- Valor Econômico
Governo beneficia jovens, enquanto mina entidades
A juventude se transformou em objeto de cobiça dos dois principais grupos da polarizada política nacional.
O presidente Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva disputam bolsos, corações e, claro, os votos dos mais jovens. O mesmo embate já havia ocorrido na última campanha eleitoral. Vinha ganhando nova forma após Bolsonaro assumir a Presidência da República, e agora tem novo impulso com o retorno do ex-presidente aos palanques.
A convocação de Lula não poderia ter sido mais clara. No último dia 9, durante discurso em São Bernardo do Campo, foi pedindo que aliados resistissem ao que considera retrocessos feitos pelo governo, até que fez uma provocação específica: “A juventude ou briga agora ou o futuro será um pesadelo”.
Lula voltou ao assunto no fim de semana, durante discurso no Recife, quando novamente cobrou que a juventude permanecesse nas ruas. O petista aposta na ligação histórica entre a esquerda e o movimento estudantil, que se beneficiou da ascensão política do PT e agora, na mira do novo governo, deveria contribuir na sua jornada contra a Lava-Jato e a administração Bolsonaro.
Durante as gestões do PT, os líderes das entidades estudantis não só passaram a figurar na lista de convidados ilustres das solenidades realizadas no Palácio do Planalto como também foram chamados para participar do governo. Ajudaram a criar canais diretos de diálogo entre a base dos estudantes e a máquina federal.
O Conselho Nacional da Juventude e a Secretaria Nacional da Juventude ganharam peso nessa época. Tudo isso, contudo, passa hoje por transformações. A seu modo, o governo Bolsonaro faz acenos em direção aos jovens de forma constante e consistente.
O presidente rapidamente mudou o perfil da Secretaria Nacional da Juventude. Nomeou uma equipe com a missão de viajar pelo Brasil e fomentar o empreendedorismo, sob a supervisão da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Também envolveu outras pastas nesse esforço, como os ministérios da Educação, da Cidadania e da Economia.
Numa ação coordenada, o Executivo vem anunciando medidas voltadas especificamente para os jovens, sobretudo aos mais pobres e desalentados. Um exemplo recente foi o programa que incentiva a geração de emprego formal e a qualificação desse segmento da população.
Outras iniciativas afetam diretamente os interesses do movimento estudantil. Com a subscrição do ministro da Educação, Abraham Weintraub, o presidente da República editou em setembro uma medida provisória para alterar as regras de concessão das carteirinhas que garantem o pagamento de meia-entrada em eventos esportivos e culturais. Trata-se de um instrumento de apelo popular entre os beneficiários e de apego financeiro entre as entidades do movimento estudantil.
A MP permite a emissão de carteiras digitais pelo Ministério da Educação. Para o governo, o atual sistema é burocratizado, gera custos para os estudantes e não elimina o risco de fraudes. Um mecanismo confiável para a concessão do benefício também tende a reduzir distorções do mercado. Quem frequenta espetáculos culturais ou estádios sabe que frequentemente os preços dos ingressos são elevados pelos promotores desses eventos, em razão da expectativa de que muitos dos descontos de meia-entrada serão na realidade concedidos para falsos “estudantes”.
Além disso, a MP autoriza o Ministério da Educação a criar o Cadastro do Sistema Educacional Brasileiro. A ideia é registrar dados pessoais de alunos e professores, matrículas, frequências e históricos escolares. A partir da implementação do cadastro, que está prevista para janeiro de 2021, as entidades estudantis só poderão emitir carteiras dos estudantes que constarem do sistema.
As entidades veem a edição da medida provisória, que ainda não tem relator e expira em fevereiro se não for aprovada pelo Congresso, como mais uma das retaliações do governo a instituições não-alinhadas ao Palácio do Planalto. Os representantes dos estudantes alertam que a iniciativa fere a confidencialidade de dados pessoais, o que o governo nega.
O Conselho Nacional da Juventude também passa por reformulações. Em outubro, Bolsonaro revogou um decreto editado por Michel Temer e estabeleceu novas regras tanto para a sua composição quanto para a dinâmica de trabalho dos seus integrantes.
O decreto reduziu à metade os representantes da sociedade, que serão 20 e enfrentarão um processo seletivo. Entre um texto e outro publicado no “Diário Oficial da União”, saíram de cena as expressões “respeito à organização autônoma da sociedade civil” e “caráter público das discussões, dos processos e das resoluções”. Entrou, por outro lado, vedação à “divulgação das discussões em curso sem a prévia anuência do titular da Secretaria Nacional da Juventude do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”.
O conselho coordenará a Quarta Conferência Nacional de Juventude, a ser promovida pelo governo Bolsonaro em dezembro.
Nas eleições de outubro, havia 403.681 eleitores com 16 anos de idade e 996.932 com 17. As faixas de 18 a 20 anos e de 21 a 24 anos somavam 8,2 milhões e 12,6 milhões de eleitores, respectivamente. Ou seja, um total de 22,2 milhões num universo de 147,3 milhões títulos eleitorais.
Antes do segundo turno, as pesquisas de intenção de voto mostravam uma vantagem de aproximadamente dez pontos percentuais para Bolsonaro em relação ao candidato do PT, Fernando Haddad, na maior parte das faixas etárias. A exceção era entre os jovens. Registrava-se um empate técnico justamente entre os entrevistados com 16 a 24 anos de idade. Ainda hoje, a popularidade de Bolsonaro não é das melhores nesse grupo.
Tudo indica que a juventude permanecerá no epicentro do embate entre Lula e Bolsonaro. A depender da linguagem adotada, será necessário tirar os mais novos da sala e ativar o controle parental da internet acessada pelas crianças.
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