- O Globo
• O debate caminha para um certo consenso em dirigir o foco mais para o lado fiscal do que para aventuras monetárias
Nosso caso é o oposto do que se vê fora: juros reais e nominais elevados com inflação alta, há décadas. A lista de suspeitos usuais para esse fenômeno é desfilada no início do primeiro artigo, mas é tida como insuficiente. Após longo resumo da teoria monetária e sua evolução, o foco volta ao Brasil e à possibilidade de estarmos em uma situação de dominância fiscal. Isso implica que aumentos de juros, dados déficit fiscal e dívida pública elevados, teriam impacto inflacionário, o oposto do usual. Não creio que seja o caso, mas a margem de segurança é pequena. O que fazer?
André afirma em seu segundo artigo, e tenho dito o mesmo publicamente há meses, que o ajuste fiscal necessário é da ordem de 6 a 7 pontos do PIB, tarefa difícil. Argumenta também que a carga tributária no Brasil é elevada, e que cabe preocupação com o custo fiscal da política monetária.
Concluo que André recomenda (1) focar no equilíbrio fiscal de longo prazo e (2) abandonar o conservadorismo na política monetária. Da leitura do primeiro artigo, não dá para descartar a hipótese de que o autor consideraria um corte de juros para derrubar a inflação. No segundo, fica mais claro que a sugestão é acelerar os cortes de juros.
Na realidade, a inflação já cedeu bastante, mas após um período em que a política monetária convencional funcionou, com ajuda da nova agenda fiscal, e com a profunda recessão causada por erros de política econômica do governo Rousseff, que custaram muito ao país, bem mais do que o aperto monetário. Agora sim os juros podem e estão caindo.
Minha visão: não acredito que, em um ambiente de incerteza elevada como o atual, ajustes fiscais defasados no tempo possam ter o impacto necessário para reduzir as fragilidades que nos afligem. Mesmo com a aprovação de uma boa reforma da Previdência, a dívida pública deve passar de 80% do PIB. Para resolver de vez o problema, é necessário um ajuste fiscal imediato de pelo menos 3 pontos do PIB, seguido de aumentos de pelo menos um ponto por ano. Como a carga tributária está em cerca de 33% do PIB, existe espaço para algum aumento. Ademais, nada me convence que a expansão de gasto público recente (cerca de 4,5 pontos do PIB) não pode ser pelo menos em parte revertida.
Desta forma se deixaria uma herança melhor para o próximo governo, e aumentariam assim as chances de sobrevivência dos ajustes de longo prazo propostos pelo governo. Assim se tornaria bem mais viável o círculo virtuoso de juros e atividade econômica que todos queremos.
Dito de outra forma, não creio que o ajuste a longo prazo seja o suficiente para que se possa abandonar um certo conservadorismo na prática da política monetária. E mais, a sinalização de que poderia haver um caminho mais fácil na área monetária reduziria o ímpeto para o ajuste fiscal necessário.
Como lembra Elio Gaspari (O GLOBO e “Folha de S.Paulo”, 8/2), eu disse em entrevista na “Folha”, em 5 de fevereiro, que teria preferido mais discussões entre especialistas sobre as novas teorias, por sua complexidade técnica. Não houve qualquer interdição ao debate sobre juros.
Na verdade, falo e escrevo sobre isso há anos, como muitos outros. Em entrevista recente à revista “Época” (31/1, versão completa no site), eu disse que “o Brasil tem juro alto há muito tempo, uma aberração quando se compara ao resto do mundo. ” Na “Folha”, eu disse que o Brasil adora um atalho (no caso, para juros baixos), que, se vislumbrado, atrapalharia o andar das reformas necessárias. Dei exemplos e mencionei a voluntarista e fracassada redução de juros de Dilma, feita inclusive antes da perda relevante de disciplina fiscal. Falar em patrulha, demofobia e repressão militar, como fez Gaspari, é puro sensacionalismo.
O fato é que o imprescindível debate vem acontecendo em público nos jornais e blogs, e caminha para um certo consenso na direção de dirigir o foco mais para o lado fiscal do que para aventuras monetárias que mais uma vez sairiam caras.
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