No julgamento do STF sobre doações privadas, que está em 6 a 2 pela proibição, o ministro Gilmar Mendes ironizou o fato de o PT agora ser contra: “Fico emocionado.
Gilmar critica PT por desvios em estatal
• Ao votar a favor da doação de empresas, ministro acusa partido de ser contra por já ter feito caixa
Carolina Brígido - O Globo
-BRASÍLIA- Um ano e cinco meses depois de pedir vista do processo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou ontem a favor da liberação das doações de empresas a partidos políticos e candidatos em campanha. Para Gilmar, impedir o financiamento por parte de pessoas jurídicas não acabaria com a corrupção no Brasil e levaria os candidatos a encontrar formas de burlar a regra para manter as campanhas milionárias de hoje. Com o voto dele, o placar agora está em seis votos contra a doação de empresas e dois a favor. O julgamento continua hoje, e mais três votos são aguardados.
Até agora, manifestaram-se contra as doações de empresas os ministros Luiz Fux, relator do processo, Joaquim Barbosa, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski. Já Gilmar e Teori Zavascki defenderam a norma atual. Na semana passada, a Câmara aprovou lei permitindo a doação de empresas. A presidente Dilma Rousseff ainda não anunciou se vai sancionar ou vetar a nova lei. Mesmo se a lei for sancionada, se o STF considerar a doação de empresas inconstitucional, o mais provável é que isso seja proibido já nas eleições de 2016.
“Como Madre Teresa de Calcutá”
A ação de inconstitucionalidade foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No voto, Gilmar atacou o PT, a presidente Dilma Rousseff e os desvios da Petrobras apurados na Operação Lava-Jato. Gilmar acusou o PT de apoiar o fim das doações de empresas porque já teria se locupletado suficientemente dos recursos públicos, a ponto de não precisar mais de dinheiro para fazer campanhas até 2038. Bastaria pegar o dinheiro que o partido obteve, fruto dos desvios da Lava-Jato, e distribuir por pessoas dispostas a fingir que realmente doaram.
— O partido que mais leva vantagem na captação de recursos das empresas privadas agora, como Madre Teresa de Calcutá, defende o fim do financiamento privado. O partido consegue captar recursos na faixa dos bilhões de reais por contratos com a Petrobras e passa a ser o defensor do fim do financiamento privado de campanha. Eu fico emocionado, me toca o coração — disse.
Ainda em tom irônico, o ministro disse que o PT é partido de vanguarda, pois inaugurou o financiamento público de campanha antes mesmo de haver lei permitindo o modelo. Como a Petrobras é estatal, o dinheiro desviado era público.
Gilmar afirmou que impedir os outros partidos de obter financiamento de empresas daria ao partido da situação sempre vantagem na disputa eleitoral, porque teria facilidade para desviar recursos e, depois, inserir o dinheiro na campanha de forma irregular.
A lei atual permite a doação de empresas e fixa o limite de até 2% do faturamento bruto do ano anterior ao da eleição. Gilmar lembrou que o modelo anterior, que proibia o financiamento por parte de pessoas jurídicas, foi usado nas eleições de 1989, em que Fernando Collor foi eleito presidente. Depois, verificou-se que houve doação eleitoral ilícita. Portanto, para o ministro, a mudança da regra não coibiria a corrupção.
— Certamente, o sistema vai prover meios de entregar o dinheiro a quem estiver disposto a doar. Estaremos formalizando um modelo de lavagem de dinheiro — argumentou Gilmar.
Criticado pelo tempo que demorou para devolver o processo ao plenário, o ministro disse que foi “a mão de Deus” que o fez tomar a atitude. Isso porque, em dezembro do ano passado, ele foi sorteado para relatar as contas de campanha de Dilma — que, segundo ele, são eivadas de irregularidades, apesar de terem sido aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral ( TSE). O ministro também disse que, durante o período, a Lava-Jato revelou que dinheiro desviado da Petrobras financiou campanhas.
Para Gilmar, o modelo eleitoral brasileiro permite que ocorram escândalos como o da Lava-Jato. O ministro ressaltou que 3% dos contratos da Petrobras eram repassados ao PT — que não usava o dinheiro apenas para financiar campanhas, mas também para financiar o luxo dos beneficiados com o esquema.
— A investigação revela que o patrimônio público estaria sendo saqueado pelas forças políticas. (...) Cuidava-se de um método criminoso de governança, que visava à perpetuação de um partido no poder, por meio do asfixiamento da oposição — disse o ministro.
Ao fim da sessão, o advogado Cláudio Souza, secretário-geral da OAB, rebateu acusações de Gilmar de que o PT teria interesses escusos na causa. Gilmar protestou, dizendo que o advogado não tinha o direito de falar nesta fase do julgamento. O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, deu uma bronca:
— Vamos garantir a palavra ao advogado. Vossa Excelência falou por quase cinco horas. Quem preside a sessão sou eu!
Gilmar se levantou e deixou a sessão.
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