O Globo
Aqueles computadores e programas da
Odebrecht não existem? Foi tudo uma ilusão?
O que a Petrobras fará
com os R$ 6,28 bilhões que recebeu de empresas e executivos, inclusive da
própria estatal, a partir dos acordos de leniência firmados no âmbito da
Operação Lava-Jato? Se foi tudo uma “armação”, se os pagamentos foram
indevidos, a Petrobras tem de devolver esses bilhões.
Parte do dinheiro pago pela Odebrecht foi
para o Departamento de Estado dos Estados Unidos e a Procuradoria-Geral da
Suíça. Colaboraram nas investigações que chegaram ao famoso sistema Drousys,
usado pelo setor de Operações Estruturadas da empresa para controlar os
pagamentos de propina a autoridades e políticos.
Mas, se não aconteceu nada disso, os acionistas da Odebrecht têm o direito de reclamar de volta esse dinheiro enviado para os gringos.
A Petrobras teve de pagar indenizações a
acionistas que negociavam seus papéis na Bolsa de Wall Street. Foi um acordo
por meio do qual a estatal brasileira reconheceu a má gestão — ou, mais
exatamente, a corrupção, o petrolão —, circunstância que, obviamente, influiu
negativamente no valor de suas ações.
Mas, se foi “armação”, todas essas
indenizações foram indevidas. E então, que órgão do governo brasileiro
organizará as cobranças aqui e lá fora?
Ou vai ficar tudo por isso mesmo?
Ocorre que o ministro Dias
Toffoli encaminhou outras providências. Determinou que todos os órgãos
envolvidos nos acordos de leniência sejam alvo de investigação para apurar
eventuais danos à União. É uma longa lista. Vai da Lava-Jato de Curitiba até a
Advocacia-Geral da União, Ministério Público e mais — centenas de gestores.
Um deles está ali mesmo, ao lado de
Toffoli, numa cadeira do Supremo. Trata-se de André Mendonça, ex-chefe da AGU.
O órgão foi parte ativa nos acordos de leniência, como o próprio Mendonça
confirmou e elogiou numa entrevista em abril de 2019. Disse ainda que a AGU
continuava patrocinando outros acordos.
No total, os acordos de leniência levaram a
pagamentos de R$ 25 bilhões a diversas empresas estatais e instâncias de
governos estaduais e federal. Também há complicação no âmbito do Judiciário. Em
23 de abril de 2019, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
decidiu por unanimidade manter a condenação de Lula no caso do tríplex do
Guarujá. O mesmo STJ permitira a prisão de Lula, em abril de 2018, com base no
entendimento de que o réu poderia começar a cumprir a pena depois da condenação
em segunda instância. E o plenário do STF,
em 4 de abril daquele ano, negara habeas corpus que livraria Lula da prisão. A
decisão foi apertada, 6 a 5, mas tomada pelo plenário. “Armação”?
A recente decisão de Dias Toffoli foi
monocrática, assim como fora a de Edson Fachin, quando, em 8 de março de 2021,
anulou todas as condenações de Lula na Lava-Jato. Argumentou que o processo
deveria ter sido aberto em Brasília, e não em Curitiba — “descoberta” feita
cinco anos depois da abertura do caso. A decisão foi confirmada pelo plenário
do Supremo — o que denota um tipo de corporativismo. Você não mexe na minha
sentença, eu não mexo na sua.
Depois disso, o então ministro Ricardo
Lewandowski tomou várias decisões monocráticas anulando as delações da
Odebrecht nos processos de Lula. Toffoli completou o serviço, anulando toda a
delação. Então ficamos assim: um erro processual, primeiro, e uma sequência de
decisões monocráticas, depois, determinaram que as delações foram irregulares,
o que dispensa, nessa grande “armação”, a verificação das provas. Quer dizer:
aqueles computadores e programas da Odebrecht não existem, foi tudo uma ilusão.
Tudo considerado, há uma conclusão que se
pode tirar para preservar a democracia e a segurança jurídica. Como já sugeriu
o advogado, jurista e ex-ministro da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho, as
decisões monocráticas deveriam ser simplesmente vetadas. Abolidas. Do jeito
como está, não temos uma Corte, mas 11 capitanias que decidem cerca de 90% dos
casos. Dá nisso.
Agora, quem quiser saber a história real,
está no livro de Malu Gaspar “A organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção
que chocou o mundo”.
Suas Excelências deveriam ler.
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