- Folha de S. Paulo
Há a percepção de que uma forte queda da corrupção fará aparecer no caixa do Tesouro Nacional algo como R$ 200 bilhões. Esse número fatídico tem sido divulgado sem que haja nenhuma referência a algum estudo sistemático que o origine.
Três motivos principais sugerem que as coisas não são tão simples.
O primeiro motivo é que o combate à corrupção tem um custo. Ou seja, para saber quanto aparecerá no caixa do Tesouro, é necessário calcular números líquidos do custo do combate à corrupção.
Erros como esse são comuns em estatísticas dessa natureza. Com frequência divulgam-se na imprensa números sobre desperdício de alimentos. O subtexto é que a sociedade poderia ser muito mais rica se não houvesse o desperdício. O problema é que não se consideram os investimentos necessários para reduzir as perdas. O ganho para a sociedade será o resultado líquido.
Ou ainda com as perdas da Sabesp na distribuição de água nos domicílios. As perdas precisam ser computadas de forma líquida (sem trocadilho) dos custos de reduzi-las.
O segundo motivo a sugerir que o custo fiscal da corrupção é bem menor do que se imagina é que muitas vezes consideramos como corrupção a incompetência pura e simples e problemas de gestão do Estado. Ambos são problemas seríssimos, mas de natureza distinta da corrupção.
Por exemplo, a maior parcela dos prejuízos da Petrobras com a construção da refinaria de Abreu e Lima (PE) e do Comperj (RJ) deveu-se a problemas de projeto e de execução das obras. A corrupção, muito elevada, respondeu por R$ 6 bilhões, ante perdas de R$ 44 bilhões no balanço da empresa de 2014 -ou seja, a corrupção respondeu por 14% das perdas patrimoniais contabilizadas.
Um terceiro motivo é que algumas vezes a corrupção reduz a ineficiência da economia pois funciona como um lubrificante que diminui o atrito do sistema: é comum termos regulação complexa e excessiva e, nesses casos, a corrupção, apesar de imoral, pode aumentar a eficiência do sistema e, portanto, provavelmente ocorrerá em uma economia de mercado.
Não se trata, obviamente, neste último caso, de defender a corrupção. Muito melhor do que o lubrificante mencionado é ter regras simples e bem desenhadas. E, mesmo que não seja assim, a lei tem que ser cumprida, independentemente da questão da eficiência. Mas, se o assunto é custo da corrupção, não se pode deixar de mencionar esse fator numa análise objetiva da realidade.
A moral da história é que o combate à corrupção não é a panaceia para nossos problemas fiscais, embora possa ajudar.
Por exemplo, no último ano houve queda apreciável de gastos com o programa auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez a partir de um pente-fino promovido pelo Ministério da Ação Social. Pessoas não elegíveis aos programas recebiam os benefícios. Evidentemente, como discuti na coluna de 2/4/2017, o combate à corrupção nesses programas tem o custo de, em alguns casos, levar à recusa do benefício a pessoas que são de fato elegíveis. A razão é que não há sistema de filtros que seja perfeito.
O combate à corrupção é uma agenda complexa e permanente. O combate à corrupção pela repressão policial e pela ação direta da Justiça é só um dos elementos dessa agenda.
Mudanças legislativas que reduzam as oportunidades e aumentem e deem mais eficácia aos instrumentos de investigação –principalmente quando se trata de crimes de colarinhos branco, que não deixam rastros– são igualmente importantes.
Se é verdade que o combate à corrupção não fará aparecer R$ 200 bilhões no caixa do Tesouro Nacional, é provável que a construção de um marco legal que desestimule fortemente a corrupção produza fortes impactos sobre o crescimento de longo prazo do país.
Ou seja, provavelmente a ligação entre corrupção e caixa do Tesouro Nacional existe, mas o grosso dela se dá de forma indireta, mediada pelo crescimento econômico. Não há dúvida de que o combate à corrupção é uma importante bandeira, mas devemos entender de forma realista os ganhos que ela pode trazer. E não a usar para tapar o sol com a peneira em relação à necessidade imperiosa de fazer o ajuste fiscal.
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