quarta-feira, 29 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Conferência do clima promete pouco avanço

O Globo

O progresso que houver, ainda que necessário, será insuficiente sem limites aos combustíveis fósseis

Três temas dominarão a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, que começa amanhã. O ponto mais controverso é a tentativa de estabelecer prazo para interromper o uso de combustíveis fósseis ou permiti-lo apenas se acompanhado de compensação. Outra controvérsia cerca a ajuda aos países pobres ou emergentes para garantir a transição para a energia limpa e promover adaptações para mitigar os efeitos do aquecimento global. Há ainda a discussão sobre uma redução drástica nas emissões de metano. Apenas nos dois últimos temas espera-se algum avanço.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá apresentar em Dubai a redução do desmatamento na Amazônia como evidência da transformação do Brasil na agenda climática. Embora a devastação no Cerrado tenha aumentado e mereça atenção, a diferença deste governo para o anterior é indiscutível. Lula está certo ao buscar resgatar o protagonismo do Brasil na arena ambiental, tendo no horizonte a COP30, prevista para Belém em 2025.

O financiamento a países em desenvolvimento defendido por Lula pode avançar. A meta de chegar a US$ 100 bilhões por ano em 2020 não foi cumprida (nem nos anos seguintes). O histórico é vexaminoso, uma vez que a quantia é uma fração dos US$ 2,7 trilhões anuais estimados como necessários para a transição energética global. Com vontade política, essa meta poderá ser reforçada. No Egito, foi criado em 2022 um fundo para compensar danos em países vulneráveis, mas as doações foram irrisórias. Uma das ações esperadas para Dubai é o anúncio de novos aportes. Existe também a possibilidade de os Emirados Árabes Unidos lançarem um novo fundo. Outra expectativa positiva diz respeito ao entendimento para reduzir as emissões de metano. Se confirmado, será uma boa notícia. Embora fique na atmosfera menos tempo que o carbono, o metano é responsável por algo como 16% das emissões de gases que aquecem o planeta.

Mesmo assim, 75% ainda cabem aos combustíveis fósseis. Sem conter a queima de petróleo, carvão e derivados, não haverá como cumprir as metas do Acordo de Paris, nem mesmo as menos ambiciosas. E os líderes dos dois países responsáveis por 45% das emissões — o americano Joe Biden e o chinês Xi Jinping — não estarão presentes em Dubai, dificultando qualquer acordo sobre o item mais relevante.

Em negociações anteriores, chineses, assim como russos e sauditas, foram contra estabelecer um prazo para pôr fim ao uso de combustíveis fósseis sem compensação. Ao mesmo tempo que investe pesadamente em energia renovável, a China continua construindo termelétricas a carvão, sob o argumento de que cada país deve ter a liberdade de decidir que políticas seguir. É improvável que mude de ideia. Existe a possibilidade de um grupo de países anunciar em Dubai a decisão de parar de inaugurar usinas a carvão e de fechar as existentes, sem a China.

No último dia 17, a temperatura global atingiu pela primeira vez a marca de 2 °C acima do nível pré-industrial. Mais um sinal (como se fosse preciso) da urgência de estabelecer limites ao uso de combustíveis fósseis. Os anfitriões, outros países que vivem da exploração de petróleo e sobretudo grandes consumidores de óleo, gás e carvão, como China e Estados Unidos, não têm mais como ficar omissos.

Inclusão de nova vacina no SUS ajudaria no combate à dengue

O Globo

Custo alto poderia ser contornado dando prioridade à vacinação de grupos e áreas mais vulneráveis

dengue atormenta o Brasil há décadas. No ano passado, o Ministério da Saúde registrou 1.053 mortes, um marco desde que a doença reapareceu nos anos 1980 (até então o maior número eram as 986 mortes de 2015). Tudo indica que este ano caminha para novo recorde. Pelos dados mais recentes do ministério, até 23 de novembro o país somava 1.037 mortes. Com uma preocupação adicional: o ressurgimento recente de uma variante do vírus que há mais de 15 anos não causa epidemias no país (sorotipo 3).

Por tudo isso, é importante que o Ministério da Saúde acelere a inclusão no Programa Nacional de Imunizações (PNI) da vacina japonesa contra a dengue aprovada em março pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Aplicada em duas doses, a Qdenga, da farmacêutica Takeda, protege contra os quatro tipos de dengue e tem eficácia de até 95% contra hospitalizações e mortes. É recomendada de 4 a 60 anos. Hoje está disponível apenas na rede privada, a um preço entre R$ 800 e R$ 1 mil. O uso na rede pública está sob análise da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).

A demora não se deve apenas à burocracia. O Ministério da Saúde relaciona vários entraves: preço, incertezas sobre os estoques disponíveis e restrições ao público-alvo. O valor proposto pela Takeda (R$ 170 por dose) é considerado alto (hoje a vacina mais cara custa R$ 120 ao governo), apesar de inferior ao aprovado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. A pasta estima um impacto de R$ 9 bilhões em cinco anos. Há dúvidas também sobre a capacidade de a Takeda entregar as doses necessárias. Na proposta ao Ministério da Saúde, a farmacêutica sugere restringir a vacinação aos mais vulneráveis.

A vacina japonesa contra a dengue é mais relevante devido à falta de opção. Em 2015, a Anvisa aprovou o uso de outra vacina do laboratório Sanofi, a Dengvaxia, mas ela é indicada apenas para quem já tenha sido infectado e só é encontrada na rede privada. Por ser restritiva demais, é pouco usada. O Instituto Butantan, em São Paulo, também desenvolve uma vacina contra a dengue em parceria com a farmacêutica MSD. Os testes clínicos estão na fase final, mas com previsão de conclusão só no ano que vem. No curto prazo, a vacina japonesa é a única viável.

Os obstáculos para levá-la aos brasileiros são contornáveis, desde que haja disposição do Ministério da Saúde para resolver os impasses. Se não é possível vacinar toda a população, que se estabeleçam prioridades para grupos e regiões mais vulneráveis, como foi feito quando havia poucas doses disponíveis contra a Covid-19. Bom planejamento conta. O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Naime Barbosa, sugere priorizar grupos mais suscetíveis a desenvolver as formas graves da doença. “Sem dúvida vacinar tem um custo, mas o governo economizará dinheiro prevenindo hospitalizações”, diz ele. “E evitar mortes não tem preço.”

Urgência de ação contrasta com baixas expectativas da COP28

Valor Econômico

Lançamento de gases de efeito estufa deveria cair 45% até 2030, um limiar temporal vital, mas subiram 9%

A COP28 começa amanhã, em Dubai, com expectativas rebaixadas, como a anterior, no Egito. Ditaduras árabes não são o melhor ambiente para uma discussão séria e franca sobre medidas urgentes que precisam ser tomadas para a redução das emissões de carbono - os Emirados Árabes Unidos são o sexto maior produtor mundial de petróleo. A produção de combustíveis fósseis é o elo mais atrasado e resistente a mudanças da cadeia de emissões de gases de efeito estufa. Mantidas as metas de descarbonização global apresentadas pelos países, a temperatura do planeta poderá subir entre 2,6 e 2,9º C, muito além dos 2º C limites do Acordo de Paris e bem acima do 1,5º C considerado aceitável. Muito mais precisa ser feito e é preciso trabalhar urgentemente para isso.

O Brasil teve uma primeira amostra do que significa conviver com a maior temperatura em 125 mil anos, com alguns dias seguidos de termômetros a 2,07 ºC acima da temperatura média pré-industrial (1850-1900). Com as águas do Atlântico perto do Equador aquecidas e ajuda do El Niño, provocado pelo aumento de temperatura do Pacífico, as florestas brasileiras pegaram fogo - da Amazônia ao Pantanal, passando pela vegetação do Cerrado - enquanto que o Sul do país afogou-se em enchentes destrutivas. “Teoricamente você tinha uma seca na Amazônia a cada duas décadas. Agora estamos tendo duas secas fortes por década”, afirma o climatologista Carlos Nobre.

O Brasil foi parte de uma paisagem ameaçada, muito maior. O Canadá teve alguns dos maiores incêndios de sua história, cobrindo de cinzas Nova York, enquanto enchentes se espalhavam por regiões próximas do deserto líbio e a temperatura média da superfície dos oceanos batia recordes.

As 28 conferências do clima realizadas até agora foram pouco eficientes para conter o aquecimento global. A exigência de consenso entre mais de 190 países parece drasticamente inadequada quando apenas 10 deles emitem 90% do total de gases de efeito estufa. As projeções indicam que obter as reduções necessárias para manter temperaturas compatíveis com a vida humana é viável, ainda que politicamente pouco factível. Pelos compromissos atuais, o lançamento de gases de efeito estufa deveria cair 45% até 2030, um limiar temporal vital, mas subiram 9%, segundo o Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC).

Para ter alguma chance de limitar o aumento de temperatura entre 1,5º e 2º, seria preciso reduzir drasticamente a exploração e produção de petróleo. As reservas existentes de gás, petróleo e carvão somam 10,6 mil gigatoneladas de CO2 e não mais de 241 mil poderiam ser lançadas na atmosfera para que se restrinja o aquecimento a 1,5º. Admitindo-se que o limite seja de 2º C, o máximo aceitável seria emissão de 660 mil gigatoneladas, pelos cálculos do Potsdam Institute for Climate Impact Research (Valor, 21 de novembro). Mas pelas metas anunciadas, os países produzirão mais do que o dobro (110%) do que seria compatível com a meta de 1,5 ºe 69% a mais do que conteria o aquecimento em 2º C (Folha, 21/11).

Não é por outro motivo que a Agência Internacional de Energia insiste em que não deveria haver a abertura de novas frentes de exploração de petróleo. A situação é pior do que parece, porque governos e empresas estatais dos 19 Estados membros do G20 destinaram US$ 1,3 trilhão em subsídios aos combustíveis fósseis em 2023, segundo a consultoria BloombergNEF (Valor, 24 de novembro). A transição energética está lenta. As emissões de carbono precisariam sofrer inflexão radical até 2030. As empresas petrolíferas, que deveriam ter mudado seu rumo de negócios, não aplicam mais de 2% de seus recursos em energias renováveis, cuja capacidade de fornecimento precisaria triplicar até lá para que seja possível zerar emissões líquidas até 2050. A taxa de investimento nessas energias teria de aumentar para a média de US$ 1,1 trilhão anuais entre 2023 e 2030, mas em 2022 foi pouco mais que a metade disso (US$ 564 bilhões).

O Brasil é o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Inventário do Observatório do Clima mostra que o país emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas em 2022, uma queda de 8%. O desmatamento emite 48% do total e a agropecuária, 27% (desses, 80% provenientes da pecuária). O país se comprometeu a zerar até 2030 o desmatamento, reduzindo emissões líquidas em 43%, até 685 milhões de toneladas.

A disputa geopolítica entre EUA e China tolhe as iniciativas contra o aquecimento global. Em Dubai, nem Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, nem Xi Jinping, da China, estarão presentes. Há poucas chances de que outro impasse que se arrasta pelas COPs seja resolvido - o financiamento à adaptação e mitigação pelos países ricos para os em desenvolvimento. A promessa de destinação de US$ 100 bilhões anuais, feita na COP15, de 2009 (Copenhague), até hoje não foi cumprida. Dados do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo mostram que cumpri-la faz sentido e que é preciso redobrar os esforços. O 1% mais rico do planeta, 77 milhões de pessoas, foi responsável por 16% das emissões, quantia igual ao das emissões feitas por 66% da população mundial, ou 5,11 bilhões de pessoas.

Males do estatismo

Folha de S. Paulo

Paralisação política em SP contra privatização expõe distorções do setor público

No primeiro semestre deste ano, contaram-se 558 greves em todo o país. Funcionários das três esferas de governo e das empresas estatais responderam por 60,8% (339) desses movimentos —e por praticamente 70% das horas paradas. Trata-se de um padrão.

De acordo com os números do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em todo o ano passado foram 1.067 greves, das quais quase 60% na esfera pública (54,4% de servidores estatutários e 5,1% nas estatais), cujas corporações somaram 41.590 horas paradas, ou 76,4% do total nacional.

Quando se observa que os trabalhadores vinculados ao Estado e a suas empresas não chegam a representar um quinto do mercado brasileiro, a distorção fica evidente.

Pode-se facilmente associá-la ao alcance exagerado da estabilidade no emprego do funcionalismo no país. Mesmo os funcionários das estatais federais, estaduais e municipais, regidos pela CLT, na prática gozam de ampla proteção na Justiça do Trabalho contra demissões.

Previsivelmente, tal situação não apenas desincentiva a produtividade como facilita abusos.

Foi o que se viu em São Paulo nesta terça-feira (28) com uma bizarra paralisação conjunta de metroviários, ferroviários, funcionários da Sabesp (a companhia estadual de saneamento), professores da rede pública e servidores da Fundação Casa (de atendimento a adolescentes infratores).

O movimento tem motivações variadas, mas basicamente políticas. Os trabalhadores do transporte coletivo, que são os que conseguem provocar os maiores transtornos imediatos para a população, batem-se contra planos ainda incipientes do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a privatização dos serviços.

Eles se juntam aos grevistas da Sabesp contra a venda da empresa, objeto de um projeto do Bandeirantes em tramitação na Assembleia Legislativa paulista. Em nome dessa causa inglória, os sindicalistas como de hábito ignoraram acintosamente as determinações da Justiça de comparecimento nos horários de pico.

A privatização é de interesse público quando busca livrar as empresas de vícios como empreguismo, clientelismo, inchaço salarial, aparelhamento político e ineficiência gerencial, além de oferecer melhores serviços aos cidadãos sob uma regulação adequada.

As corporações estatais recusam desde sempre os termos desse debate. É difícil observar nessa conduta intransigente e truculenta algo além do próprio interesse.

Contra o contribuinte

Folha de S. Paulo

Governadores usam reforma tributária erroneamente como pretexto para elevar ICMS

Com a provável aprovação da reforma tributária, governadores articulam uma alta oportunista da carga sobre o contribuinte. Seis deles, das regiões Sul e Sudeste, indicaram há pouco que tentarão aumentar o ICMS —que será extinto até 2033 com a urgente simplificação do sistema de impostos.

Eles argumentam que a reforma compromete a autonomia federativa, o que é enganoso. Pela proposta, os entes federativos ainda poderão fixar sua cobrança, mas com regras harmonizadas. Um avanço em relação à barafunda atual.

Outra razão elencada, nesse caso também pelo governo federal, é o populismo do final da gestão de Jair Bolsonaro (PL), que teria desorganizado receitas estaduais ao forçar cortes artificiais na cobrança sobre combustíveis e instituir um teto para itens essenciais em 2022 —estima-se perda de 0,8% do PIB, cerca de R$ 80 bilhões ao ano.

O fato é que agora há um forte incentivo para que os estados busquem elevar sua participação no arrecadação total do país. Isso se dá porque, pela reforma, a divisão do futuro imposto sobre valor agregado entre os entes federativos seguirá a média da arrecadação apurada entre 2024 e 2028.

São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul pretendem subir as alíquotas entre 0,5 e 2,5 pontos percentuais, o que pressionará a inflação e poderá dificultar, ainda que temporariamente, o corte da taxa de juros pelo Banco Central. Outros estados já haviam majorado alíquotas ao longo deste ano.

As explicações dos governadores para essa movimentação, no entanto, são apenas em parte verdadeiras. Há muitos outros culpados pela penúria dos cofres estaduais e de vários municípios.

Em 2021 e 2022, a arrecadação cresceu vigorosamente com o bom desempenho da economia. Mesmo com o impacto dos combustíveis, o saldo da coleta foi favorável.

O problema é que repetiu-se o padrão de sempre. A maioria dos estados optou por conceder reajustes salariais ao funcionalismo no ano passado, por exemplo, na premissa sempre equivocada de que a folga orçamentária era permanente.

A gestão foi imprudente em muitos casos, portanto, e agora a conta chegou. Utilizar a reforma como pretexto para aumentar impostos é oportunismo. Infelizmente, a concorrência agora em favor de cobranças maiores parece inevitável, a não ser que o Congresso retifique o critério de distribuição.

De todo modo, seria mais sensato que cada estado tratasse de suas necessidades à frente, sem decisões açodadas e imediatistas.

Notório saber político

O Estado de S. Paulo

Ao indicar Flávio Dino, Lula deixa claro que o STF deixou de ser instância jurídica.

Ao indicar Dino, Lula deixa claro de uma vez que STF deixou de ser instância jurídica e se transformou em arena política, razão pela qual precisa ali de uma tropa de choque leal

O ministro da Justiça, Flávio Dino, não foi indicado pelo presidente Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal (STF) por seu notório saber jurídico, e sim por seu notório saber político. A nomeação de Dino escancara que, para Lula, assim como para Jair Bolsonaro antes dele, o STF se transformou de vez em uma arena política.

Dino deixou a magistratura em 2007 para mergulhar na vida política. Por isso, não se conhecem muito bem suas qualidades como juiz, mas todos estão plenamente cientes de seus dotes políticos, e é em razão deles que o ministro ganhou a corrida por uma vaga no Supremo. Ex-deputado, ex-senador e ex-governador do Maranhão, Dino transformou o Ministério da Justiça em ribalta. Em vez de demonstrar a necessária discrição de quem era responsável por zelar pela defesa da ordem jurídica, dos direitos políticos e das garantias constitucionais, Dino ganhou os holofotes ao fustigar adversários e fazer prejulgamentos sobre casos envolvendo bolsonaristas e o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro. Com isso, perdeu capital moral, mas ganhou o coração de Lula.

Mas não é só a Lula que interessa o ingresso de Dino no STF. Consta que os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes fizeram gestões por seu nome e também pelo nome do indicado por Lula para a Procuradoria-Geral da República, o subprocurador-geral Paulo Gonet. Não é novidade que ministros do STF se empenhem em emplacar nomes de sua confiança para vagas na Corte, mas poucas vezes se viu algo tão explícito. Articula-se à luz do dia a formação de uma tropa de choque.

Nada disso parece ter qualquer parentesco com o melhor interesse público. Já passou da hora de o STF voltar ao leito da normalidade institucional, afastando-se dos embates políticos. Com Dino, contudo, o que se descortina é o exato oposto do necessário esforço de autocontenção do Supremo.

O STF tem o dever de se reconciliar com a parcela da sociedade brasileira – que está longe de ser composta apenas por bolsonaristas e outros radicais – que tem visto com desconfiança a atuação da Corte, exatamente porque várias de suas decisões não raro são vistas como enviesadas. Não são receios infundados. Ministros do STF têm se deixado influenciar pelos voláteis humores da política, quando não os influenciam. Avalizam inquéritos eivados de questionamentos, relativizam direitos e atropelam garantias em nome da salvação da democracia. Reconheça-se que em certo momento o Supremo acertou ao esticar excepcionalmente os limites de sua atuação, pois o País viveu uma ameaça real de ruptura, mas esse momento já passou.

O problema é que parte do Supremo parece ter tomado gosto pela política, e não por acaso o Congresso começa a reagir a esse entendimento elástico sobre o papel da Corte na ordenação institucional brasileira.

É nesse contexto que deve ser lida a indicação de Flavio Dino ao STF. Como ministro da Justiça, Dino demonstrou imensa disposição para o embate. Em vez de submeter a política ao Direito, que era sua função no Ministério, fez o exato inverso. Em nenhum momento Dino atuou para demonstrar que as instituições de Estado estavam a salvo das virulentas disputas políticas das quais participava, quase sempre de forma ruidosa.

Recorde-se, por exemplo, que Dino não teve dificuldades para considerar que a suposta agressão de bolsonaristas à família do ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma poderia ser enquadrada como crime contra o Estado Democrático de Direito, numa flagrante distorção do espírito da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. Ainda sobre esse caso, Dino chegou a declarar que a diligência de busca e apreensão na casa daqueles bolsonaristas, claramente desproporcional, estava plenamente justificada “pelos indícios de crimes já perpetrados” – conclusão à qual ele não poderia chegar dado o fato de que o inquérito não está concluído e corre em sigilo.

Ao apelar para interpretações heterodoxas da lei e da Constituição e atropelar o papel institucional do Ministério da Justiça, o sr. Dino deveria ter sido desconsiderado como candidato ao Supremo. No entanto, como o critério para a escolha não é jurídico, isso pouco importa.

Uma greve perversa

O Estado de S. Paulo

O movimento grevista no metrô usa o sofrimento dos trabalhadores paulistanos não para melhorar as condições da categoria, mas apenas para alimentar uma pauta política

A população da Grande São Paulo amanheceu ontem sob os impactos perversos de uma greve de cunho político de metroviários e ferroviários. Nada mais indigno do que submeter os cidadãos da metrópole à paralisia nos veios centrais do transporte público valendo-se de reivindicação alheia, em estrito senso, a questões trabalhistas. Ao levantarem a bandeira política de combate ao programa de privatizações do governo paulista, os sindicatos envolvidos distorceram o direito constitucional à greve. Não bastasse, impuseram prejuízos e transtornos a milhões de trabalhadores que, por lei e por ética, deveriam estar poupados das implicações de quaisquer movimentos grevistas.

Medidas preventivas adotadas pelo governo estadual e pela Prefeitura paulistana, bem como limites impostos aos grevistas pela Justiça do Trabalho, aliviaram apenas parcialmente os transtornos. Não evitaram tumultos, filas extensas em pontos de ônibus e sobrecarga em lotações legais e ilegais. Como não bastasse, a adesão de funcionários da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e de servidores públicos das áreas da educação e da saúde à greve do Metrô e da CPTM disseminou toda a sorte de aborrecimentos – da remarcação de cirurgias à postergação do Provão Paulista, passando pelas horas adicionais em um trânsito habitualmente já muito difícil.

Os próprios sindicatos não ocultaram o caráter político deste que é o quarto movimento grevista no ano. Antes, sublinharam os objetivos de exigir o cancelamento dos processos de privatização de linhas do Metrô e da CPTM, da Sabesp e de outras estatais paulistas em curso pelo governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), assim como a realização de plebiscito sobre o tema. Em sua essência, porém, a reivindicação não traz fundamento plausível. Os projetos do Palácio dos Bandeirantes de venda de estatais têm sido democraticamente submetidos aos ritos de tramitação da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), instituição à qual cabe a palavra final.

Para expor seus legítimos pontos de vista, os sindicatos sempre dispuseram de livre acesso e voz nas audiências públicas agendadas pela Alesp para tratar das diferentes implicações, dos benefícios e das regras das privatizações. Qualquer líder sindical sabe muito bem como buscar o diálogo com integrantes da Assembleia para eticamente defender os interesses das categorias que representam. Portanto, ferroviários e metroviários jamais precisariam recorrer a uma nova greve, ilegal e antiética como as anteriores, como medida de força contra a pauta liberal do atual governo paulista.

Aliás, no caso dessas categorias de serviços públicos, o direito à greve tem limite, conforme os potenciais danos à cidadania. Não se prevê tamanho estrago em uma paralisação de trabalhadores de uma fábrica de parafusos. Por isso, a Lei 7.783/1989, que regulamenta o artigo 9.º da Constituição de 1988, obriga os sindicatos de trabalhadores e os empregadores a “garantir a prestação dos serviços públicos indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” enquanto o movimento perdurar.

A lei determina, portanto, a prestação integral dos serviços públicos essenciais, dentre os quais estão enumerados o transporte público, o tratamento e abastecimento de água e a assistência médico-hospitalar. Ainda assim, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) garantiu a parcelas minoritárias dessas categorias o direito de cruzar os braços mesmo nos horários de pico do transporte em São Paulo.

Fizeram bem os governos paulista e paulistano ao recorreram na Justiça contra o movimento grevista. Amparados legalmente, tais esferas refletem a obrigação moral e legal de defender os direitos dos contribuintes. Cabe aos sindicatos a revisão de seus atos e a compensação de perdas causadas. O caos no trajeto de milhões de trabalhadores observado ontem em São Paulo não pode mais se repetir nem mesmo diante de justas reivindicações laborais no segmento dos serviços públicos. Muito menos, sob argumentos políticos retrógrados.

A solução menos ruim

O Estado de S. Paulo

Em tempos estranhos, fim do calote dos precatórios e a rejeição à contabilidade criativa são algo a comemorar

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para autorizar o governo a quitar o estoque de precatórios atrasados sem violar as regras fiscais. O julgamento ainda não foi concluído, mas a maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, Luiz Fux, para quem o limite anual para saldar esses compromissos é inconstitucional.

A origem desse imbróglio foi a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/2021, instrumento utilizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para abrir espaço para um festival de medidas populistas às vésperas da eleição.

Antes mesmo da apresentação da PEC, quando o então ministro da Economia, Paulo Guedes, comparou o volume dessas dívidas a um “meteoro”, este jornal já acusava o calote, único nome possível para designar o plano que começava a ser desenhado.

Para piorar, o calote daria origem a uma bola de neve de R$ 250 bilhões para 2027, soma dos valores represados de 2022 a 2026. Se nada fosse feito até lá, a dívida ocuparia todo o espaço das despesas discricionárias daquele ano e implodiria de vez o orçamento.

Aproveitando-se de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) apresentadas ao Supremo, o governo Lula se antecipou à provável derrota. Em petição ao STF, a Advocacia-Geral da União (AGU) reconheceu a inconstitucionalidade da medida e pediu a abertura de R$ 95 bilhões em créditos extraordinários para assim quitar o estoque acumulado.

A tese, ao que tudo indica, será aceita pelo STF – e não apenas até 2024, como queria o governo, mas até 2026. Considerando as alternativas, esta parece ser a solução menos ruim. O ideal, e o correto, seria acomodar esses gastos dentro do Orçamento, contabilizar a dívida no limite de despesas e considerá-la na apuração da meta fiscal.

Chama a atenção, no entanto, a generosa interpretação que Fux deu ao julgar a PEC dos precatórios. Ignorando o contexto político em que a proposta foi apresentada, o ministro a considerou “medida proporcional e razoável para que o poder público pudesse enfrentar a situação decorrente de uma pandemia mundial em 2022”, configurando-se como “providência fora de esquadro” apenas em 2023.

Ora, todos sabem que a intenção da PEC nunca foi enfrentar a emergência sanitária, mas somente atender aos interesses de um presidente que se candidataria à reeleição.

O STF, no entanto, pretende impor limites ao acordo proposto pelo governo. Em seu voto, Fux recusou a possibilidade de segregar as parcelas dos precatórios – ideia que resultaria em nova manobra contábil para facilitar o cumprimento das metas fiscais. Assim, principal, juros e correção monetária continuam a ser classificados como despesa primária, como manda a contabilidade pública e os padrões internacionais seguidos pelo Banco Central (BC).

Em tempos tão estranhos, o fim do calote institucionalizado e a rejeição ao retorno da contabilidade criativa certamente são algo a comemorar. Mas não deixa de ser estarrecedor que a PEC dos precatórios tenha sido tão facilmente aprovada pelo Congresso – e, pior, que uma parte dela tenha sido avalizada pelo STF.

Economia desaquecida pede ousadia do Banco Central

Correio Braziliense

Um corte de um ponto percentual surpreenderia o mercado, mas atenderia às necessidades da indústria e do comércio sem comprometer os objetivos monetários

Há claros indicadores mostrando que a economia brasileira vai desacelerar no terceiro trimestre deste ano, o que ficará mais evidente no início de dezembro, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do período de julho a setembro deste ano. O mercado financeiro projeta uma retração próxima de 0,5%, como reflexo, principalmente, do recuo no setor de serviços, cujo desempenho ficou negativo por dois meses seguidos, em agosto (-1,3%) e setembro (-0,3%). Lembrando que o segmento responde por cerca de 70% do PIB, é de se esperar, de fato, que a economia tenha queda no terceiro trimestre. E há mostras de que esse esfriamento da atividade economica continue no último trimestre do ano.

A frustração do varejo com a realização da Black Friday pelo segundo ano consecutivo — as estimativas são de queda de 15% nas vendas do comércio on-line neste ano — mostra um varejo com baixo crescimento e uma indústria que está estagnada. Embora o desemprego tenha caído no terceiro trimestre, o endividamento alto das famílias ainda trava o desempenho mais forte da economia. Outro dado que aponta para a retração e estagnação da economia é a arrecadação de impostos, que ficou praticamente estável em outubro, com destaque para a redução de 8,59% no recolhimento do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Por outro lado, a taxa de inflação continua dando mostras que está desacelerando e convergindo para o centro da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de 3,5% no médio prazo, sendo que em 2023, a inflação deve fechar em 4,65% – pelas projeções do mercado financeiro –, ficando abaixo do teto da meta pela primeira vez em três anos. São razões de sobra para se concluir que as taxas de juros no Brasil estão ainda muito altas, mesmo com as reduções feitas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, nas últimas três reuniões. A taxa básica, hoje em 12,25%, com a projeção de queda da inflação nos próximos 12 meses, deixa o Brasil com a segunda maior taxa de juros real do mundo, atrás apenas do México.

É pouco provável, mas necessário que o Banco Central seja um pouco mais ousado na flexibilização do arrocho monetário, para que o desaquecimento econômico não corra o risco de se transformar em uma recessão técnica – dois trimestres seguidos de retração na geração de riqueza. É certo que, na sua próxima reunião, em 10 e 11 de dezembro, o Copom promoverá novo corte de 0,5% ponto na taxa Selic, que assim encerrará o ano em 11,75%. Um corte de um ponto percentual surpreenderia o mercado, mas atenderia às necessidades da indústria e do comércio sem comprometer os objetivos monetários, uma vez que o próprio mercado financeiro projeta uma Selic em 9,25% no próximo ano.

O corte de um ponto percentual frustrará a expectativa do mercado financeiro, mas na prática apenas por um costume, uma vez que a inflação e a própria taxa Selic são vistas pelos agentes financeiros como em descendência. O que vai ocorrer com a postura diferente do Banco Central na próxima reunião dos diretores é demonstrar atenção também ao desempenho da economia brasileira no curto prazo. Além disso, o Copom pode promover um corte maior dos juros agora e preservar a taxa na reunião do início de 2024. Não se espera, mas é necessário um pouco mais de ousadia dos diretores do Banco Central neste momento.

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