terça-feira, 16 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Itamaraty reagiu a ataque do Irã de modo vergonhoso

O Globo

Nota emitida na noite do ataque destoa da posição esperada diante da escalada do conflito no Oriente Médio

Foi constrangedora a reação do Itamaraty ao ataque do Irã contra Israel no último fim de semana, o primeiro desde a Revolução Islâmica de 1979. Para o governo iraniano, tratou-se de ataque “limitado” em resposta ao bombardeio israelense que matou sete militares em Damasco no início do mês, entre eles três líderes da Guarda Revolucionária Iraniana. Israel foi alvo de cerca de 350 drones e mísseis com 60 toneladas de explosivos, detidos apenas graças a um sofisticado sistema que interceptou 99% dos projéteis, com ajuda de outros países.

Diante da investida que só fez agravar a tensão na região, o Itamaraty emitiu na noite de sábado, quando já se conhecia a dimensão do ataque, uma nota tímida afirmando acompanhar com “grave preocupação” os “relatos (sic) de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel”. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, tentou ontem consertar o estrago dizendo que a nota foi elaborada num momento em que ainda não se sabiam “a extensão e o volume das medidas tomadas”.

Obviamente o Brasil, como qualquer país razoável com tradição pacífica, deve defender contenção e entendimento. A ninguém, exceto aos radicais de ambos os lados, interessa a escalada do conflito no Oriente Médio. Mas estava evidente desde o início que o ataque iraniano representava justamente isto: a escalada no conflito. Por isso mesmo todas as democracias ocidentais foram unânimes e enfáticas em condenar o Irã antes de exigir qualquer contenção.

Ao GLOBO, o embaixador de Israel em Brasília, Daniel Zonshine, cobrou, com razão, uma condenação explícita do governo brasileiro ao ataque. Argumentou, também com razão, que a interceptação de quase todos os mísseis e drones não reduz a gravidade do ocorrido. Em nota, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) afirmou que a posição do Brasil “é mais uma vez frustrante”. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, reiteradamente criticado por Israel em razão das posições assumidas diante da guerra em Gaza, não se furtou a rechaçar a agressão imediatamente. Mas apenas na manhã desta segunda-feira Vieira foi um pouco mais explícito ao declarar: “O Brasil condena sempre qualquer ato de violência, e o Brasil conclama sempre ao entendimento entre as partes”.

É inegável o apoio da teocracia iraniana a grupos terroristas, em especial o Hamas, autor do massacre em Israel no último 7 de outubro. Também são irrefutáveis as digitais iranianas nos ataques terroristas promovidos pelo libanês Hezbollah na Argentina nos anos 1990. O Hezbollah hoje promove ataques na fronteira norte de Israel, e os houthis — grupo iemenita apoiado pelo Irã — são ameaça a navios comerciais no Mar Vermelho. Para Israel e para o Ocidente, o programa nuclear iraniano é uma ameaça existencial.

Depois da agressão, os iranianos anunciaram que não promoverão mais ataques, mas Israel declarou que haverá resposta. O governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tem aproveitado o combate ao Hamas e a comoção nacional gerada pelo 7 de Outubro para sobreviver politicamente. Mas, em vez da circunstância política interna, deveria dar atenção aos apelos da comunidade internacional por comedimento. A capacidade da defesa israelense já ficou comprovada pelo êxito espetacular na interceptação da artilharia iraniana. Uma reação desmedida só faria agravar o conflito, em prejuízo de todos, inclusive dos israelenses.

Nova realidade do mercado de petróleo exerce maior pressão sobre Petrobras

O Globo

Diante da crise no Oriente Médio, será mais difícil para a estatal segurar artificialmente preço dos combustíveis

Enquanto não se conhecem os desdobramentos do ataque militar do Irã a Israel no último fim de semana, a economia já sofre os efeitos. Sobe o dólar e sobe o petróleo no mercado internacional. O movimento apanha a Petrobras numa fase de rescaldo depois da crise causada pela pressão do Palácio do Planalto para que o presidente da estatal, Jean Paul Prates, siga os desígnios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O principal deles é retardar ao máximo os reajustes dos combustíveis nas refinarias, pois é conhecido o efeito da alta da gasolina na inflação e na popularidade dos governantes.

No discurso do governo, a Petrobras também tem uma “função social”. Deve, por isso, abrir mão de faturamento retardando o reajuste dos combustíveis com base nos preços do mercado internacional, ainda que isso prejudique os acionistas, principalmente a União. O risco dessa visão é levar ao desabastecimento, já que as distribuidoras privadas poderão deixar de importar combustível se o preço nas bombas não for lucrativo.

Mesmo que seja formalmente autossuficiente na produção de petróleo, a Petrobras também precisa importar para atender a especificações de suas refinarias. O principal fornecedor externo do diesel largamente usado no transporte de cargas é a Rússia, que por enquanto tem oferecido desconto para compensar os efeitos das sanções comerciais que enfrenta por ter invadido a Ucrânia. Diante do novo cenário no mercado de petróleo, porém, não se sabe se Moscou manterá essa política.

Antes mesmo do aprofundamento da crise no Oriente Médio a Petrobras já acumulava defasagem em relação aos preços praticados no mercado internacional. Vendia gasolina 17% mais barata que no exterior, segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom). Na prática, isso significa que, ao importar o combustível, a estatal paga 20,5% mais do que cobra no mercado interno. É verdade que não faz sentido corrigir preços a qualquer oscilação externa. Mas uma defasagem dessa ordem também não faz sentido.

A cotação do petróleo está em alta desde o final do ano passado. No segundo semestre de 2023, depois que o barril do tipo Brent aproximou-se de US$ 95, o forte aumento na produção dos Estados Unidos, maior produtor mundial, e de países fora do cartel da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) fez a cotação voltar para baixo de US$ 75. Num primeiro momento, o ataque terrorista do Hamas contra Israel não alterou a tendência. Em dezembro, porém, o cenário mudou com a ofensiva da Ucrânia sobre a infraestrutura russa com prejuízo às exportações de gasolina e diesel.

Desde então, o petróleo subiu 20% (10% só no último mês). Mesmo que haja ajustes, parece difícil que tão cedo a cotação volte ao patamar do ano passado. Será difícil para a direção da Petrobras manter a política opaca por meio da qual tem segurado artificialmente o preço dos combustíveis no Brasil.

Resposta de Israel deve definir rumos da guerra

Folha de S. Paulo

Comedimento na resposta ao ataque do Irã, indicada por EUA, pode evitar escalada do conflito; posição do Brasil é tíbia

Suscita temores, embora não se tenha chegado a um ponto de escalada irremediável, o ataque com mísseis e drones que o Irã perpetrou, na noite de sábado (13), contra o território de Israel.

Pouco mais de seis meses após os atentados terroristas do grupo palestino Hamas a kibutzim israelenses, a ação fortalece os contornos de um conflito regional cuja sombra se projeta há anos.

A ofensiva foi classificada pela teocracia persa como resposta ao bombardeio, supostamente executado por forças israelenses, de sua embaixada em Damasco. Tel Aviv se recusou a comentar o episódio, mas operações do tipo contra autoridades iranianas não foram raras ao longo dos anos.

A lei internacional não legitima nenhuma das operações —nem o bombardeio à embaixada nem a ofensiva no espaço aéreo— como ações de autodefesa. Isso não impediu os dois países de calcar o embate retórico nesse direito.

É um discurso útil para reviver o apoio popular que tanto o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu como o do aiatolá Ali Khamenei veem se erodir.

A Defesa israelense afirma ter conseguido abater os drones e projéteis iranianos. A ofensiva, que oficialmente se encerrou ali, não deixou mortos nem maior prejuízo. Mas seu intuito parece ter se cumprido. Teerã demonstrou a Tel Aviv que é capaz de adentrar seu território, de forma até então inédita.

Com isso, enuncia disposição de assumir o conflito oficialmente, não mais apenas pelos braços dos grupos radicais e terroristas que financia, com sua maior robustez estratégica e bélica.

Os próximos passos de Israel serão cruciais para o agravamento ou arrefecimento do conflito.

Se o apelo por comedimento de seu principal aliado, o governo dos EUA, parece ter encontrado eco em parte do gabinete, o governo Netanyahu enfatizou que o Irã deve pagar pela agressão. A julgar por suas ações recentes, o premiê, que encontrou na guerra a sobrevida no cargo, não tem a paz como meta.

Os principais desdobramentos são, até aqui, diplomáticos: o esforço de Joe Biden, que tem intervindo nos bastidores dos dois lados para refreá-los, e a cobrança de Israel por demonstrações de apoio a seu direito de defesa, manifestação que o Brasil ainda não fez.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já incorrera em logorreia inútil aos esforços de paz quando comparou as práticas de Israel contra Gaza com as ações do nazismo. Quanto ao Irã, o histórico do petista em condenar atrocidades cometidas pelo regime dos aiatolás é nulo.

A guerra travada em Gaza por si só já impôs quase 34 mil mortes, além de lançar os mais de 2 milhões de pessoas que vivem no território a condições de privação atrozes. Expandi-la trará mais mortes e rupturas diplomáticas, com consequências imprevisíveis.

Educação sem obras

Folha de S. Paulo

Projetos para escolas e creches, maioria de gestões do PT, têm atraso vexatório

É notório o apreço de governos por gastos em obras e grandes empreendimentos, mas os números expõem a inépcia do Estado brasileiro para levar adiante tais projetos.

Tome-se o caso dos planos de administrações petistas para ampliar a infraestrutura da educação. Em maio de 2023, o Planalto publicou medida provisória para finalizar construções escolares para o ensino básico. Após um ano, contudo, nenhuma das 3.783 iniciativas cadastradas pelas prefeituras foi retomada, como noticiou a Folha.

Ressalte-se que 90% desse total teve início no longínquo período entre 2007 e 2014, em gestões de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (PT), e só 5% após 2019.

Esses projetos, que poderiam beneficiar 741 mil alunos, estão em regiões vulneráveis e impactam notadamente a educação infantil.

Norte e Nordeste concentram 80% das obras abandonadas. As creches respondem pela maior parcela (35%), seguidas por quadras e coberturas de quadras (32,5%) e escolas do ensino fundamental (29%).
Com a correção dos valores pela inflação, estima-se que as obras custarão R$ 3,9 bilhões.

O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 estipulou a meta de 50% das crianças entre 0 e 3 anos matriculadas em creches até 2024. De acordo com o Censo Escolar, porém, em 2023 houve 4,1 milhões de matrículas, enquanto, para cumprir o PNE, deveriam ser 5 milhões.

O FNDE, órgão do Ministério da Educação responsável pela repactuação dos contratos, diz que os trâmites burocráticos e a lentidão dos municípios atrasam a retomada dos empreendimentos.

Por óbvio o acúmulo de obras traz dificuldades —Lula precisa agilizar construções que deveriam ter sido concluídas em governos anteriores. Mas isso não pode ser usado como desculpa.

O poder público agora tem de concluir com celeridade essas escolas, creches e quadras esportivas. Mas sobretudo é necessário planejamento que evite o lançamento de programas grandiosos abandonados no meio do caminho.

Era uma vez o arcabouço fiscal

O Estado de S. Paulo

Antes de completar um ano, arcabouço fiscal é desmoralizado por iniciativas do próprio governo e do Congresso, o que atropela as metas de superávit, ampliando o descrédito

Durou menos de um ano a fantasia segundo a qual o governo de Lula da Silva tinha genuíno compromisso com o equilíbrio das contas públicas. O tal arcabouço fiscal, como foi batizado o mecanismo que substituiu o falecido teto de gastos, já era bem mais benevolente com a gastança, mas nem assim foi respeitado pelo governo. Donde se conclui que o problema do lulopetismo nunca foi o teto de gastos em si mesmo, mas sim a obrigação de manter as contas em ordem ante os imperativos populistas e eleitoreiros de Lula da Silva.

Há alguns dias, como se sabe, a Câmara aprovou a antecipação de um gasto extra de até R$ 15,7 bilhões neste ano. A manobra foi típica da indecência que parece prevalecer hoje no Congresso e no governo quando se trata da gestão dos recursos públicos.

Primeiro, a antecipação dessa dinheirama foi encaminhada na forma de um “jabuti”, nome que se dá a uma matéria estranha ao texto principal – no caso, tratou-se de emenda ao projeto de lei que cria um seguro para vítimas de acidentes de trânsito.

Segundo, o tal “jabuti” prestou-se a alterar a redação do arcabouço fiscal, autorizando o governo a abrir o crédito suplementar com base nas projeções de arrecadação do primeiro bimestre do ano – enquanto a lei do arcabouço estabelecia como parâmetro a arrecadação do segundo bimestre, que só será divulgada no fim de maio.

O timing é compreensível: em ano eleitoral há uma série de restrições aos gastos públicos à medida que se aproxima o pleito, razão pela qual os políticos sedentos de dinheiro e o governo interessado em angariar apoio se concertaram para antecipar o esbanjamento orçamentário. É nesse clima que outras exceções foram abertas, como os R$ 28 bilhões para financiar repasses a Estados e municípios e programas de governo, como o “Péde-Meia” (auxílio financeiro para estudantes do ensino médio).

Agora, como a sinalizar que a irresponsabilidade fiscal não tem volta, o governo resolveu alterar a meta fiscal para 2025 – de um superávit de 0,5% do PIB para zero. Ou seja, reconheceu que o ritmo das despesas está mais acelerado do que o da arrecadação, furando o teto imposto pelo arcabouço fiscal.

A falta de seriedade das metas e do próprio mecanismo de ajuste fiscal é prejudicial ao País em muitas dimensões. Quando os investidores desconfiam que o compromisso com o equilíbrio das contas não é para valer, cobram prêmios mais altos para continuar financiando o governo. Dessa forma, os juros tendem a continuar em patamar elevado, a despeito de todo o esperneio de Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Com juros nas alturas, o desenvolvimento do País fica comprometido.

É nessas horas que é preciso recordar o que aconteceu com o Brasil quando a Presidência foi exercida por alguém explicitamente hostil ao controle de gastos. Foi no governo de Dilma Rousseff que a mentalidade segundo a qual “gasto é vida” mostrou toda a sua capacidade destrutiva, levando o País a uma brutal recessão.

Esse cenário caótico de descontrole fiscal obrigou o governo de Michel Temer a aprovar no Congresso a emenda constitucional que instituiu o teto de gastos, que freava o aumento de despesas do governo federal, atrelando-as por 20 anos ao resultado da inflação do ano anterior. Foi uma mudança sem precedentes, mas já em 2019, na gestão de Jair Bolsonaro, o limite de gastos foi afrouxado, quase sempre em nome de imperativos demagógicos.

A dívida pública fechou dezembro em 74,3% do PIB. Para um país emergente, como o Brasil, é um nível muito elevado – e, nessa toada, vai subir mais. Segundo estimativas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a dívida deve subir neste ano para 80%, chegando a 100% em 2037 se não houver uma política fiscal efetiva. É um número que deveria preocupar, mas tudo indica que são cada vez mais raras as vozes, no governo e no Congresso, a advertir que isso não vai acabar bem.

Uma jogada de risco do Irã

O Estado de S. Paulo

O inédito ataque a Israel expôs vulnerabilidades que podem ser exploradas pelos israelenses em prol de sua segurança, e por seus aliados e os árabes em prol da estabilidade regional

O ataque do Irã a Israel no fim de semana foi histórico. Há décadas ambos travam uma guerra nas sombras: o Irã por meio de milícias do chamado “Eixo da Resistência”; Israel por meio de ataques cirúrgicos a alvos militares iranianos. Desde a agressão de uma dessas milícias a Israel, o Hamas, em outubro, a batalha se intensificou. O Hezbollah, no Líbano, e os houthis, no Iêmen, conduzem disparos controlados, mas regulares. Em contrapartida, Israel abateu uma série de alvos iranianos, culminando com o ataque a instalações diplomáticas na Síria que matou oficiais da Guarda Revolucionária iraniana. No sábado, essa guerra nas sombras veio à luz com a retaliação do Irã: uma bateria de mais de 300 drones e mísseis. Foi a primeira vez que o Irã atacou abertamente Israel, com projéteis lançados de seu próprio território.

Se era para ser uma demonstração de força, malogrou. Mais de 99% dos projéteis foram interceptados, muitos pelos americanos, britânicos e franceses. A Jordânia não só destruiu alguns mísseis, como liberou seu espaço aéreo para as defesas israelenses. Outros países árabes podem ter atuado indiretamente.

Há riscos sérios de uma conflagração regional. Mas as partes envolvidas, incluindo Israel e Irã, têm razões para evitá-la.

É incerto até que ponto foi uma demonstração de força ou uma retaliação simbólica. O Irã poderia ter disparado mais mísseis, e, quando os projéteis ainda estavam no ar, diplomatas iranianos anunciaram que “a questão estava concluída”.

Mas, mesmo que tenha sido um ataque simbólico, ele expôs limitações iranianas. Alguns dos foguetes falharam de saída, e, mesmo ciente das capacidades das defesas israelenses, Teerã esperava atingir ao menos alguns alvos. Se o Hezbollah tivesse atacado, a pressão sobre Israel seria brutal. Também é incerto se não atacou por moderação do Irã ou porque não queria se expor ao risco de uma contraofensiva. De todo modo, o ataque serviu a Teerã para testar as defesas de Israel e tirar lições que podem ser usadas em uma nova ofensiva.

A iniciativa agora está com Israel. O país está sob pressão dos EUA para não retaliar. “Satisfaça-se com a vitória”, teria dito o presidente Joe Biden ao premiê Benjamin Netanyahu. É possível que o faça. Alguma retaliação é provável, mas pode ser calibrada para extrair vantagens políticas.

O governo israelense vinha sofrendo pressões dos aliados pela violência em Gaza, mas o ataque mudou o foco para a ameaça do Irã. Israel pode permutar, por assim dizer, moderação na resposta a Teerã pelo fortalecimento da aliança explícita dos ocidentais e implícita dos árabes contra o Irã. Em contrapartida, esses países podem pressionar Israel por alívio aos civis em Gaza e pela reativação de negociações pela normalização com os sauditas e de um processo político para a instauração de um Estado palestino.

Os grandes riscos são internos. O Irã vinha conquistando ganhos com o conflito em Gaza, sobretudo o isolamento crescente de Israel. O ataque foi uma jogada de risco de um regime que enfrenta problemas econômicos e instabilidade interna, e seu malogro pode intensificar essa instabilidade. Racionalmente, o país deveria buscar uma desescalada. Mas agora que o Rubicão foi atravessado, os aiatolás podem dobrar a aposta, promovendo uma “fuga” de seus problemas internos através de um conflito externo contra Israel. Para Israel, tampouco é racional abrir outras frentes de combate. Mas os extremistas que apoiam o governo de Netanyahu podem botá-lo contra a parede, exigindo mais agressividade em troca de sua sobrevivência política – e Netanyahu já mostrou mais de uma vez que essa é a sua prioridade.

O fato de que a aliança de ocasião anti-iraniana conseguiu bloquear o ataque sem maiores danos a Israel expôs a vulnerabilidade do Irã e abriu uma janela de oportunidades para fortalecer essa aliança e reorientar o conflito em Gaza a um caminho mais produtivo para israelenses, árabes e seus aliados ocidentais. Mas erros de cálculo são cometidos sob pressão. Foi o que aconteceu no ataque do Irã e pode acontecer com a resposta de Israel.

Óbvio conflito de interesses

O Estado de S. Paulo

Escritório do ministro da CGU advoga para a Odebrecht na revisão de acordo de leniência

O Estadão revelou que o escritório de advocacia do ministro da Controladoria-Geral da União, Vinicius Marques de Carvalho, presta serviços à Odebrecht, atual Novonor, há pelo menos seis anos. Nada haveria de errado nisso se a notória empreiteira não fosse representada pela banca do sr. Vinícius Marques, a VMCA Advogados, justamente no processo de revisão do acordo de leniência firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) no âmbito da Operação Lava Jato.

À luz da Lei 12.813/13, que dispõe sobre conflitos de interesses, parece evidente que estamos diante de um desses conflitos aqui. Mas há mais fatos para estarrecer qualquer cidadão minimamente familiarizado com a elementar ideia de República. Embora não representada diretamente pelo VMCA Advogados no caso, a Novonor também negocia a revisão do bilionário acordo de leniência assinado em 2018 com a própria CGU, ora chefiada pelo sr. Vinícius Marques.

A bem da verdade, Vinícius Marques licenciou-se da banca batizada com suas iniciais no dia 10 de janeiro de 2023, após entrar para o primeiro escalão do governo federal. Mas o escritório seguiu atuando pelos interesses da Novonor/Odebrecht com a administração pública sob o comando de sua mulher, Marcela Mattiuzzo.

Como sói acontecer em casos semelhantes, tudo parece estar revestido da mais cândida aura de legalidade e decência. Após assumir a CGU, Vinícius Marques consultou a Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência para saber se, uma vez investido no cargo público, poderia continuar recebendo “dividendos decorrentes de resultados do escritório”. A alegação do ministro da CGU, ao final aceita pela CEP, era de que, na condição de “sócio patrimonial” do VMCA Advogados, “esses pagamentos não constituem qualquer tipo de atuação simultânea relacionada à advocacia junto ao ou pelo referido escritório”.

Como este jornal apurou, Vinícius Marques só não informou à CEP que muitos dos clientes do VMCA Advogados têm interesses sob análise de órgãos governamentais, entre os quais, e principalmente, a CGU.

Questionado pelo Estadão, Vinícius Marques disse que abriu mão de sua remuneração como “sócio patrimonial” do escritório, mas não informou como os dividendos passaram a ser redistribuídos – sobretudo se a parte que lhe caberia passou a ser recebida pela mulher.

Há muito a ser explicado, de maneira clara, a propósito dessas relações eticamente questionáveis. Ninguém que exerça a função do ministro Vinicius Marques deveria alimentar suspeitas de que está dos dois lados do balcão, sobretudo num caso rumoroso como o da Novonor/Odebrecht e seu envolvimento no escândalo de corrupção investigado na Operação Lava Jato. Melhor seria que o sr. Vinicius Marques deixasse o cargo caso o escritório que leva suas iniciais e que tem sua mulher como sócia continue a advogar para a Novonor/Odebrecht no âmbito da CGU e do Cade. É o que faria quem respeita a República.

Governo muda meta e reduz o vigor do ajuste fiscal

Valor Econômico

Resultados mais vigorosos ficarão para o próximo presidente

O governo desistiu da meta prometida de superávit primário de 0,5% do PIB em 2025, na mais importante mudança já no primeiro ano de vigência do novo regime fiscal. Segundo o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) apresentado ontem, a meta para o ano que vem será déficit zero, a mesma vigente para o atual exercício, que a grande maioria dos analistas acredita que não será atingida. Como o descumprimento da meta acarreta punições, entre elas a permissão de crescimento das despesas reduzida a 50% do avanço das receitas, a meta de 2024 deverá ser mudada mais adiante. Ontem, o governo disse que ela será mantida.

O governo diminuiu o ritmo de esforço fiscal para se chegar a um superávit primário de 1%, resultado que deveria ser obtido no último ano de mandato do presidente Lula. De 0,5 ponto percentual do PIB a cada ano passou agora a 0,25, sempre com margem para cima ou para baixo de 0,25. Com essa margem, em 2026 o presidente tentará a reeleição podendo apenas zerar o déficit público - o mesmo objetivo que havia se colocado em 2024. Resultados mais vigorosos ficarão, claro, para o próximo governo.

O novo regime fiscal reduziu a velocidade de crescimento da dívida pública e afastou o perigo de marcha acelerada rumo à falência do Estado. A outra face do regime revela-se agora, em sua execução. Ao reduzir a meta fiscal de 2025, um péssimo sinal de que pode fazê-lo de novo, ao sabor das conveniências, a relação entre a dívida pública e o PIB, já desconfortável, vai piorar. Pelas estimativas da LDO, a relação, que foi de 71,7% do PIB em 2022, aumentará para 79,1% do PIB em 2026, ou 7,4 ponto percentual do PIB de acréscimo - cerca de R$ 873 bilhões em reais de hoje. Na média de quatro anos, a dívida crescerá R$ 218,2 bilhões anuais, apenas um pouco menos do que foi o elevado déficit público no primeiro ano da gestão Lula. O boletim Focus da semana passada, tomando como referência a dívida líquida (que abate os ativos, como reservas), estima que ela evoluirá de 63,8% do PIB este ano para 68,5% em 2026, 5 pontos do PIB a mais.

O governo não pretende conter gastos, o que se tornou mais uma vez claro com a atuação do ministro da Casa Civil, Rui Costa, um adversário do equilíbrio fiscal pregado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na votação surpresa, em um projeto destinado a recriar o DPVAT, que deu permissão para abertura de crédito suplementar de mais R$ 15,7 bilhões de gastos ao Executivo. Essa possibilidade estava no orçamento do primeiro ano de vigência do regime fiscal, condicionada à arrecadação acima da prevista quando da realização da segunda avaliação bimestral sobre a situação das contas públicas em maio.

A Câmara antecipou espertamente o calendário e considerou que o avanço das receitas no primeiro bimestre do ano preenchia as condições para o crédito suplementar, interessado na liberação de R$ 5,2 bilhões em emendas parlamentares, vetada pelo presidente Lula e objeto de negociação posterior com o Planalto.

As manobras do Planalto e do Congresso mostraram um aspecto matreiro do novo regime fiscal, que no entanto está em sua essência. Todo o esforço para aumentar a arrecadação feito por Haddad, e consumado em grande parte em ações meritórias para fechar brechas que delineavam injustiças tributárias, serviu de fato para ampliar as despesas públicas, não para trazer a zero o déficit.

Mais ainda, o aumento de R$ 15,7 bilhões deverá compor a base para se calcular em termos reais os gastos no ano que vem - pela regra, em um mínimo de 0,6% e máximo de 2,5%. A autorização para o gasto suplementar supôs muito antes do tempo que a arrecadação ultrapassará a o orçado, o que ao que tudo indica não se concretizará. A redução do objetivo fiscal a zero em 2025 sinaliza, na melhor das hipóteses, que o espaço para aumento de receitas com majoração de tributos atingiu o ponto máximo politicamente possível e não se deve esperar muito mais desse instrumento.

A própria essência do regime fiscal é de que os gastos subirão toda vez que as receitas crescerem, guardada a proporção de 70% das receitas. O desejo do Planalto é gastar mais, tanto que encaminhara ao TCU outra manobra, assinalando que se garantisse aumento de despesa mínimo de 0,6%, e que o contingenciamento deveria se subordinar a esse objetivo, deixando de lado que o dinheiro bloqueado destina-se a garantir que a meta do déficit estabelecida no orçamento seja cumprida. O TCU não proferiu sua avaliação oficial, mas a assessoria técnica do órgão, sim: o entendimento do governo é incorreto.

O governo não está fazendo economia para pagar os juros da dívida, na casa dos 11% cobrados do Tesouro para emitir seus títulos. O déficit nominal de 2023 foi de 8,9% do PIB, ou quase R$ 1 trilhão (R$ 967,4 bilhões). As incertezas fiscais tendem a restringir a queda de juros, que, mesmo um pouco menores, incidirão sobre débitos crescentes, piorando o resultado final. Juros altos inibem os investimentos, logo o crescimento do PIB - a melhor forma de estabilizar a dívida e reduzir a montanha de débitos do Estado.

Aposta em vacina própria da dengue

Correio Braziliense

A proximidade em ter um imunizante e com dose única, a Butantan-DV, surge como importante medida para evitar que esse caos sanitário se repita em um curto período

Neste ano, o Brasil bateu recorde em número de casos e de vítimas da dengue. Desde janeiro, foram registrados mais de 3,2 milhões de brasileiros infectados. O número de óbitos chegou a 1.385 e há 1.955 sob investigação — em 2023, foram 1.094 confirmados. E o mosquito Aedes aegypti não para de adoecer as pessoas — o país concentra quase 70% dos casos da doença na América Latina e Caribe, segundo a Opas. A proximidade em ter uma vacina própria e com dose única, a Butantan-DV surge como importante medida para evitar que esse caos sanitário se repita em um curto período, mas o desafio de estancar a transmissão da dengue vai além da oferta ampliada de imunização.

Em entrevista ao Correio, o presidente do Instituto Butantan, Esper Georges Kallás, adiantou que o imunizante nacional poderá chegar à população no começo do próximo ano. Ele acrescentou que a equipe do instituto está empenhada e dedicada a concluir todas as etapas do processo regulatório exigidas pela Agência Nacional Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ressaltou dificuldades enfrentadas pelo país para que, de fato, as pessoas sejam protegidas. "O processo de desmobilização dos nossos programas de imunização se dá por razões múltiplas: crises econômica, política e financeira, seguidas de políticas públicas que receberam uma interferência muito grande durante a pandemia", avalia Kallás.

Outros fatores, como climáticos, políticos e até de comportamento, também têm contribuído para que doenças transmissíveis e evitáveis ganhem escala. O aquecimento global e o El Niño influenciaram o regime de chuvas no verão. Os fortes temporais criaram um ambiente mais propício à reprodução dos mosquitos. Em inúmeros locais, o acúmulo de água permitiu o aumento de propagação desses insetos e, na sequência, das doenças por eles transmitidas — no caso do Aedes aegypti, a dengue, a chikungunya e a zika.

O negacionismo em relação à ciência e aos efeitos das vacinas contra as doenças preveníveis vem, ao longo de décadas, prejudicando a vida das pessoas. A rejeição aos imunizantes tornou-se mais aguda durante a pandemia de covid-19, o que muito colaborou para a morte de mais de 700 mil brasileiros. Os pais mudaram o comportamento e, hoje, não levam suas crianças aos postos de vacinação. O mesmo ocorre com boa parte dos idosos.

O Programa de Imunização Nacional (PIN), um exemplo brasileiro ao mundo pela sua eficácia em proteger a saúde de crianças, adolescentes e adultos, também se tornou vítima do negacionismo que deprecia os efeitos das vacinas e sugere aos cidadãos que as rejeitem. Nos últimos anos, as campanhas de vacinação não alcançaram as metas estabelecidas, frustrando as iniciativas do poder público e abrindo brechas para que mais pessoas fossem vítimas de moléstias evitáveis. Kallás se disse preocupado com a proteção contra a influenza, que já chegou a atingir quase 100% do público-alvo brasileiro. "Depois da pandemia, a gente está beirando a metade desse percentual", lamentou.

Reverter esse cenário não é algo que o poder público possa fazer da noite para o dia. Exige, entre outras medidas, ações e campanhas constantes de sensibilidade voltadas aos cidadãos, a fim de desconstruir as inverdades que os induzem a ser vítimas dos seus atos por meio de doenças para as quais a ciência já encontrou proteção. 



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