- O Estado de S. Paulo
Orçamento do governo de Donald Trump nada tem de pão para os mais pobres
“Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais.”
Panis et Circenses, Os Mutantes
Quando este artigo for publicado na quarta-feira de cinzas, Donald Trump terá proferido seu primeiro discurso no Congresso americano. Trata-se não do tradicional “State of the Union Address” – este só ocorre depois de o presidente completar um ano na Casa Branca –, mas isso não o torna menos importante. Pela primeira vez, Trump delineará para republicanos e democratas sua agenda de governo nas áreas mais importantes, como os planos para a economia e para a política externa. Na semana passada, no evento Conferência para a Ação Política Conservadora (Conservative Political Action Conference), Trump e seu estrategista ideólogo Steve Bannon discorreram sobre as linhas gerais de seu movimento nacionalista-populista – definição deles, não minha. Curioso é que, até agora, a versão do populismo norte-americano exala tropicalismo peculiar.
O manual dos líderes populistas, bem elucidado pelo economista Sebastian Edwards em podcast imperdível para o Financial Times (ver https://ftalphaville.ft.com/2017/02/24/2184982/podcast-sebastian-edwards-on-why-economic-populism-always-disappoints/), determina que doses elevadas de pão e circo façam parte da estratégia tanto de comunicação, quanto de articulação da política econômica. Motes como “Make America Great Again”, a divisão da população entre “nós” e “eles”, os ataques à mídia independente, a identificação de inimigos (na América Latina, FMI, EUA, as elites; nos EUA, os imigrantes, os chineses, as elites) faz parte do circo. Fazem parte do circo também os tropeços de Trump – a tentativa atabalhoada de restringir a entrada nos EUA de cidadãos de alguns países muçulmanos, o escândalo que derrubou um de seus assessores diretos da área de segurança, as suspeitas de que membros de sua campanha tenham participado de conversas esquisitas com os russos, os tweets infindáveis na madrugada, os estremecimentos diplomáticos com México, China, Austrália, Suécia. Do circo também faz parte o cerco aos imigrantes que cá estão sem os documentos adequados nas operações de busca e apreensão em todo país ao alvorecer. Mas e o pão? Onde está o pão?
Escrevo antes de saber os detalhes do orçamento que Trump proporá ao Congresso. No entanto, suas linhas gerais já foram adiantadas: um aumento de 10% nos gastos com Defesa, com alguma contrapartida nos gastos discricionários e na redução do orçamento do Departamento de Estado e da Agência de Proteção Ambiental. Ou seja, a militarização estonteante – “de puro aço luminoso um punhal” – será em parte financiada por redução dos recursos para a diplomacia e para a proteção do meio ambiente. O corte de gastos discricionários inevitavelmente afetará programas sociais fora das áreas de saúde e seguridade social, por ora preservadas. Em tempo: reduzir drasticamente os programas de saúde e seguridade social existentes é plano antigo dos republicanos, o que significa que Trump terá de travar batalha dentro do Congresso com o próprio partido. As diretrizes do orçamento também preveem corte significativo de impostos para o setor corporativo, porquanto não se tenha clareza sobre o controvertido “Border Tax Adjustment”, o imposto trans-fronteiras que elevaria o custo das importações, e que possivelmente infringiria as regras da Organização Mundial do Comércio.
O orçamento de Trump, portanto, nada tem de pão para os mais pobres, de ajuda direta aos trabalhadores que ele e sua equipe prometeram defender das garras do comércio internacional. Tampouco há nele qualquer indício de que serão direcionados aos Estados que mais perderam empregos industriais recursos para reerguer a grandeza de outrora. É fato que governos populistas dão o pão, apenas para retirá-lo depois daqueles que prometeram proteger. Isso é o que permite que países com governos populistas cresçam por um tempo, antes de cair em desgraça. Nem sequer oferecer o pão, eis inovação que pode impedir a sustentação mais óbvia do populismo.
“Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer.”
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