O Globo
O governo tem uma só dimensão: engrenagem a
serviço da reeleição. Para isto existe e opera: para que o presidente, sujeito
de índole golpista, permaneça no poder. O autocrata vai às urnas — e contra as
urnas dispara suspeições. Padrão. Há método nessa atitude. Atacar é a maneira
de eletrizar seus radicais. Ataca as urnas eletrônicas para ser competitivo nas
urnas eletrônicas; e para que seus extremistas tenham ouvidos treinados ao
apito caso a competitividade eleitoral não seja suficiente. Trata-se de um
golpista, afinal.
E o golpista vai às urnas. Vai às urnas o
autocrata que ministra golpismos desde a cadeira de presidente da República.
Jair Bolsonaro pretende ser, e creio que será, competitivo investindo na sociedade com Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto, pactuada no modo como o Orçamento de 2022 foi transformado-transtornado — com Guedes, com tudo — num grande orçamento secreto; e apostando no despertar, iniciada a campanha, do sentimento antilulopetista, rejeição que estaria adormecida. Esses seriam os caminhos para que crescesse até a vitória.
Não sairá, porém, do nada. Bolsonaro tem
base social sólida, de resistência já testada, um lugar de partida que o
colocaria bem próximo do segundo turno. Base de natureza sectária cuja
mobilização — com efeito nas redes — depende de alimentos derivados de teorias
conspirativas; daí por que o presidente precise forjar inimigos artificiais e
fabricar conflitos, de preferência contra marcos representativos do valor de
República, especialmente aqueles símbolos que possam encarnar a ideia de um
establishment que não apenas não o deixaria governar — mas que operaria para
derrotá-lo/derrubá-lo.
Conforme a conveniência, Bolsonaro gira seu
carrossel de inimigos, preferencialmente escolhendo os cavalinhos da vacinação,
com que pode avançar também contra governadores, os usurpadores de uma
liberdade ameaçada só sob a fantasia bolsonarista, e do sistema eleitoral,
ambos não à toa aqueles que melhor dão concretude ao sentido de República,
tanto o programa nacional de imunização quanto a universalização da urna eletrônica,
exemplos de um Brasil que chega igualmente a todos.
Bolsonaro, para quem a caneta de governante
deveria ter a tinta de um imperador, odeia a República, cujo funcionamento
limita-lhe o ímpeto de soberano; e precisa antagonizar com a compreensão de
establishment segundo a mania de perseguição bolsonarista. E instituição
nenhuma servirá mais perfeitamente ao exercício desse complexo conspirativo que
a Justiça Eleitoral. É urgente entender isso. Isto: que Bolsonaro não parará,
pois parar — parar a máquina de confrontos — equivaleria a inexistir.
É urgente que o Tribunal Superior Eleitoral
entenda isso; o que significará também seus dirigentes não oferecerem
combustível ao motor de desinformação, a ser jamais combatido — senão
abastecido — com afirmações imprecisas, paraíso para especulações, como que a
Justiça Eleitoral “já pode estar sob ataque de hackers”.
Não dá.
É urgente que o TSE entenda isso.
Isto: o governo, que tem uma só dimensão, a
da reeleição, governo do golpista Bolsonaro, é também um governo militar; e é
um militar do Ministério da Defesa — do agente político Braga Netto, general a
serviço do presidente golpista — a ter assento em comissão do TSE. Está lá um
general, sob delegação direta — influência direta — do general ministro da Defesa,
por sua vez dedicado postulante a ser candidato a vice-presidente na chapa de
Bolsonaro, por sua vez o centro irradiador das ondas de mentiras cujo propósito
é desacreditar o sistema eleitoral.
A pergunta é óbvia: por que —
independentemente do governo de turno — devem militares ter lugar em comissão
de tribunal eleitoral? (Deveríamos estar discutindo o fim dos tribunais
militares.) Não há justificativa, senão — aí, sim, pensando no governo de turno
— uma de natureza política. Outra pergunta óbvia, portanto, impõe-se: por que
um tribunal eleitoral faria escolhas sob cálculos políticos? E de resto cálculo
político equivocado, a partir de pressuposto impossível: que, ao contemplar os
militares com representação no TSE, contemplaria — agradaria — o governo militar
e sossegaria o desconfiado Bolsonaro. Mas Bolsonaro é um golpista, não um
desconfiado, e jamais esteve preocupado com transparência eleitoral.
Com transparência deveria estar preocupado
o tribunal, motivo por que — por princípio — nunca deveria haver aceitado que
questões formuladas numa comissão de transparência fossem mantidas em sigilo.
Politicamente falando, se a questão de princípio fraqueja: o TSE jamais deveria
ter aceitado que fossem mantidas em sigilo, a pedido do integrante militar,
questões formuladas pelo integrante militar — braço do general Braga Netto,
braço do golpista que comanda um governo militar — da comissão de
transparência. Ou nada se terá aprendido com a modalidade como Bolsonaro
manipula e vaza conteúdos?
Aí está, o que ocorre quando o emboscado
convida a emboscada a se instrumentalizar, a se armar, em casa: as perguntas
elaboradas pelo homem de Braga Netto de súbito pervertidas pelo presidente em
conclusão, os militares tendo identificado “diversas vulnerabilidades” nas
urnas eletrônicas.
Aprenda-se.
Um comentário:
A preocupação de Bolsonaro é apenas continuar no poder.
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