• Rigor na prevenção de atentados não se opõe a políticas de integração das minorias; ambos se impõem na luta contra o extremismo
De forma cinematográfica e sangrenta, encerrou-se ontem (9) a caçada aos dois irmãos acusados de desencadear o atentado contra o semanário satírico "Charlie Hebdo", na última quarta-feira (7).
Uma equipe especializada cercou a oficina gráfica a 35 km de Paris, onde Said e Chérif Kouachi, cidadãos franceses de pais argelinos, mantinham um refém.
Sitiados, ambos tentaram abrir a bala seu caminho de fuga; tiveram, entretanto, o mesmo fim que infligiram, com muito mais impiedade e desvario, aos cartunistas, seguranças e demais profissionais fuzilados na sede do jornal parisiense.
Em solidariedade aos autores do bárbaro atentado, outro cidadão francês, Amedy Coulibaly, invadiu um mercado judaico, assassinando quatro pessoas antes de ser ele próprio morto pela polícia.
Dificilmente seria pacífico o desfecho de um acontecimento desde o início marcado pelo extremismo e pela sanguinolência.
Apenas num sentido muito estrito, contudo, pode-se falar em "desfecho". Não só porque ainda estão por ser esclarecidas todas as circunstâncias do atentado em si, mas também porque mal se vislumbram os efeitos do ocorrido para o ambiente político europeu.
Já eram visíveis, antes do morticínio, os sinais de um recrudescimento da islamofobia em alguns países. A partir deste momento, a extrema-direita francesa, reciclada na figura de Marine Le Pen, decerto poderá contabilizar ainda mais adeptos para sua política de intolerância contra imigrantes em geral.
Calcula-se em cerca de 5 milhões o número de islâmicos na França. Apenas uma ínfima minoria haverá de representar ameaça real e armada aos valores do Ocidente.
Preconceito e marginalização tendem, contudo, a ser fatores de recrutamento para as forças do extremismo --e negação de princípios fundamentais para as democracias, como a liberdade de expressão, de opinião e de culto.
Uma política ativa de integração e abertura se torna essencial para evitar que o trauma se aprofunde em ambos os lados.
Não se pode deixar de apontar, de todo modo, a aparente ineficiência dos serviços de inteligência. Os irmãos Kouachi eram monitorados havia tempos; o sequestrador Coulibaly já tinha sido responsabilizado por diversos crimes.
Ações positivas de aproximação cultural não podem se confundir com a timidez das autoridades em reprimir o terrorismo. A menos que se tenha introjetado uma variante especialmente perversa e paradoxal do preconceito, é evidente que lutar com o máximo rigor contra fanáticos e assassinos não significa padecer de islamofobia.
Nos países democráticos, a segurança, a lei e a ordem são, em sua essência, garantia dos direitos individuais e sociais, e não instrumentos do preconceito --muito menos um álibi para a violência de extremistas.
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