quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Dani Rodrik* - Os quatro desafios da economia global

Valor Econômico

Não existem modelos prontos de desenvolvimento liderado por serviços que possam ser copiados

Outro ano tumultuado confirmou que a economia global se encontra num ponto de inflexão. Enfrentamos quatro grandes desafios: a transição climática, o problema dos bons empregos, uma crise de desenvolvimento econômico e a procura de uma forma de globalização mais nova e mais saudável. Para abordar cada um deles, precisamos deixar para trás modos de pensamento pré-estabelecidos e procurar soluções criativas e viáveis, reconhecendo que esses esforços serão necessariamente descoordenados e experimentais.

As alterações climáticas são o desafio mais assustador e o desdenhado por mais tempo - a um custo elevado. Se quisermos evitar condenar a humanidade a um futuro distópico, precisamos agir rapidamente para descarbonizar a economia global. Há muito que sabemos que devemos nos afastar dos combustíveis fósseis, desenvolver alternativas verdes e reforçar as nossas defesas contra os duradouros danos ambientais que a inação tem causado. No entanto, tornou-se claro que pouco disso poderá ser conseguido por meio da cooperação global ou das políticas preferidas dos economistas.

Em vez disso, cada país avançará com suas próprias agendas verdes, implementando políticas que melhor levem em conta suas específicas restrições políticas, como já têm feito EUA, China e União Europeia. O resultado será uma miscelânea de limites de emissões, incentivos fiscais, apoio à pesquisa e desenvolvimento e políticas industriais verdes com pouca coerência global e ocasionais custos para outros países. Por mais confuso que seja, um impulso descoordenado pode ser o melhor que conseguimos realisticamente esperar.

Mas nosso ambiente físico não é a única ameaça que enfrentamos. A desigualdade, a erosão da classe média e a polarização do mercado de trabalho causaram danos igualmente significativos ao nosso ambiente social. As consequências são amplamente evidentes. As disparidades econômicas, regionais e culturais dentro dos países estão aumentando e a democracia liberal (e os valores que a apoiam) parecem estar em declínio, refletindo o crescente apoio aos populistas xenófobos e autoritários e a crescente reação contra o conhecimento científico e técnico.

As transferências sociais e o Estado-previdência podem ajudar, mas o que é mais necessário é um aumento na oferta de bons empregos para os trabalhadores menos qualificados que perderam o acesso a eles. Precisamos de oportunidades mais produtivas e bem remuneradas, que possam proporcionar dignidade e reconhecimento social àqueles que não alcançaram nível universitário. A expansão da oferta desses empregos exigirá não só mais investimento na educação e uma defesa mais robusta dos direitos dos trabalhadores, como também um novo tipo de políticas industriais para os serviços, onde futuramente será criada a maior parte das vagas.

O desaparecimento dos empregos na indústria transformadora ao longo do tempo reflete tanto uma automatização maior como uma concorrência global mais forte. Os países em desenvolvimento não ficaram imunes a nenhum dos fatores. Muitos experimentaram a “ desindustrialização prematura”: a absorção de trabalhadores em empresas industriais formais e produtivas é agora muito limitada, o que significa que estão impedidos de continuar com o tipo de estratégia de desenvolvimento orientada para a exportação que tem sido tão eficaz na Ásia Oriental e em poucos outros países. Juntamente com o desafio climático, esta crise das estratégias de crescimento nos países de baixo rendimento exige um modelo de desenvolvimento inteiramente novo.

As alterações climáticas são o desafio mais assustador que enfrentamos, mas há outras ameaças. A desigualdade, a erosão da classe média e a polarização do mercado de trabalho causaram danos igualmente significativos ao nosso ambiente social

Assim como nas economias avançadas, os serviços serão a principal fonte de criação de emprego nos países de baixo e médio rendimento. Mas a maioria dos serviços nessas economias é dominada por empresas informais muito pequenas - muitas vezes empresas unipessoais - e não existem essencialmente modelos prontos de desenvolvimento liderado por serviços que possam ser copiados. Os governos terão de experimentar, combinando o investimento na transição verde com melhorias de produtividade em serviços que absorvam mão de obra.

Por fim, a própria globalização precisa ser reinventada. O modelo de hiperglobalização pós-1990 foi ultrapassado pelo aumento da concorrência geopolítica entre os EUA e a China e pela maior prioridade atribuída às preocupações internas sociais, econômicas, de saúde pública e ambientais. Deixando de ser adequada à sua finalidade, a globalização tal como a conhecemos terá de ser substituída por um novo entendimento que reequilibre as necessidades nacionais e os requisitos de uma economia global saudável que facilite o comércio internacional e o investimento estrangeiro a longo prazo.

Muito provavelmente, o novo modelo de globalização será menos intrusivo, reconhecendo as necessidades de todos os países (não apenas das grandes potências) que pretendem uma maior flexibilidade política para enfrentar os desafios internos e os imperativos de segurança nacional. Uma possibilidade é que os EUA ou a China adotem uma visão excessivamente expansiva das suas necessidades de segurança, procurando a primazia global (no caso dos EUA) ou a dominação regional (China). O resultado seria uma “ armamentização ” da interdependência econômica e uma significativa dissociação, com o comércio e o investimento tratados como um jogo de soma zero.

Mas também poderia haver um cenário mais favorável em que ambas as potências mantivessem suas ambições geopolíticas sob controle, reconhecendo que seus objetivos econômicos são melhor servidos por meio da acomodação e da cooperação. Esse cenário poderá servir bem à economia global, mesmo que - ou talvez porque - fique aquém da hiperglobalização. Tal como a era de Bretton Woods mostrou, uma significativa expansão do comércio e do investimento globais é compatível com um modelo tênue de globalização, em que os países mantêm uma considerável autonomia política para promover a coesão social e o crescimento econômico no nível interno. O maior presente que as grandes potências podem dar à economia mundial é gerir bem suas próprias economias nacionais.

Todos estes desafios exigem novas ideias e enquadramentos. Não precisamos jogar pela janela a economia convencional. Mas para permanecerem relevantes, os economistas precisam aprender a aplicar as ferramentas da sua profissão aos objetivos e restrições do dia. Precisarão estar abertos à experimentação e solidários caso os governos se envolvam em ações que não estejam em conformidade com os manuais do passado. (Tradução de Anna Maria Dalle Luche)

*Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade de Harvard, presidente da Associação Econômica Internacional e autor de Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy. 

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