- Valor Econômico
A difícil tarefa de ganhar uma eleição sem tomar lado
Qual seria sua primeira proposta legislativa? Já se aproximava da meia-noite de segunda-feira quando Marina Silva respondeu a uma das últimas perguntas da bancada do "Roda Viva": "Precisamos pensar no conjunto da obra. Será baseada no meu programa para os 100 primeiros dias. O país tem vários principais problemas, a segurança, a educação, o desemprego".
A ex-senadora é candidata à Presidência da República pela terceira vez. Com a mais do que provável ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa, larga em segundo lugar nas pesquisas de opinião, atrás apenas do deputado do PSL, Jair Bolsonaro. A distância da Lava-jato é um de seus principais ativos. E a retórica evasiva, um de seus mais recalcitrantes obstáculos.
A candidata do Rede não é de esquerda nem de direta. Está à frente. Custa a dizer de quê. Sua reforma tributária terá como pressupostos a não elevação do peso dos impostos, a não regressividade, a descentralização e a simplificação. Difícil ser contra. A tabela do IR, a taxação de dividendos e de propriedades estão na ordem de quaisquer propostas de reforma tributária, mas a ex-senadora resiste a adiantar qualquer posicionamento sobre estes itens. Recorre à saída, exaustivamente usada em 2014, de atribuir o detalhamento das propostas a economistas que colaboram com a campanha.
No dia seguinte ao programa, o país pararia para comemorar o dia do trabalho. Qual é sua proposta para a redução do desemprego? A resposta - "apostar na retomada do crescimento" -, mais uma vez, não permite que se discorde dela. Ou que se concorde. É pela promoção de ocupações ligadas ao desenvolvimento sustentável. Darão conta de 13 milhões de desempregados?
Com dois deputados e um senador, sua legenda contará com cerca de 10 segundos no horário eleitoral gratuito, não tem presença garantida nos debates e disporá de 5% dos valores que o fundo partidário distribuirá para as grandes siglas. O que fará para que sua atual vantagem nas pesquisas não se dissolva ao longo da campanha? Vai recorrer à internet. Mas como pretende chegar à metade da população sem acesso à rede? Vai apelar a entrevistas a emissoras de rádio. Neste meio, porém, os demais candidatos terão presença maciça em decorrência do horário eleitoral gratuito.
Com dois deputados e um senador, o partido de Marina de nanico virou residual. Não apenas não conseguiu atrair parlamentares na janela partidária como perdeu metade da bancada. A governabilidade não a preocupa. A ex-presidente Dilma Rousseff fez de sua oceânica base um ativo de sua candidatura. O atual titular tem um apoio ainda maior. Uma foi derrubada e o outro não consegue entregar o que prometeu. Engata a partir daí a proposta de um presidencialismo de proposição, em contraposição ao de coalizão. A candidata, que exerceu dois mandatos de senadora, tem a convicção de que o toma lá dá cá, num Congresso ainda dominado por Romero Jucá e Renan Calheiros se esgotou.
Marina acredita que está por se iniciar um novo ciclo de governabilidade, baseado na convergência programática, como acontece no que chama de democracias evoluídas. Opta por desconsiderar a fragmentação recorde que flagela o parlamento tupiniquim. Duvida que, depois de todo o sofrimento que o Brasil tem passado, o Congresso resista a colaborar com um presidente limpo. Prefere ignorar a liderança de chefes partidários do quilate de Valdemar Costa Neto e Ciro Nogueira sobre legendas que tendem a se fortalecer na próxima legislatura.
Cita projetos aprovados durante sua gestão à frente do Ministério do Meio Ambiente como sinal de que será capaz de compor maiorias para fazer avançar seu programa de governo, de taludas ambições: visam a um país economicamente próspero, socialmente justo e ambientalmente equilibrado. Não se submeteu a barganhas lá atrás e não o fará se eleita. Quer fazer crer que a negociação das leis de florestas públicas, da Mata Atlântica e da criação do Instituto Chico Mendes é comparável a votações que têm desafiado sucessivos presidentes como a da Previdência.
As bancadas ruralista e da bala só cresceram desde que Marina foi ministra, mas a candidata do Rede não se intimida. Tem a convicção de que uma bancada capaz de obter os mais generosos refinanciamentos de dívidas e o afrouxamento da fiscalização do trabalho escravo, convergirá, no seu governo, com uma pauta de preservação da biodiversidade e aumento de produtividade.
Não titubeará em convocar plebiscitos frente a impasses legislativos. Cita a descriminalização das drogas como exemplo. Ao se posicionar sobre o tema, prefere dizer o que não defende, a descriminalização, a explicitar seu lado na moeda. Espera se valer do apoio de entidades empenhadas em renovar a política, como o Agora, o Brasil 21 e a Frente Favela. O Vem Pra Rua, movimento que esteve à frente do impeachment de Dilma, chegou a entrar na enumeração, mas a citação foi abortada no meio do caminho.
Chega a dizer que a eleição de 2014 foi uma fraude, porque financiada pelo dinheiro da Lava-Jato. Despreza o fato de que sua própria campanha, ainda que em esquemas herdados do titular da chapa, também recebeu recursos não contabilizados.
A ex-senadora abandonou termos que marcaram sua campanha em 2014, como a democracia de alta intensidade, mas parece acreditar que a saída para um país de fios desencapados é esconder a fiação. Ainda parece apostar no caminho do meio e o ignora como parte do problema. Em 2014 a candidata do Rede tanto foi vítima de uma mistificação em sépia, quanto da percepção de que seu divórcio nada amigável do PT não preservaria os ganhos que o eleitor julgava por bem manter.
As pesquisas mostram que hoje sua candidatura atrai um eleitor mais parecido com o petista. Marina é mais forte no Nordeste, entre os mais pobres e menos escolarizados. Mas sua resistência a tomar partido não sinaliza que rume para mantê-lo. Enfrentará um adversário mais negro, de origem tão humilde quanto e igualmente avesso às negociatas da República. Com Lula preso, tomará a dianteira não o candidato anti-PT, mas o pós-PT. Difícil fazer isso sem tomar lado.
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