Os EUA já queimaram os dedos diversas vezes no Oriente Médio e isso pode ocorrer de novo, com o mais despreparado de seus presidentes em décadas, Donald Trump, no comando do maior arsenal militar do mundo. Trump anunciou no início da semana que atacará com mísseis o sanguinário ditador sírio Bashar Assad, como resposta ao suposto uso de armas químicas contra bastiões rebeldes em Ghouta, nos subúrbios de Damasco. Ontem, fiel a seu estilo, avisou que os ataques americanos poderão ocorrer "bem cedo ou até mesmo tarde". França e Reino Unido deram aval a ações militares americanas retaliatórias.
Os EUA e todos os demais atores desse drama se movem em campo minado. A Rússia entrou para valer em 2015 na guerra civil síria do lado de Assad e virou o jogo. O ditador controla 85% do território depois que sua brutalidade foi somada à dos russos. Assad estava perdendo o controle da situação quando um inimigo poderoso, o Estado Islâmico, fez progressos em seu território. Russos e americanos, ao lado de curdos e do Irã, combateram os extremistas islâmicos, para depois continuarem guerreando entre si. Os EUA se comportaram quase como observadores e Trump mais de uma vez disse que era chegada a hora de trazer de volta os 2 mil soldados que mantêm no local.
Trump age por impulsos e não tem uma política para a região, fora aquela consagrada por décadas a fio: apoio incondicional a Israel. Ele se opõe ao acordo para impedir o acesso a armas atômicas do Irã feito por Barack Obama e aliados ocidentais, e em maio poderá denunciá-lo. Apoia os curdos no norte da Síria, hoje sob bombardeio de tropas turcas, mas até ontem não havia diplomacia ativa americana para demover Recip Erdogan de hostilizar seus aliados no terreno.
O capítulo russo é algo à parte. Os EUA não mostraram nenhum interesse em deter a Rússia em sua intervenção síria para escorar Assad, nem se preocupou com a selvageria com que fizeram isso. Antes de ser um inimigo externo, Trump teve de lidar com a Rússia como um problema na política doméstica, que não se encerrou. Há provas de que sua campanha eleitoral foi auxiliada por russos e de que membros de seu staff entraram em contato com emissários informais da espionagem russa com finalidades escusas. O procurador especial Robert Mueller mantém-se em linha reta nas pistas que podem levar ao comandante da campanha, o próprio Trump, e já tirou do caminho membros poderosos do staff do presidente, como o genro Jared Kushner.
Recentemente, o presidente americano teria convidado o déspota russo Vladimir Putin para uma visita à Casa Branca. Não se sabe se por força do avanço das investigações ou por súbitas mudanças de humor que Trump aplicou sanções severas a oligarcas russos e desafiou a Rússia a não impedir sua possível represália armada contra o "animal" Assad. Investidores intranquilos jogaram o preço do petróleo para cima e especularam sobre as chances de um conflito entre as duas potências da guerra fria, mas esse cenário é muito improvável. Nem Trump nem Putin arriscariam seus interesses vitais por um ditador raivoso como o da Síria.
Após meio milhão de mortos e de milhões de deslocados em sete anos de guerra civil, Assad continua no poder. Depois do aprendizado com o desastre da experiência iraquiana, os EUA não tiveram qualquer papel decisivo no conflito e só agiram com firmeza para deter um preocupante avanço do Exército Islâmico diante do vácuo de poder aberto. Agora estudam lançar um ataque dissuasivo, possivelmente mais potente do que o de um ano atrás, também sob o impacto do uso de armas químicas por Assad, quando enviou 59 mísseis Tomahawk sobre uma base aérea síria.
Há potencial para encrencas porque, com os tuítes de Trump, as forças sírias se moveram e parte delas buscou refúgio na base aérea russa de Latakia ou na base naval russa de Tartus. Ou seja, russos podem estar no caminho dos mísseis americanos.
A menos que os EUA patrocinem um ataque de grande amplitude, que desestabilize militarmente Assad, o que é bastante improvável, a chance de retirar o ditador do poder é zero e a de demover a Rússia de intervir no país, menor que zero. Sem objetivo claro, em um conflito desafiador pela complexidade, Trump pode agora dar uma resposta fraca e muito tarde - soltando fogos de artifício, algo que ele já provou que sabe fazer muito bem.
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