Quem
tentou ganhar cidade grande com discurso bolsonarista morreu pendurado na
mamadeira
Foi
uma eleição de continuidade administrativa e de um início de virada no debate
de ideias. A centro-direita, que era situação em quase toda parte desde 2016,
foi a grande vencedora das urnas, e a esquerda foi bem onde já tinha boa
reputação de administração competente. Mas a grande notícia é que ninguém
ganhou cidade grande com discurso bolsonarista. Quem tentou morreu pendurado na
mamadeira.
A vitória
de Bruno Covas em São Paulo não foi nenhuma surpresa. Foi uma
eleição de continuidade e de reeleições, com viés de centro-direita. O perfil
de Covas é semelhante ao de Eduardo Paes (DEM), Alexandre Kalil (PSD)
ou Bruno
Reis (DEM), todos eleitos com votações expressivas, os dois
últimos vencedores em primeiro turno. Boa sorte para o novo prefeito.
O que é impressionante é que um sujeito com “Covas” no nome, concorrendo pelo PSDB em São Paulo, chegue aos últimos dias da campanha desesperado para ganhar do candidato do PSOL.
A
campanha de Boulos e Erundina foi brilhante, e toda a esquerda faria bem em
aprender com ela. Chapa bem escolhida, linguagem ágil, bom uso das redes.
Ajudou a esclarecer a população sobre a luta dos sem-teto e sobre a necessidade
de regularização fundiária. As propostas do programa eram boas, embora
realmente não custasse nada a campanha dizer “Vamos cumprir a lei de
responsabilidade fiscal” –era óbvio que ia, é a lei, Erundina foi um exemplo
notável de responsabilidade fiscal quando foi prefeita, Boulos não é maluco.
Foi
um grande salto de qualidade com relação às candidaturas de esquerda recentes.
Boulos e Erundina tiveram um resultado tão bom que a gente nem precisa se consolar
com aquelas conversas de “não queria estar do lado dos que venceram”, “quem
estava comigo nas trincheiras”, enfim. Isso tudo é pra quando você perde feio,
aí vai fazer o quê? Faz poema, é o que sobrou. Perder acumulando forças,
gerando ideias e dando a direção das próximas disputas não gera esse trauma
todo, não.
O
que deve preocupar a centro-direita é que Boulos e Erundina encontraram
receptividade com gente de centro, gente com quem os tucanos, até 2018,
poderiam contar em um segundo turno contra o PSOL.
A
candidata da Rede Sustentabilidade, Marina Helou, em quem muitos de meus amigos
liberais votaram, fechou com Boulos no segundo turno. A deputada Tabata Amaral
(PDT), que sempre atraiu grande simpatia do centro, apoiou Boulos. Não é que
esses apoios tenham custado muitos votos para Covas, é que essas pessoas são
participantes ativas do debate de ideias, e o debate de ideias parece ter se
tornado muito, muito menos hostil à esquerda do que era até 2018.
Mas
é aquilo, né, amigos da centro-direita? Vocês esperam ter a mesma reputação
apoiando Bolsonaro que tinham quando apoiavam Fernando Henrique Cardoso? Quando
o avô do prefeito eleito apoiava a então petista Marta Suplicy contra Maluf?
Não dá. Vão ganhar debate de ideias representados pelo Guedes? Sustentando o
sujeito que colocou aquele idiota dirigindo a Fundação Palmares?
É
sempre difícil interpretar o que as eleições municipais dizem sobre a eleição
presidencial seguinte. Em 2016, o PSDB foi o grande vencedor, mas o recado não
era esse; já se via a antipolítica e a virada à direita. Em 2020, a
antipolítica foi fragorosamente derrotada. E as ideias novas que apareceram não
são de direita.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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