domingo, 5 de janeiro de 2020

Hélio Schwartsman - Decência democrática

- Folha de S. Paulo

"How to Save a Constitutional Democracy" (como salvar uma democracia constitucional), de Tom Ginsburg e Aziz Huq, que já citei aqui en passant, é mais um livro sobre a onda populista com traços autoritários que vem fazendo aparições no Ocidente. Ele tem, porém, uma diferença que o torna digno de nota. Seus autores são juristas e não cientistas políticos, de modo que se concentram nas regras constitucionais e leis que podem tanto acelerar quanto conter a erosão democrática.

"How to Save..." mergulha nas experiências autoritárias que estão mais avançadas (Venezuela, Hungria, Turquia, entre outras) e mostra os vetores normalmente atuantes no processo de fragilização da democracia. Tenta também extrair lições que sejam úteis para os países que ainda estão no meio do caminho.

Americanos, fieis ao mito do excepcionalíssimo, costumam acreditar que sua vetusta Constituição os protege de regressões, mas os autores discordam. Para eles, a dificuldade de promover reformas constitucionais nos EUA dá um poder desproporcional à Suprema Corte, que não hesita em abraçar velhas doutrinas que dão a última palavra ao Executivo.

Para Ginsburg e Huq, constituições não podem ser nem tão rígidas que não admitam mudanças, nem tão maleáveis que permitam a maiorias de ocasião fazerem o que bem entenderem. Uma das sugestões que dão é a de que emendas constitucionais que tratem de cláusulas pétreas dependam da aprovação de duas legislaturas diferentes.

A dupla oferece vários outros conselhos úteis, mas os autores são os primeiros a admitir que não existe mágica. Desenho constitucional e estratégia política são importantes, mas a democracia exige também uma certa moralidade política, na ausência da qual nenhum remédio jurídico é suficiente. Instituições só funcionam direito se houver um pouco de decência por parte dos atores políticos.

Dou duas semanas de férias ao leitor.

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