domingo, 3 de dezembro de 2023

Vagner Gomes de Souza* - Mal-estar na representação política carioca

Novembro de 1988, a eleição de um ex-capitão do exército como vereador carioca pelo minúsculo Partido Democrata Cristão foi pouco destacada na imprensa local. No máximo, atribuía-se ali uma característica de um voto corporativo. Desde então, o sobrenome desse ex-Capitão sempre ocupou espaço na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Em 1988, o Macaco Tião (o   voto   em   cédula   cria essas   possibilidades   da   antipolítica) recebia aproximadamente 300 mil votos para prefeito que foram anulados. Alguma placa tectônica estava se movimentando na sociedade carioca.

Na época, a primeira falência pública da capital fluminense era explicada como decorrência dos tempos de altas inflacionárias. Mal-estar nas contas públicas e a esquerda democrática encolhida na Frente Rio (PSB/PCB/PV) que conquistara quatro cadeiras no legislativo municipal. Entre os cinco vereadores   mais   votados, o nada   diplomático   Wilson   Leite   Passos   que poderia ser uma espécie de Jean-Marie Le Pen carioca.

As   tentativas   de   compreender   as   votações   desse   legislativo carioca   em 1988   foram   superadas   ao   longo   do   tempo   e mereceriam   estudos   da historiografia política para tentar decifrar um eleitorado que foi se tornando cada   vez   mais   enigmático  para as   forças   políticas   mais   à   esquerda   da geografia política local. O desconhecimento da história política do voto carioca até por aqueles que viveram esse momento “in loco” permite que muitos devaneios se façam no momento da ação política.

Diante das movimentações sísmicas do eleitorado, muitos preferem voltar a vida normal dos cálculos eleitorais para as próximas eleições numa falsa normalidade. Nada de compreender as razões da possível degeneração dos valores democráticos na antiga capital do Império e da República. Numa fuga para frente diante do vazio político de uma esquerda democrática que formulasse política de frente diante da aceleração da profissionalização das campanhas eleitorais  no   espaço da cidade.   

Entretanto, as fraturas  do arcabouço institucional estavam se abrindo aos poucos  e  bem  antes   da dominação do espaço político territorial pelos segmentos milicianos.

Duas   décadas  se  passou  até  uma   disputa  eleitoral   que alguns estudos acadêmicos sugeriram uma cisão da política carioca ao olhar o segundo turno das eleições a Prefeitura. Em 2008, o centro político foi densamente ocupado pelos finalistas do PMDB e do PV. As forças armadas, coma justificativa   em   garantir   a   segurança do processo eleitoral, ocupou o Complexo Alemão que emergia no século XXI como a “Vendéia” do voto.

Então, percebemos que a normalidade não se fez presente apesar da pressa em preencher as lacunas interpretativas. A insegurança   como marca registrada na   hora   de   votar   pode   ter   muito influenciado nas   eleições legislativas o que é um indicativo da morte de uma sociedade civil carioca que teria dado seu último suspiro nos anos 80 do século passado.

A título de recordação, lembremos que, mesmo estando presa, a candidata Carmen   Glória   Guinâncio Guimarães, conhecida   como Carminha Jerominho (PT do B) conseguiu se eleger vereadora com 23.157 votos.

Carminha é filha do político assassinado em 2022 Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, que era acusado de chefiar milícias no Rio de Janeiro.

Após a  eleição, Carminha teve a sua prisão revogada. A candidata   a vereadora Ingrid Gerolimich, do PT, que recebeu apoio do ex-comandante do BOPE, Rodrigo Pimentel, pediu reforço à polícia para protestar contra os currais eleitorais na Rocinha, onde foi encontrada uma ata do tráfico proibindo campanhas  para   outros   candidatos que  não o presidente   da associação de moradores, Claudinho das Academias, do PSDC. Esse seria assassinado em 2010.

A normalização de  um eleitorado psicanaliticamente mobilizado pela cultura do medo  e  pela vulnerabilidade social num mundo urbano da antipolítica. 

As interrogações sobre esse eleitor ainda está em processo de estudos para seu melhor diagnóstico. Todavia, admitimos que  se aprofundasse o fosso entre o sistema político e a sociedade carioca que melhor se vê acolhida nos templos das igrejas neopentecostais e as classes subalternas legitimam a intervenção militar até no tema da educação como se observa na proliferação dos cursinhos preparatórios para carreira militar na Zona Oeste carioca ou no não  questionamento das escolas cívico militares. A listagem dos vereadores eleitos, apesar da “vitória de Pirro” de candidaturas da centro-esquerda e esquerda, muito indica sobre   o   que argumentamos.

Após 2012, o   terremoto   político   das   manifestações de   2013 no Rio   de Janeiro ainda expõe a multiplicidade das opiniões no campo democrático carioca sobre sua natureza. Num contexto de representação política vazia, o fosso entre o mundo político e o indivíduo comum se fez sentir de forma exponencial. O tema da mobilidade urbana carioca perdeu-se no processo em que a esquerda se permitiu a passar por uma mutação que lhe deu uma identidade cada vez mais pós moderna. Por outro lado, a hipermodernidade encontrou uma ampla avenida para fazer emergir novos nomes constituídos num diálogo direto com o eleitor pelas redes sociais.

Então, 2016, 2018, 2020, 2022   não   podem   ser   vistos   como momentos tópicos de uma formação e consolidação do extremismo político na cidade do   Rio   de   Janeiro.   Nada   se   comenta   sobre os 25% de   eleitores   numa candidatura ao Senado de um Deputado cassado por defender romper com as   instituições   democráticas.   O eleitorado   do   Macaco   Tião passou   pela involução   política   nos atributos   desse   mal   estar.   Entretanto, nada   de politicamente concreto   para   tentar   reverter   essa   situação   uma   vez   que debater   programa   é   uma   repetição   de   frases   ocas   sobre termos uma possibilidade de outra cidade.

O   Rio   de   Janeiro   está   com   um   eleitorado   cinzento   e   se enraizou   uma cultura política de centro-direita. Assim, a crise de representação das quais a extrema direita se beneficia nas eleições cariocas não se responde por alimentar um frentismo de esquerda a partir do repúdio de um centrismo cada vez mais refém da direita.

Devemos pensar numa esquerda positiva e propositiva que não deixe o debate eleitoral se limitar a adivinhar o melhor quadro a ser herdeiro de um “mandato tampão” no executivo diante da forte possibilidade de uma  hegemonia  da  extrema  direita no legislativo carioca. 

Portanto, a Frente Democrática ainda se faz necessária ainda mais na realidade   carioca   mesmo   que   a   ética   da   convicção   nos soe mais coerente. Sem a ética da responsabilidade, poderemos estar a gerenciar uma maior crise política na representação.

*Editor de Voto Positivo e mestre em Sociologia pelo CPDA-UFRRJ.

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