sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Para analistas, impeachment deve acelerar ritmo do ajuste

Por Camilla Veras Mota e Arícia Martins – Valor Econômico

SÃO PAULO - A concretização do impeachment deve acelerar a negociação das medidas fiscais já propostas pelo presidente interino Michel Temer, avaliam economistas. Outras agendas importantes e que exigem maior capital político, como as reformas previdenciária e trabalhista, podem ser encaminhadas ao Congresso até o fim do ano, mas não há expectativa de aprovação no curto prazo.
Além da consolidação do ajuste fiscal, outra condição necessária para que o PIB volte a crescer é o sucesso das concessões em infraestrutura. Por isso, o governo precisa ter urgência na definição dos projetos e do modelo de financiamento do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

Dentro do projeto de coleta de projeções dos principais indicadores macroeconômicos do país, o Valor Data faz, periodicamente, consultas qualitativas com as consultorias e departamentos econômicos de instituições financeiras. Para essa rodada, foram apresentadas três questões. O objetivo é entender quais serão as prioridades do governo Temer, caso se torne efetivo, que condições são necessárias para que a economia volte a crescer e, também, o que esperar do ajuste fiscal daqui para frente.


"O governo deve ter como principal objetivo consolidar a percepção de que haverá avanço de medidas que garantam trajetória fiscal sustentável", afirma o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, citando o avanço da PEC que limita a alta do gasto público à inflação do ano anterior e o começo da discussão sobre a Previdência.

A menor incerteza sobre as contas públicas vai contratar perenidade da melhor confiança, avalia Barros. Já a ampliação do horizonte de empresários e consumidores dará suporte à retomada nos próximos dois anos. "Vale ter em mente que o tempo político é mais dilatado que o econômico. De qualquer maneira, é preciso que o governo mostre seu firme comprometimento com o ajuste fiscal", concorda Thaís Zara, economista-chefe da Rosenberg Associados.

Exercícios feitos pela LCA Consultores apontam que o choque favorável já observado nas expectativas pode levar o PIB a crescer algo entre 2% e 3% já em 2017, diz Bráulio Borges, economista-chefe da consultoria. Embasam as projeções da LCA, de alta de 1,5% para o ano que vem, e de 3% para 2018, a percepção de um ambiente político mais estável, assim como a continuidade da melhora da confiança após a aprovação das medidas fiscais.

Sem essa implementação e o encaminhamento das reformas estruturais, o desempenho favorável da confiança sofrerá um revés e impossibilitará a retomada econômica, alerta Jankiel Santos, economista-chefe do banco Haitong.

Na visão do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, a expectativa de crescimento de 2% para o próximo ano não pode ser vista como otimista, uma vez que haverá retração de mais de 8% durante os dois anos de recessão. "Só não crescemos mais porque o ajuste fiscal e monetário estão em andamento e impedem um crescimento mais intenso ano que vem."

Ainda que a administração atual ganhe força após se tornar efetiva, a negociação da agenda fiscal não será fácil, pondera Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, não só pela impopularidade do tema, mas pelo baixo capital político do governo. Por isso, diz, é preciso agir rápido, para ter apoio dos demais partidos, em especial do PSDB, e ter foco. "Nesse sentido, não esperamos que outras agendas sejam encaminhadas. O foco deve ser a agenda fiscal que, por sinal, já é bastante ambiciosa."

Na avaliação de Marco Caruso, do banco Pine, a aprovação da proposta que restabelece a Desvinculação das Receitas da União (DRU) abrirá margem de manobra sobre as despesas discricionárias, enquanto a alta das despesas obrigatórias será contida pela PEC do teto. A consistência dessa medida no tempo, porém, vai exigir alguma contenção das despesas previdenciárias. "Esta ação, no entanto, deve ficar para um segundo momento", afirma Caruso. Maurício Molan, economista-chefe do Santander, acredita que a PEC será aprovada este ano, enquanto o debate sobre a reforma das aposentadorias vai amadurecer em 2017.

Embora em estágio avançado na pauta do Congresso em relação às outras propostas, a PEC está sujeita a riscos de calendário capazes de adiar a aprovação para o próximo ano, diz Raphael Ornelas, do Brasil Plural. "Dessa maneira, os primeiros esforços do novo governo devem concentrar-se na aprovação da PEC com o máximo de presteza e o mínimo de desvirtuação."

Espera-se que, com o fim da interinidade, o governo "jogue mais duro" com o Congresso, o que não tem feito até agora, diz Luiz Castelli, da GO Associados, e dê sentido de urgência à aprovação da PEC. Por outro lado, somente o teto vai demorar bastante para gerar superávits. "Ou seja, espera-se outras propostas no campo fiscal".

Juan Jensen, da 4E Consultoria, concorda. "As receitas devem combinar entradas temporárias, de concessões e privatizações, e permanentes, como a reversão de desonerações, aumento ou mesmo a instituição de novos impostos."

Uma vez tornado efetivo, o governo precisa apresentar medidas sobre projetos de infraestrutura, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator, com definição de critérios de seleção e regulação desenhada por incentivos, e não regras "sabidamente ineficazes". "Algum tipo de incentivo será necessário, via renúncia ou subsídio, como as debêntures e garantias do BNDES ou Tesouro, desde que com critérios objetivos de cobrança de resultados."

Para que os projetos sejam viabilizados, aponta Helcio Takeda, da consultoria Pezco, é necessário melhorar o ambiente regulatório, fortalecendo o papel das agências reguladoras, e aumentar a participação do mercado de capitais e do investimento estrangeiro no financiamento.

Sem redução dos juros, o mercado de capitais não poderá ser fonte de recursos para as concessões e privatizações, diz Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, num momento em que os bancos públicos estão com orçamentos reduzidos. Por isso, é fundamental criar condições para que os juros caiam. Desse cenário depende a previsão do ABC de alta de 4% do PIB em 2018.

O Itaú tem projeção igual, mas o economista Caio Megale destaca que as reformas de ajuste fiscal são necessárias. "São as reformas que vão possibilitar a redução dos prêmios de risco e que abrem espaço para um processo mais consistente de queda de juros."

A perda de fôlego da inflação será outro impulso ao PIB, segundo Carlos Pedroso e Mauricio Nakahodo, do Banco de Tokyo-Mitsubishi UFJ Brasil, ao abrir espaço para melhora do consumo, ao menos de bens de menor valor. Por outro lado, dizem, a demanda ainda será restrita, "devido ao mercado de trabalho negativo pelo menos até o fim do primeiro semestre e aos juros elevados, mesmo com o início do ciclo de corte previsto para janeiro".

Rafael Leão, economista-chefe da Parallaxis, elevou de 0,5% para 1,1%, a previsão para o aumento do PIB no próximo ano, com base na expectativa de redução da Selic e no nível mais desvalorizado do câmbio ante 2014, que ajuda o setor externo. Mais pessimista, Silvia Matos, do Ibre-FGV, tem dúvidas sobre os rumos do ajuste. "Minha dúvida é se será necessária nova rodada de mau humor nos mercados para que Congresso e sociedade aceitem medidas fiscais tão difíceis", diz ela, que trabalha com alta de apenas 0,5% do PIB em 2017.

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