quinta-feira, 13 de julho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Desastres climáticos tendem a ampliar efeitos e frequência

Valor Econômico

Ao lado da indiferença humana, o clima se tornará cada vez mais hostil

Os primeiros dias do mês registraram uma sequência de quatro dias de recordes históricos de temperaturas - no mais quente deles, 17,23 C, acima dos 16,92 C de agosto de 2016. O aquecimento global, como previsto, está se acentuando, e junho foi o mês mais quente da história, segundo o Copernicus Climate Change Service, agência europeia. As temperaturas subiram 0,5 C acima da média de três décadas, 1991-2020. A ocorrência do El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico, contribuiu para a elevação, porém agiu sobre um ambiente já mais quente, sem perspectiva de inversões decisivas enquanto a curva de emissão de CO2 na atmosfera se tornar negativa - e ela cresce até hoje. Os cientistas advertem que os efeitos dos gases-estufa podem estar diminuindo a distância entre um El Niño e outro.

Os estudos científicos indicam que os cataclismas previsíveis começam a se repetir com velocidade assustadora, espalhando mortes - foram 62,67 mil apenas na Europa nas ondas de calor de 2022 -, destruição de lavouras e perdas de patrimônio inestimáveis em várias partes do globo. Enquanto os dias de recordes de calor de julho transcorriam, temperaturas tórridas assolavam a China, onde o governo proibiu trabalho em áreas externas, e em vastas regiões do sul dos Estados Unidos, Canadá e Espanha. No México, mais de 100 pessoas morreram entre 12 e 25 de junho devido ao clima excessivamente quente no norte do país. No norte da África, as temperaturas têm chegado próximo dos 50°C (O Globo, 5-7).

A Europa terá outro verão escaldante este ano, com aumento de temperatura médio estimado entre 2,2 C a 2,4 C. Os termômetros também estão subindo em países frios. Dinamarca, Suécia e Finlândia observam, além do calor maior, secas incomuns. No Vietnã, produtores de arroz passaram a trabalhar à noite durante os verões, cada vez mais quentes. Com temperaturas superiores a 37°C em julho, o Vietnã é um dos vários países do Sul e Sudeste da Ásia a enfrentar temperaturas recordes, sobretudo na região de Hanói e no norte.

A confirmar que o aquecimento global pode estar mudando de patamar, a superfície dos oceanos registrou temperaturas recordes em abril e maio, segundo a National Oceanic and Atmosphere Admnistration dos Estados Unidos. Em decorrência, desde que as observações de satélite começaram a ser feitas, nunca a camada de gelo na Antártida mostrou extensão tão reduzida quanto em junho, 17% menor que a média. As temperaturas no Oceano Atlântico foram as maiores de março a maio, quando o pico costumava ser em agosto.

Ventos do Saara, que têm efeito de resfriamento no Atlântico Norte, estão mais fracos que o normal. Com isso, ostras, plantas e peixes podem morrer por causa do calor, em especial em águas rasas (Folha, 3-7).

Nos oceanos, a devastação se amplifica com a poluição dos plásticos. Uma em cada 4 espécies marinhas está ameaçada de extinção por isso, mostra estudo realizado por 200 cientistas de 27 países. Pelo menos um quarto dos plásticos descartados está em alto mar, região de preferência de alimentação das aves.

No Brasil, o clima hostil vai além dos incêndios na Amazônia, que pioraram. Em junho foram registrados 3.075 focos de incêndio (mais 20% em relação ao ano anterior), a maior quantidade para o mês desde 2007. No cerrado, foram 4.772 focos, com alta de 5% (Folha, 7-7). Os aumentos de temperatura prejudicam a soja, carro chefe das exportações de commodities do país. Um estudo do Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia estimou que a cada 1 C de temperatura acima da média histórica (1980-2018) no Cerrado a produtividade da soja cai 6%. A produtividade começou a cair quando a temperatura média anual chegou a 21 C, o que sugere que a área norte do Cerrado, para onde avança a cultura, pode se tornar imprópria para o cultivo.

No geral, secas extremas se alastraram pelo país, principalmente ao Nordeste e Sudeste, entre 2011 e 2019, ultrapassando o recorde de 60 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais, em estudo de 2019.

Um quadro climático tão desfavorável em tão pouco tempo levou o secretário-geral da ONU, António Guterres, a afirmar que “as mudanças climáticas estão fora de controle”. A cientista Friederike Otto, do Imperial College, foi precisa sobre os efeitos do aquecimento global: “É uma sentença de morte para as pessoas e ecossistemas”. A batalha para evitar que a temperatura da Terra suba menos que 1,5 C já está perdida, se as ambições nacionais assinaladas no Acordo de Paris não forem substancialmente ajustadas. Sem uma ação concertada dos maiores poluidores - 10 países concentram dois terços das emissões - o aquecimento não será contido. As COPs, reunindo 190 países, têm um processo de deliberação e execução moroso demais diante da urgência das mudanças climáticas. O realinhamento do poder global em blocos antagônicos traz poderoso obstáculo para se encontrar saídas. Ao lado da indiferença humana, o clima se tornará cada vez mais hostil.

Rotina da CPI mostra que ela era desnecessária

O Globo

Depoimento de Mauro Cid, que preferiu ficar em silêncio, reflete falta de objetividade da comissão

Em quase dois meses de funcionamento, a CPI mista dos Ataques Golpistas, instalada em 25 de maio, vem confirmando o que se previa: ela era desnecessária. A pouca relevância ficou patente, mais uma vez, no depoimento — ou não depoimento — do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro e figura-chave nas tramas antidemocráticas que se desenrolavam nos subterrâneos do Planalto.

Seguindo orientação da defesa, Cid, que está preso desde maio, permaneceu calado a maior parte do tempo. É verdade que estava amparado por decisão do STF que lhe dava o direito de não responder a perguntas que o incriminassem. Mas manteve silêncio até mesmo em temas sem relação com inquéritos. Era previsível o comportamento do militar, alvo de investigações sobre o 8 de Janeiro e a falsificação de certificados de vacinação de Bolsonaro, entre outras. Parlamentares deveriam saber que o celular de Cid fala mais do que ele próprio.

A tentativa de golpe perpetrada durante a invasão das sedes dos três Poderes é fato gravíssimo. Mas não fazia sentido criar uma CPI para investigar o que já está sendo apurado pela Polícia Federal (PF), Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelo STF. Mais de 1.200 brasileiros já se tornaram réus sob acusação de participar, planejar, financiar ou incentivar os atos golpistas.

É claro que CPIs podem ser úteis. A da Covid, instalada durante o governo Bolsonaro, em meio à mais letal pandemia dos últimos cem anos, prestou um serviço inestimável ao país, ao revelar como o governo negligenciou o combate ao vírus. Não há dúvida de que as investigações forçaram o Ministério da Saúde a acelerar a compra de vacinas.

A CPI do PC Farias foi determinante para o impeachment de Fernando Collor, nos anos 1990. A da Pedofilia, nos anos 2000, resultou na elevação do prazo para prescrição de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. A da Violência Contra a Mulher inspirou a Lei do Feminicídio, de 2015. A do Mensalão expôs ao país um dos maiores esquemas de corrupção já vistos.

O problema é que a CPI dos Ataques Golpistas surgiu mais de uma visão deturpada de bolsonaristas do que da necessidade legítima de investigar a origem dos episódios nefastos. Numa inversão dos fatos, oposicionistas, incentivados por Bolsonaro, pretendiam usar a CPI para acusar o governo de facilitar a ação dos vândalos e figurar como vítima. Em nenhum momento as apurações confirmaram a tese estapafúrdia. É certo que houve falhas graves na segurança do Planalto, mas dizer que elas foram forjadas carece de coerência, especialmente diante da profusão de conspirações destinadas a impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O próprio governo, que era contra a instalação da CPI, passou a ser favorável à comissão depois de emparedado pelo vazamento de imagens que mostravam o então ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, interagindo com invasores.

É pouco provável que o marasmo que domina a comissão, quebrado apenas por “barracos” e bate-bocas que não valem a audiência, mude de uma hora para outra. O mais sensato seria que os parlamentares evitassem prorrogá-la. Melhor deixar que PF, PGR e STF prossigam com suas investigações. A atenção do Parlamento deve se voltar para as agendas do país, em que as reformas econômicas despontam como prioritárias. Seria mais útil.

A expansão da Otan é resultado do equívoco de Putin ao invadir a Ucrânia

O Globo

Com o fim do veto do governo turco, a Suécia é oficializada como novo membro da aliança militar

A cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), encerrada na Lituânia ontem, tornou evidente o tamanho do erro do presidente russo, Vladimir Putin, quando decidiu invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022. A oficialização da entrada da Suécia na aliança militar do Ocidente, seguindo os passos da Finlândia, marcou o fim de dois séculos de neutralidade. Fora do radar antes da eclosão da guerra na Europa, a nova expansão geográfica da Otan é agora uma realidade — e motivo de maior preocupação para Putin.

Antes do fim do encontro, os líderes dos 31 países-membros também reafirmaram o compromisso de que a Ucrânia se tornará parte do grupo. Embora o comunicado tenha frustrado as intenções do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, desejoso de um cronograma para o convite de adesão, a Otan deixou claro que a Ucrânia está mais próxima da incorporação hoje do que estava há um ano e meio. “A Ucrânia se tornou cada vez mais integrada operacionalmente e politicamente com a aliança e fez progressos substanciais no seu caminho de reforma” , diz o texto do documento.

Em larga medida, Putin está colhendo exatamente o que pretendia evitar. O líder russo, que já havia reanexado a Península da Crimeia em 2014 — cedida à Ucrânia em 1954, ainda na era da União Soviética —, deu início a invasão com suas tropas e tanques no momento em que os ucranianos se aproximavam da União Europeia (UE). A expectativa de vitória rápida não se concretizou, a guerra acabou estreitando as relações da Ucrânia com o Ocidente e fortalecendo a Otan.

Os finlandeses entraram na aliança militar logo em maio do ano passado. Na época, o Kremlin, pelo seu porta-voz, Dmitry Peskov, considerou que a adesão finlandesa era um “agravamento da situação” . Nesta semana, o mesmo Peskov disse que a entrada da Suécia terá “consequências negativas” .

A adesão da Suécia demorou mais devido a restrições feitas pela Turquia de Recep Erdogan. Há tempos a Turquia reclamava que o país dava abrigo a militantes separatistas, especialmente os filiados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerados terroristas pela Turquia, Estados Unidos e UE. Estocolmo, segundo os turcos, havia concedido asilo a participantes do golpe fracassado contra Erdogan em 2016. Para vencer as resistências, os suecos fizeram reformas legislativas e aprovaram uma lei criminalizando a participação em qualquer grupo terrorista.

Na segunda-feira, a Otan ainda afirmou que a Suécia se comprometeu a tomar medidas futuras contra organizações curdas em seu território e também que a própria aliança militar tinha concordado em criar o cargo de Coordenador Especial de Contraterrorismo, em atenção às preocupações turcas. Nesse mesmo dia, Erdogan deu fim ao veto de entrada da Suécia na Otan.

Receita universitária

Folha de S. Paulo

É preciso assegurar recursos das instituições paulistas, mas debater ensino pago

As três universidades estaduais paulistas têm um problema. Hoje, elas são financiadas pelo repasse de 9,57% da cota-parte do ICMS do estado. Mas, se a reforma tributária vingar, como se espera que ocorra, o ICMS irá acabar.

A dimensão aritmética do problema é mais fácil de resolver. Pode-se considerar a média dos valores recebidos pelas instituições nos últimos anos, por exemplo, e assim calcular um novo percentual da arrecadação a ser destinado às instituições de ensino superior.

Para a comunidade acadêmica, entretanto, os riscos vão além da definição dos números —têm também uma dimensão política.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), já sinalizou que pretende preservar a autonomia de USP, Unicamp e Unesp, além do volume de recursos que elas recebem. A indicação do Bandeirantes é muito positiva, mas não tem força vinculante.

A decisão caberá, em última instância, à Assembleia Legislativa. Tarcísio, ademais, deve sua eleição ao bolsonarismo, um movimento político que se compraz em gerar embaraços para as universidades.

Não é improvável que deputados estaduais desse grupo queiram reduzir os repasses, enquanto forças à esquerda desejam elevação. Os próprios reitores têm sua agenda.

Atualmente, o financiamento das universidades paulistas é definido por meio de decreto, e os dirigentes gostariam de fixar as verbas na Constituição estadual —como já ocorre com a Fapesp, a fundação de amparo à pesquisa.

Esta Folha entende que a autonomia universitária precisa ser preservada. Nesse sentido, o volume de recursos, a partir de uma parcela fixa da receita do estado, deveria ser mantido e assegurado.

Nada disso isenta as universidades de buscarem novas fontes de financiamento. Há várias possibilidades, de patentes a convênios com empresas para projetos.

Todo o ensino superior brasileiro, aliás, deveria contar com financiamento parcial por parte de seus estudantes. Aqui existe, para além do aspecto financeiro, uma questão de equidade social.

A conclusão de um curso universitário costuma ser sinônimo de salários superiores à média nacional ao longo de toda a vida. Não é justo que o egresso de uma instituição pública não pague nada pelo título, mas se aproprie privadamente da renda extra que ele lhe aufere.

De novo, existem várias saídas para lidar com a questão. Uma particularmente interessante é cobrar uma alíquota adicional de Imposto de Renda dos egressos de universidades, em favor destas.

Por resistências ideológicas e corporativismo, o Brasil permanece atrasado num debate essencial para a educação superior.

Semente lançada

Folha de S. Paulo

Legalizar plantio de maconha medicinal resolve contradição da norma brasileira

De 198 países e territórios do mundo, 39 legalizaram alguma forma de uso medicinal da maconha. E não apenas locais desenvolvidos o fizeram. Na América Latina, Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai são exemplos.

No Brasil, desde 2015 é permitida a compra ou importação de medicamentos mediante prescrição e autorização. Quatro anos depois, a Anvisa liberou a venda de produtos nacionais à base de canabidiol (CBD) —um dos princípios ativos da maconha, que não causa o polêmico efeito alucinógeno.

Entretanto o plantio para uso medicinal continua ilegal —uma insensatez econômica algo comparável a permitir a venda de vinho e proibir o cultivo de uvas.

O resultado são medicamentos com preços elevados, já que fabricantes precisam importar insumos. Por isso é bem-vinda a intenção indicada pelo governo federal de permitir o plantio de cânabis para essa finalidade.

O objetivo é reduzir preços e a judicialização —estima-se que juízes e tribunais já tenham emitido cerca de 2.000 autorizações de plantio para consumo terapêutico.

Segundo Marta Machado, secretária nacional de Políticas Sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça, haverá amplo debate para escolher o modelo regulatório mais indicado para o país.

Esse ponto é fundamental, pois excesso de rigidez normativa e de requisitos para concessão de licenças tendem a favorecer a indústria farmacêutica, em detrimento de pequenos produtores e de cooperativas comunitárias.

Além da justificativa ética para facilitar o acesso a remédios que podem aliviar o sofrimento de milhares de pacientes, há também a motivação racional econômica.

Países como o Brasil, de grande extensão territorial, com clima propício e com expertise no agronegócio, tendem a ter vantagem competitiva no comércio global.

O mercado mundial de maconha medicinal movimentou US$ 14,9 bilhões em 2019, de acordo com a consultoria Arcview, especializada em cânabis. Projeta-se que alcançará US$ 43 bilhões em 2024.

Os ganhos sociais —em saúde, economia e segurança pública— seriam ainda maiores com a regulação do uso recreativo, mas é inegável a importância de liberar a cadeia produtiva do uso medicinal.

Dados os tabus em torno do tema, países desenvolvidos que legalizaram o consumo geral também seguiram esse caminho gradual.

O Centrão como ele é

O Estado de S. Paulo

Lideranças do PL, PP e Republicanos demonstram pragmatismo ao abandonar nau bolsonarista e reconhecer realidade do País, das relações entre Poderes e do presidencialismo de coalizão

A declaração de inelegibilidade de Jair Bolsonaro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se deu há duas semanas, mas já produziu consequências capazes de reequilibrar o cenário político nacional. Expoentes do Centrão, cujo apoio foi fundamental para a construção da base que sustentou o governo de Bolsonaro no Congresso, começaram oficialmente a abandonar a nau bolsonarista. Chama a atenção o momento político em que isso se torna público, logo após a decisão do TSE e em meio à discussão da reforma tributária pela Câmara, projeto contra o qual o ex-presidente se insurgiu de forma sectária – por julgar ser a “reforma do PT” – e foi fragorosamente derrotado.

O primeiro a se posicionar foi o presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP). No dia em que Bolsonaro usou uma reunião do PL para hostilizar o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, por sua posição favorável à aprovação da reforma tributária pelos parlamentares, o deputado disse que o episódio, em si, não isolava Bolsonaro, pois seu próprio comportamento já o havia isolado antes.

“Entregou a eleição para o Lula por causa do comportamento dele. Vem se isolando quando começa a brigar com o Judiciário, quando lá no início do governo briga com o Parlamento, quando ele é contra a vacina”, disse, ao jornal O Globo. Na mesma entrevista, Marcos Pereira disse que a sociedade brasileira “não é de direita nem de esquerda, é de centro, é equilibrada”.

Horas antes da apreciação da proposta, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, liberou os membros da bancada do partido para se posicionarem como quisessem, à revelia de Bolsonaro. Afirmou que alguns deputados do partido “exageram”, defendeu a aprovação de matérias de interesse do País e pregou que a sigla não é de extrema direita. “Não queremos e nem o pessoal da direita pra valer vai querer. A extrema direita, no nosso entendimento, é o Hitler. Eles são de direita e o partido vai caminhar nesse sentido, aumentando a nossa base com esse pessoal”, disse Valdemar à GloboNews.

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo nesta semana, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PP-PI), explicou o apoio da maioria da bancada a favor do arcabouço fiscal e da reforma tributária e declarou que “ser direita não é ser antiesquerda”. “Ser oposição não é tirar uma licença para ser irresponsável. Temos compromissos com o País e errar de propósito, como a esquerda já fez quando oposição, não é a oposição de que o Brasil precisa”, afirmou o ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro.

Uma vez que o próprio Bolsonaro foi o primeiro a reconhecer que estava “na UTI” após a decisão do TSE, a posição de Marcos Pereira, Valdemar Costa Neto e Ciro Nogueira demonstra simples pragmatismo. Noves fora os interesses pessoais desses notórios caciques, trata-se de reconhecimento da realidade política do País, das relações entre os Poderes e da natureza do presidencialismo de coalizão.

Como já dissemos neste espaço (ver editorial O caráter do Centrão é definido pelo governo, de 7/11/2021), Centrão é sinônimo de governismo: não é bom nem ruim, mas é aquilo que o presidente da República quiser que seja. A maioria dos integrantes do grupo almeja emendas para levar recursos para suas regiões e divisão de poder com o Executivo por meio de cargos. Para coibir ilícitos, basta – ou deveria bastar – fiscalizar o uso dos recursos e a atuação dos agentes.

É muito positivo quando as bases da negociação entre governo e Congresso se dão em torno do apoio a projetos de interesse da sociedade, como a reforma tributária. O Centrão, por outro lado, demonstra ter limites nesse processo de convencimento, o que também é muito bom para o País. Para ficar no exemplo mais recente, o Executivo teve de desistir de desfigurar o marco do saneamento por decreto para não ser derrotado pelo Senado.

Isso indica um caminho seguro para o governo sempre que sua agenda de interesses focar mais na economia, menos na ideologia e coincidir com a da maioria do Centrão, isolando alas minoritárias mais à direita e mais à esquerda. Foi assim sob Bolsonaro e tudo indica que assim será com Lula.

O imperativo da produtividade

O Estado de S. Paulo

Com o fim do bônus demográfico, o País só crescerá com mais produtividade. Não há soluções mágicas: é preciso melhorar a educação, o ambiente de negócios e as contas públicas

Entre os anos 50 e 80, a economia brasileira cresceu em média 6% ao ano, pari passu com Japão ou Coreia do Sul. Mas, desde os anos 90, o País ficou para trás. Na última década, amargou os últimos pelotões das economias emergentes, frequentemente abaixo do Oriente Médio e da África.

Há duas maneiras de voltar a crescer: incorporando mais pessoas ao processo produtivo ou fazendo com que os trabalhadores gerem mais produtos por hora trabalhada. No primeiro caso, há margem para incorporar as mulheres. Mas o Censo do IBGE mostra que o fim do bônus demográfico – quando a população economicamente ativa supera a de crianças e idosos – está mais próximo do que se imaginava. Resta aumentar a produtividade.

Neste ponto, o Brasil está abaixo da média dos emergentes, incluindo vizinhos como Argentina e Chile, e precisa de três trabalhadores a mais para produzir o mesmo que um trabalhador dos EUA. Desde os anos 90, o único setor que apresentou crescimento robusto de produtividade foi a agropecuária. Como apontou em entrevista ao Estadão o economista Fernando Veloso, pesquisador do Observatório da Produtividade do Ibre/FGV, três fatores explicam a baixa produtividade no Brasil.

Primeiro, o capital humano, ou seja, a escolaridade e a experiência da força de trabalho. Nas últimas décadas, aumentou o número de pessoas escolarizadas. Mas a qualidade do ensino deixa a desejar. O Brasil não gasta pouco em educação, mas o desempenho no ensino fundamental e no médio (onde há altos índices de evasão) é ruim e há defasagem em áreas cruciais, como o ensino superior e, especialmente, o ensino técnico. Em relação a este último, a chance de revigoramento com a Reforma do Ensino Médio não tem recebido a devida atenção.

Em segundo lugar, há o ambiente de negócios. Segundo Veloso, isso “envolve um sistema tributário caótico e cheio de insegurança jurídica; infraestrutura cara e precária; e economia fechada, em que o Brasil exporta e importa pouco”. A indústria habituou-se a subsídios, isenções e barreiras protecionistas, um modelo intensificado nas gestões petistas. Para piorar, cerca de metade da força de trabalho está no mercado informal. Trabalhadores informais são menos produtivos, e as empresas que se mantêm pequenas para voar abaixo do radar tributário não conseguem ampliar sua produção, o que diminuiria seus custos. Além de tudo, a corrupção inibe o apetite dos investidores.

Um sinal positivo tem sido o avanço da reforma tributária. Mas os velhos vícios do setor produtivo ameaçam desidratá-la. “O papel das empresas pode ser mais positivo se, em vez de brigarem pelo seu benefício individual ou setorial, elas brigarem por uma melhoria da economia como um todo”, lembrou Veloso. “A competição com o mundo lá fora não deve ser na base da proteção.

Tem de ser na base da tecnologia, dos investimentos em capital humano.”

Por fim, há o fator macroeconômico, principalmente a questão fiscal. Após a depredação do teto de gastos, o Congresso aprovou o novo arcabouço fiscal, mas também desidratado por exceções. “O fato é que temos uma enorme dificuldade para encontrar solução que minimamente sinalize para a sociedade, empresários e trabalhadores que a nossa dívida pública vai ficar estável ao longo do tempo em relação ao PIB.”

Não faltam oportunidades. Tensões geopolíticas levam países desenvolvidos do Ocidente a engendrar estratégias para aproximar suas cadeias de suprimento. Some-se a isso a transição energética: o Brasil tem reservas minerais cruciais, às quais se poderia agregar valor, se as multinacionais forem encorajadas a refinar esses recursos e produzir baterias, por exemplo, aqui.

Essas oportunidades podem ser um combustível para a retomada do crescimento. Mas, sem um motor moderno – isto é, uma agenda de produtividade que fortaleça o Estado de Direito, qualifique a educação, ventile o ambiente de negócios e promova a abertura comercial –, o mais potente combustível é inútil.

Não há notícia histórica de um país que enriqueceu depois de envelhecer. As oportunidades estão aí. Mas o tempo está se esgotando.

Deflação abaixo do esperado

O Estado de S. Paulo

Recuo de 0,08% no IPCA de junho dá alívio, mas não garante corte incisivo na Selic

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) registrou deflação de 0,08% em junho passado. Tratou-se da menor variação para o mês desde 2017, segundo o IBGE. Divulgado no último dia 11, o indicador trouxe mais substância às projeções sobre o possível início da flexibilização da taxa básica de juros, a Selic, em agosto. O resultado, grosso modo, mostrou-se positivo. Mas, a bem da verdade, a deflação foi menos robusta do que a esperada pelo mercado.

Esse desapontamento repercute na estimativa para a inflação de janeiro a dezembro de 2023. No meio desse caminho, o IPCA dos 12 meses encerrados em junho fechou em 3,16% e enquadrou-se no centro da meta de inflação, de 3,50%. Porém, ficou 0,02 ponto porcentual abaixo da média das projeções de mercado, o que fará diferença. Como a expectativa é de avanço do IPCA a partir de agosto, o indicador anual pode até roçar o teto da meta inflacionária, de 4,75%. Mas dificilmente se aproximará de seu centro.

Cálculos como esse e outros bem mais complexos serão discutidos pelos diretores do Banco Central na reunião de 1.º e 2 de agosto, quando decidirão o rumo da Selic. A deflação de junho pode contribuir para a redução de 0,25 ponto porcentual na atual taxa básica de juros, de 13,75% ao ano. Mas não seria suficiente, segundo análises de grandes bancos privados, para um corte mais incisivo. Como a cautela deve nortear a avaliação do Copom, poderse-á comemorar se a Selic cair para 13,50% ao ano em agosto.

A deflação morna de junho deveu-se à queda menor do que a esperada no núcleo da inflação de serviços. Os dados do mês refletiram ainda dois fatores artificiais. O primeiro foi o programa federal de redução de preços de carros populares, que provocou recuo de 2,76% nos preços de veículos novos no mês. O segundo fator foi o efeito da redução da alíquota de PIS/Cofins sobre os preços da gasolina e do etanol. A medida, que vigorou até 26 de junho, puxou os preços desses combustíveis para baixo em 1,85% no mês.

Ao consumidor, a deflação de junho não poderia ter sido mais bem-vinda, depois de nove meses seguidos de avanço nos preços. Houve retração de preços em 4 dos 9 grupos de bens e serviços analisados e em 11 das 16 regiões metropolitanas incluídas na pesquisa do IBGE. A deflação foi puxada especialmente pelo recuo de preços nos setores de alimentos e bebidas e transportes, que pesam nos orçamentos familiares.

Diante da resiliência da inflação nas maiores economias globais, a tendência de o IPCA convergir pelo menos para o teto da meta fixada para este ano é boa notícia. O resultado favorável nos 12 meses encerrados em junho deve ser atribuído ao fato de o Banco Central ter resistido a apelos e gritarias políticas e mantido o trilho da gestão técnica da política monetária. Não se espera que a autoridade monetária mude essa diretriz, mas que o governo faça sua parte na área fiscal. Não há mágica.

Dez milhões passam fome no Brasil

Correio Braziliense

No Brasil, também cresceu o número de brasileiros em situação de insegurança alimentar severa. Passou 1,9%, entre 2014 e 2016, para 9,9% entre 2020 e 2022 — um aumento de 4 milhões para 21 milhões

A pandemia da covid-19, em todo o planeta, deixou milhões de óbitos e elevou de 613 milhões (2019) para 735 milhões o número de pessoas que passam fome, segundo o relatório O Estado de Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (Sofi). No Brasil, também cresceu o número de brasileiros em situação de insegurança alimentar severa. Passou 1,9%, entre 2014 e 2016, para 9,9% entre 2020 e 2022 — um aumento de 4 milhões para 21 milhões. No total, são 70,3 milhões com dificuldade de conseguir alimentos no dia a dia, contra 37 milhões que, uma década atrás. Ainda no Brasil, a fome absoluta caiu na comparação com 20 atrás, quando a taxa de desnutridos afetava de 6,4% da população brasileira (12,1 milhões) e, agora, chegou a 4,7% (10,1 milhões). O país volta a ganhar visibilidade no Mapa Mundial da Fome.

O estudo elaborado por cinco agências da Organização das Nações Unidas (ONU):  Alimentação e a Agricultura (FAO), Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Mundial da Saúde (OMS) e Programa Mundial de Alimentos (WFP). Além da crise sanitária, o relatório aponta os impactos das mudanças climáticas e da guerra entre Rússia e Ucrânia. Os dirigentes das instituições preveem que, se mantido o atual cenário, dificilmente será possível atingir, até 2030, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de erradicar a fome no mundo.

A situação das crianças brasileiras é  bastante séria. A desnutrição infantil avançou nos últimos 10 anos. Entre 2012 e 2022, passou de 6,3% para 7,2% nesse segmento da sociedade. Atualmente, um milhão de crianças passam fome no Brasil. Ao lado delas, 48 milhões de cidadãos não dispõem de recursos para garantir uma alimentação saudável — em 2019, eram 39 milhões. No ano passado, 148 milhões de crianças (22,3%) com menos de cinco anos revelavam atraso no crescimento, devido à má ou à falta de alimentação adequada. 

A retomada das políticas de combate à fome e à miséria pode atenuar a realidade nacional. Ainda que seja uma ação positiva do poder público, ela será insuficiente se não for acompanhada de medidas que assegurem aos excluídos condições dignas — educação, saúde, profissionalização, entre outras necessidades reprimidas — de obtenção de renda, a fim de romper a dependência de cestas básicas e outros benefícios do Estado.

O retorno ao Mapa da Fome é vergonhoso, considerando que o Brasil se destaca no cenário internacional como detentor de enorme área agricultável (mais de 660 mil km²) invejável por várias nações. Hoje, os agricultores se gabam e anunciam que têm capacidade de produzir o suficiente para alimentar 1 bilhão de pessoas. E por que ainda há fome e miséria no país? É uma indagação natural que precisa ser respondida tanto pelo poder público quanto pelos médios e grandes produtores rurais.

 

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