do muro contrasta com a militância ostensiva do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pela reeleição do prefeito de São Paulo.

O episódio mostra uma base indisposta a seguir cegamente a orientação do líder e aberta à apresentação de novatos que não estejam vinculados à tutela bolsonarista, embora adiram ao mesmo torneio de boçalidades.

Hipótese ainda a confirmar-se, o declínio do bolsonarismo não seria nenhuma surpresa. O maior desafio dos agrupamentos populistas em ambientes democráticos é mesmo o de sustentar-se por longos períodos, em especial quando são chamados a governar e a demonstrar na prática a inviabilidade das suas bravatas.

O próprio funcionamento do regime dos freios e contrapesos, da livre competição partidária e da alternância no poder acaba por minimizar as ameaças às bases da democracia que possam advir desses movimentos políticos. Eles tendem, inexoravelmente, ao desgaste.

Energia cara é um gargalo da economia brasileira

Folha de S. Paulo

Estudo revela custo de R$ 100 bi com regras mal desenhadas; deve-se focar na eficiência do modelo que modernizou o setor

Quando se trata do custo da energia, insumo essencial para a produção em geral e a competitividade da industria em particular, o Brasil está longe das melhores práticas globais e erodindo sua posição como potencial destino de investimentos.

Empresas brasileiras pagam muito mais que seus concorrentes nas modalidades principais, da energia elétrica ao gás natural.

As famílias arcam com uma conta de luz que é uma das maiores do mundo —ainda mais quando se considera o nível médio de renda da população brasileira.

A causa é o acúmulo de políticas mal desenhadas e a submissão a interesses particulares que encontram guarida no governo e no Congresso Nacional.

Pesquisa da Abrace, associação que representa mais de 40% do consumo industrial de energia do país, mostra que há cerca de R$ 100 bilhões anuais em ineficiências e subsídios, 20% acima do que se verificaria na projeção de uma regulação mais eficiente.

Desse total, mais de R$ 30 bilhões decorrem de ações mal desenhadas, que vão do excesso de subsídios às fontes renováveis até valores para favorecer fontes poluentes, como o carvão.

Ainda no mandato de Jair Bolsonaro (PL), incentivos foram prolongados sem necessidade. Boa parte da geração distribuída ainda não paga pelo uso da rede de transmissão, conta que é repassada aos consumidores.

Do mesmo modo, a meritória privatização da Eletrobras não veio sem encargos, caso da obrigatoriedade de contratação de usinas termelétricas a gás em locais de viabilidade duvidosa.

No caso do gás, o quase monopólio da Petrobras e interesses estaduais na distribuição levam os custos a patamares muito superiores aos de outros países.

Outros R$ 63 bilhões anuais se referem a custos como a aquisição de energia mais cara contratada no mercado regulado das distribuidoras e taxas para a iluminação pública, entre outros.

A má gestão estatal também se dá na usina de Itaipu —que deveria gerar energia barata, já que os investimentos foram totalmente amortizados. Mas o governo usa a empresa para outras ações, como aportes em infraestrutura para servir a interesses paroquiais.

A agência regulatória Aneel sofre com indicações politicas e carência de recursos para que possa cumprir seu papel.

É preciso resgatar a visão que norteou o processo de modernização do setor nos anos 1990. Gestão profissional, foco na eficiência do sistema e barateamento do insumo essencial. O que se vê até agora, porém, é a continuidade de práticas perniciosas.

Está faltando prudência ao Supremo

O Estado de S. Paulo

Nem Lula deveria ter convidado Moraes para posar a seu lado no 7 de Setembro nem o ministro deveria ter aceitado; de Lula não se esperava outra coisa, mas ao STF se impunha mais cautela

O Supremo Tribunal Federal (STF) perdeu uma ótima oportunidade de sinalizar à grande parcela da sociedade que passou a ver com desconfiança a atuação da Corte que não é, como parece ser, uma espécie de instância superior de decisões políticas – ou seja, um tribunal parcial. Não é de hoje que o STF abriu mão da prudência republicana. Mas, como o 7 de Setembro deixou claro, nada indica, ao contrário, que a Corte esteja genuinamente interessada em retomar o bom trilho da autocontenção.

Sobrepondo seus interesses políticos à institucionalidade, o presidente Lula da Silva convidou o ministro do STF Alexandre de Moraes para figurar na primeira fileira do palanque de autoridades na celebração oficial da Independência, em Brasília. Tratou-se de um inequívoco gesto de desagravo a Moraes, que, horas depois, a cerca de mil quilômetros dali, seria hostilizado por Jair Bolsonaro e seus apoiadores na Avenida Paulista.

Lula da Silva fez o que dele se esperava. O petista usou a deferência a Moraes – na prática, tratado como chefe de Poder – para alimentar a renhida polarização com Bolsonaro, que tanto interessa a ambos. Mas não é improvável que o próprio ministro do STF também tenha usado o convite para demonstrar força política, o que, por óbvio, não se coaduna com a conduta esperada de qualquer magistrado que se pretende sério e justo.

A força de Moraes, ou a de qualquer juiz, seja qual for seu grau de jurisdição, advém fundamentalmente de sua imparcialidade e da acuidade jurídica de suas decisões, ainda que delas se possa discordar. Um juiz não é mais “forte” ou mais “fraco” por sua capacidade de granjear apoios em torno de sua figura. Evidentemente, recusar o convite do presidente da República seria uma desfeita inconcebível. Mas Moraes poderia ter optado por ficar ao lado de seus colegas de STF em fileiras mais afastadas da principal, reservada tradicionalmente aos chefes dos Três Poderes, ao ministro da Defesa e aos comandantes das Forças Armadas.

Mas Moraes não apenas se postou ao lado de Lula da Silva e do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, como ainda se deixou fotografar com eles, com a evidente intenção de transmitir ao País um sinal de que suas decisões, por mais controvertidas que sejam, contam com o respaldo dos chefes dos Poderes Executivo e Judiciário. Deveria ser ocioso lembrar, mas o amparo pelo qual Moraes deveria ansiar é o da Constituição. E deste, é forçoso dizer, muitas de suas decisões têm carecido, sobretudo as tomadas no âmbito dos onipresentes inquéritos das fake news e das milícias digitais.

Como se nada disso bastasse, alguns ministros do STF ainda participaram de um convescote organizado por Lula da Silva no Alvorada, após o desfile do 7 de Setembro. Entre uma garfada numa fatia de costela e outra no feijão tropeiro servidos aos comensais, consta que magistrados e integrantes do governo fizeram troça da manifestação convocada por Bolsonaro para fustigar Moraes e, de quebra, pedir anistia política e criminal para ele e outros golpistas envolvidos no 8 de Janeiro. Mais uma vez, faltou prudência ao STF. E faltou respeito aos seus críticos, haja vista que nem todo reparo à Corte tem sido feito por quem quer a sua deslegitimação, mas, antes, apenas deseja ver o STF circunscrito ao seu papel constitucional.

É curioso imaginar qual seria a reação dos petistas se acaso Bolsonaro ainda fosse o presidente da República e desse aos ministros Nunes Marques ou André Mendonça a mesma deferência dada por Lula da Silva a Alexandre de Moraes – alguém que até outro dia, apenas por ter sido indicado à Corte pelo “golpista” Michel Temer, era chamado de “fascista” ou coisa pior pela mesma turma que hoje o saúda como herói nacional.

A política e seus protagonistas passam. O STF, porém, haverá de permanecer como uma das mais importantes instituições da República. Portanto, pairar acima das lides políticas, como a última linha de defesa da Constituição, deveria não só ser entendido pelos ministros da Corte como sua missão fundamental, mas também servir como norte indesviável de seu comportamento.

Lula, de estadista a bobo da corte

O Estado de S. Paulo

Lula se julga o líder da esquerda latino-americana, enquanto o companheiro Maduro o despreza e ameaça a soberania brasileira sem receber do petista uma resposta à altura

Na sexta-feira, milicianos encapuzados cercaram a Embaixada da Argentina em Caracas, que está sob custódia do Brasil desde que o governo chavista expulsou o corpo diplomático argentino. O prédio abriga seis opositores venezuelanos. No sábado, Nicolás Maduro revogou a autorização do Brasil para assumir a embaixada. A eletricidade foi cortada e só foi restabelecida no domingo, quando o cerco foi dispersado. Concomitantemente, o candidato da oposição, Edmundo González, alvo de uma ordem de prisão exarada pelos juízes fantoches de Maduro, se juntou a quase 8 milhões de venezuelanos refugiados e foi recebido como exilado pela Espanha.

Esses incidentes expõem com chocante clareza três fatos. Primeiro, que classificar o que aconteceu na Venezuela como “fraude” às eleições já virou um eufemismo. O povo venezuelano, que, segundo todas as evidências, elegeu González com dois terços dos votos, é literalmente vítima de um assalto à mão armada. Segundo, que o regime chavista não só violará regras internacionais, mas acordos com o Brasil e a própria soberania brasileira sempre que julgar conveniente. Terceiro, a pusilanimidade patológica de Lula da Silva ante essas e outras tantas agressões aos direitos dos venezuelanos e do próprio país que governa.

Líderes da oposição, organizações independentes e chancelarias de governos diversos – como EUA, Argentina, Paraguai, Uruguai e Costa Rica – emitiram notas duras de repúdio às ameaças de Maduro ao Brasil e aos refugiados venezuelanos abrigados por ele. Já o Itamaraty se restringiu a afirmar burocraticamente a inviolabilidade das instalações argentinas e também que manteria a sua custódia até que Buenos Aires indique outro Estado para exercer esta função. Nem uma mísera palavra de indignação. O máximo de emoção que o Itamaraty foi capaz de exprimir foi “surpresa”. O resto é silêncio.

Na sexta-feira, o disco quebrado de Lula voltou a rodar em uma entrevista a uma rádio: ele segue se fazendo de desentendido em relação às atas que o regime já disse que não publicará e que a oposição já publicou; sua solução continua a ser “novas eleições”; o comportamento de Maduro “deixa a desejar”; e seu regime não é uma ditadura, “é mais um rolo”.

Enquanto Nicolás Maduro promete “banhos de sangue”, rouba as eleições, declara que só entregará o governo a algum preposto chavista e persegue opositores, a posição de Lula continua a ser – visto que não houve retificação – a de que não há nada de “anormal ou grave”. Enquanto o ditador ameaça invadir um país vizinho que faz fronteira com o Brasil, questiona a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro e ameaça territórios sob a custódia do Brasil, Lula vê apenas um regime “desagradável”.

O chavismo sempre usou Lula e o PT para se legitimar e se financiar, mas Lula e o PT são incapazes de manifestar indignação, se não pelas agressões ao Brasil, ao menos pela ingratidão do indigitado companheiro. Não é de hoje que o sangue de barata corre nas veias do lulopetismo. Foi no governo de Lula que o companheiro boliviano Evo Morales confiscou refinarias da Petrobras. Foram os governos petistas que financiaram a cleptocracia de Maduro com empréstimos do BNDES. O calote chega a cerca de R$ 7 bilhões, na prática coberto pelo Tesouro brasileiro. Lula voltou ao poder garantindo que a Venezuela e outras ditaduras quitariam suas dívidas “porque são todos amigos do Brasil” – leia-se, de Lula. Muy amigos.

A cortesia com o chapéu alheio – no caso, o do contribuinte brasileiro – deveria ao menos servir para que Lula refreasse a sede de sangue dos tiranos companheiros. Mas nem isso. Na semana passada, não foi o demiurgo petista que logrou a libertação de dezenas de presos políticos pelo déspota nicaraguense Daniel Ortega, mas o diabo em pessoa: o governo “estadunidense”.

Reza um ditado que numa mesa de pôquer há sempre um otário, e se você não sabe quem é, provavelmente é você. Lula se julga um grande estadista, um líder da esquerda global, uma voz influente no jogo de poder latino-americano. Mas os fatos mostram bem outra coisa.

A mágica do crédito imobiliário

O Estado de S. Paulo

Nenhuma das ideias para o setor inclui rever a política fiscal para reduzir os juros

Governo e mercado discutem maneiras de ampliar as fontes de recursos para o crédito imobiliário, segundo reportagem publicada pelo Estadão. Diante da debandada de investidores que aplicavam na caderneta de poupança e da ampliação do uso do FGTS para outras finalidades que não a compra da casa própria, trata-se de agenda necessária para impedir que os financiamentos fiquem escassos e ainda mais caros.

Mas há formas e formas de solucionar essa questão. De acordo com a consultoria Oliver Wyman, é possível aperfeiçoar as opções de mercado já existentes, como Letras de Crédito Imobiliário (LCIs), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) – todos títulos de renda fixa já consolidados no mercado e também já utilizados como funding pelo setor.

A Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), por exemplo, sugere a reversão de uma decisão do Conselho Monetário Nacional que ampliou o prazo de vencimento das LCIs de 3 meses para 12 meses. Segundo a entidade, essa mudança, anunciada no início do ano, fez com que as captações caíssem pela metade. Recentemente, após reclamações, o prazo foi reduzido para nove meses.

Já o governo trabalha com alternativas bem mais heterodoxas, para dizer o mínimo. A vice-presidente de Habitação da Caixa Econômica Federal, Inês Magalhães, defende a liberação de parte dos depósitos compulsórios para dar um fôlego ao setor. Hoje, 65% dos recursos da caderneta vão para os financiamentos, e a ideia é reduzir os compulsórios de 20% para 15%. A proposta, no entanto, não depende da Caixa, mas do Banco Central, que raramente adota esse tipo de medida em razão de seus riscos inflacionários – a última vez foi durante a pandemia.

A outra sugestão da Caixa é a criação de mecanismos que tornem os investimentos habitacionais atrativos aos fundos de pensão. Segundo ela, o Brasil é um dos poucos países em que os fundos de pensão não investem em habitação. Como se pode perceber, a executiva é apenas mais uma a enxergar nos fundos de pensão um agente de fomento público, como se os recursos não fossem privados e pertencessem a trabalhadores e aposentados.

Mas talvez o ponto alto das propostas aventadas seja o uso da estatal Empresa Gestora de Ativos (Emgea) para estimular a formação de um mercado secundário de financiamentos imobiliários no País. O tema fez parte de uma medida provisória que caducou no fim de agosto, mas o governo não parece ter desistido da ideia e discute maneiras de livrar gestores de eventuais punições pela compra de carteiras podres – que, por óbvio, vão gerar prejuízos à Emgea.

O crédito imobiliário está estagnado em cerca de 10% do PIB desde 2015, bem menos que o registrado em muitos países emergentes. Parte desse problema se deve às taxas de juros muito elevadas, cuja maior responsabilidade recai justamente sobre o governo. Não surpreende, portanto, que nenhuma das soluções propostas pelo Executivo federal passe por rever sua política fiscal, a única forma de reduzir os juros de maneira estrutural.

Risco fiscal piora perfil da dívida mobiliária federal

Valor Econômico

Revisão abre espaço para que mais da metade da dívida mobiliária federal seja caracterizada pela volatilidade e pela imprevisibilidade

O aumento do risco fiscal teve impacto na administração da dívida mobiliária federal e desembocou no ajuste que o Tesouro acaba de fazer no Plano Anual de Financiamento (PAF). Contrariando promessas feitas no início do ano, o Tesouro vai reduzir a oferta de títulos prefixados (com rendimento definido na compra) e passar a emitir mais papéis atrelados à Selic (LFT), sob pressão da demanda. A mudança sinaliza uma piora na composição na dívida mobiliária e seu provável encarecimento.

No início do ano, a direção do Tesouro comemorou ter atingido quase todas as metas do PAF de 2023, como a melhora na estrutura de vencimento da dívida. O prazo médio de vencimento voltou aos quatro anos e apenas 20% do total venciam em 12 meses. Além disso, foram feitas em 2023 emissões externas que pagaram juros apenas um pouco acima das taxas dos títulos do Tesouro dos EUA.

Embalado pelos bons resultados, o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, antecipou que seriam emitidas neste ano Letras do Tesouro Nacional (LTN), títulos prefixados, de 72 meses. Os prefixados são os papéis preferidos pelo Tesouro porque dão mais previsibilidade aos compromissos, e o alongamento do prazo seria bastante favorável. Outro objetivo era reduzir o percentual da dívida com vencimento em 12 meses para menos de 20% do total, mesmo tendo que apelar para papéis com taxas flutuantes.

Tudo parecia correr bem até que o cenário externo começou a mudar após o primeiro trimestre. Surpreendentemente o Japão elevou os juros, inviabilizando operações de “carry trade” (estratégia de investimento em moedas com base no diferencial de juros entre dois países) com a moeda japonesa. Depois, a expectativa de corte dos juros americanos foi colocada em dúvida com o aumento da inflação nos EUA e sinais de que a economia estava mais aquecida do que se imaginava. No mercado doméstico, em abril, os prometidos superávits de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026 foram reduzidos para 0,25% e 0,5%, respectivamente, com o governo contando basicamente com o aumento das receitas para atingir as metas.

A previsão de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) demoraria mais do que se esperava para reduzir os juros e a deterioração da percepção fiscal causaram turbulência no mercado financeiro. Mesmo agora, depois que novos números abriram espaço para a redução dos juros americanos, a expectativa é que a Selic pode até subir. No mercado futuro de juros, os vencimentos mais longos rondam os 12% ao ano. A taxa dos títulos atrelados à inflação, as NTN-Bs, superaram os 6% ao ano, o maior nível em um ano, no fim de abril.

Mais recentemente, houve redução na demanda por NTN-B, que chamou a atenção do Tesouro, com a concorrência cada vez maior das debêntures incentivadas, títulos privados que são também corrigidas pelo IPCA, oferecem juros maiores e não pagam Imposto de Renda (IR). Cálculos do mercado indicam que as emissões de debêntures incentivadas, somadas às dos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) indexados ao IPCA, superaram as de NTN-Bs no primeiro semestre.

A demanda por títulos públicos passou a se concentrar nas LFTs, que seguem variação da taxa Selic e que ultrapassaram as metas do PAF já em julho, tornando inevitável o ajuste anunciado agora. Das emissões de títulos públicos feitas neste ano, 66% são de LFT, 23% de papéis prefixados e 10% de indexados ao IPCA.

Ao final de julho, a dívida mobiliária federal estava em R$ 7,14 trilhões, dentro dos limites estabelecidos pelo PAF deste ano, de R$ 4 trilhões a R$ 7,4 trilhões, dos quais 4,5% externos. O percentual que vence em 12 meses correspondia a 17,46%, praticamente estável em relação ao mês anterior. O prazo médio da dívida - o tempo necessário para que todos os investidores resgatem todos os empréstimos - subiu ligeiramente, de 4,02 anos em junho para 4,03 anos em julho, mantendo-se acima de 4 anos por um período de tempo que não ocorria desde antes da pandemia. Entre janeiro e setembro de 2020, o prazo médio da dívida mobiliária caiu de 4,74 anos para apenas 2,09 anos, recuperando-se gradualmente.

Foram alterados três pontos do PAF. A participação das LFTs foi ampliada para 43% a 47%, acima da faixa anterior de 40% a 44%. Em julho, já estava em 44,95%. A banda dos papéis prefixados LTNs e NTN-Fs, geralmente preferidos pelo Tesouro, foi reduzida para 22% a 26%, contra uma anterior de 24% a 28%. E a dos títulos atrelados a índices de preços (NTN-Bs) passou a 25% a 29%, também inferior à de 27% a 31%, que vigorava antes.

A revisão do PAF não é corriqueira. A última vez que ocorreu foi em junho de 2021. Nos últimos dez anos, o PAF foi alterado cinco vezes. Mas não deixa de ser uma sinalização negativa para a dívida pública e pode resultar em encarecimento do custo de financiamento. A revisão feita agora abre espaço para que mais da metade da dívida mobiliária federal seja caracterizada pela volatilidade e pela imprevisibilidade, uma vez que 47% estarão em LFTs e 4%, em dólar. Enquanto o governo não conseguir fazer superávit primário, terá que se endividar mais para rolar todos os vencimentos.

Além de medalhas, políticas públicas

Correio Braziliense

Os desafios colocados na trajetória dos atletas paralímpicos não diferem muito dos que são de alto rendimento. Entre eles, poucas oportunidades, dificuldade de acesso à alta tecnologia do esporte, visibilidade na mídia e patrocínio

O Brasil festejou, neste fim de semana, mais uma vitória no mundo dos esportes. Os atletas com deficiência  trouxeram 89 medalhas —  25 de ouro, 26 de prata e 38 de bronze — nas Paralimpíadas de Paris 2024. Um resultado inédito que levou o país ao top-5. Mais uma vez, uma atleta negra teve um papel importante para tornar real o sonho de todos. A carioca Tayana Medeiros conquistou o ouro, ao bater o recorde de levantar 156kg, na categoria de até 86 quilos do halterofilismo. 

 A delegação brasileira contou com 255 esportistas, formada por representantes de todos os estados do país. Das 27 unidades da Federação, 19 conquistaram medalhas. Otimista e entusiasmado, o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Mizael Conrado, por meio de sua assessoria de comunicação, declarou que "o Brasil, agora, precisa só olhar para frente, porque o caminho da evolução e do desenvolvimento está traçado. O futuro é promissor".

Nem tudo depende da CPB. O maior centro de treinamento (CT) dos atletas com deficiência está em São Paulo. As instalações são de primeira linha (indoor e outdoor) que permitem treinamentos, competições e intercâmbios de atletas em 20 modalidades paralímpicas. 

Em outros estados, também há  centros de treinamento. Na capital da República, o CT, inaugurado em 2016, é visto como um dos centros de excelência no Brasil e na América Latina, e um dos melhores do mundo, com 95 mil metros quadrados de área construída. Em Minas Gerais, o CT paralímpico de alto rendimento funciona na Universidade Federal (UFMG), que atua na formação de atletas, de recursos humanos e desenvolvimento de pesquisa, com financiamento do governo federal.

Na comparação com a repercussão das Olimpíadas de Paris, as paralímpiadas não têm grande espaço nos veículos de comunicação. Os atletas não exibiam nas camisetas publicidade de empresas do setor privado, que seriam suas patrocinadoras. Além disso, os meios eletrônicos também não exaltam as vitórias conquistadas pelos participantes. De modo geral, a reclamação de vários atletas por mais apoio das entidades públicas e privadas faz sentido. Eles entendem que essa ausência de amparo tem a ver com preconceito social em relação aos deficientes — um comportamento bem próximo ao capacitismo.

Os desafios colocados na trajetória dos atletas paralímpicos não diferem muito dos que são de alto rendimento. Entre eles, poucas oportunidades, dificuldade de acesso à alta tecnologia do esporte, visibilidade na mídia e patrocínio. As lesões esportivas também preocupam e muitos antevêem que enfrentarão problemas quando mais velhos e sem aposentadoria.  Como sobreviver?

A indagação precisa de uma resposta do poder público — Executivo e Legislativo — principalmente para os paralímpicos. Eles demandam políticas públicas mais efetivas e amparo do Estado. Não basta trazer medalhas ao país, o reconhecimento não pode se restringir a aplausos, mas em ações que garantam a todos qualidade de vida, quando não mais puderem viver do atletismo.

 

 



 

 

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