Valor Econômico
Geração Z chega às urnas no embalo do
TikTok
“Se
você não é de esquerda aos 20 anos, não tem coração. Mas aquele que não é de
direita aos 30, não tem nada na cabeça”. A frase provocativa é de autoria
imprecisa. Ao longo da história, foi atribuída ao parlamentar inglês Edmund
Burke (1729-1797), ao político francês François Guizot (1787-1874), ao rei
sueco Oscar II (1829-1909) e até ao primeiro-ministro inglês Winston Churchill
(1874-1965). Todos eles, claro, teriam utilizado a citação em sua fase madura e
reacionária.
Independentemente de se concordar ou não
com a afirmação (este colunista está do lado de quem diverge), ela expressa uma
hipótese político-demográfica: o percentual de conservadores cresce à medida em
que os eleitores envelhecem. E não faltam evidências anedóticas recentes para
reforçar isso.
Segundo pesquisas realizadas à época da votação, os defensores do Brexit derrotaram quem queria permanecer na União Europeia por 60% a 40% na população acima de 65 anos; mas entre os britânicos de 18 a 24 anos, o Brexit levou uma goleada: 27% a 73%.
Nos Estados Unidos, pesquisa do Pew
Research Center indicou que, nas eleições de 2020, Joe Biden teve uma vantagem
de 20 pontos percentuais entre os millenials (nascidos entre 1981 e 1996) e a
geração Z (natos depois de 1997) - um apoio muito mais amplo do que o visto na
geração X (nascidos entre 1965 e 1981), em que o democrata venceu por uma
diferença de apenas 3 pontos.
Donald Trump, porém, foi o preferido dos
baby boomers (corte de 1946 a 1964, com 3 pontos a mais) e principalmente na
chamada “geração silenciosa” (que veio ao mundo de 1926 a 1945), onde o
republicano ficou 16 pontos à frente de Biden.
Nas recentes eleições francesas, os
institutos Ipsos e Sopra Steria captaram que, às vésperas do segundo turno,
havia uma ampla preferência por Emmanuel Macron em relação a Marine Le Pen
entre os jovens de 18 a 24 anos (61% a 39%). O grande desafio, porém, era
converter simpatia em votos efetivos, uma vez que 41% dos eleitores desse grupo
não pretendiam comparecer às urnas.
A importância de se atrair a juventude para
a disputa eleitoral brasileira ficou evidente nas últimas semanas, com diversas
celebridades mobilizadas para estimular a retirada do título de eleitor
daqueles entre 16 e 18 anos. A estratégia deu certo e 2.042.817 estão
habilitados a votar.
Na falta de um censo demográfico desde
2010, conhecemos muito pouco as características e anseios desta geração Z que
vai debutar nas urnas em outubro. Para lançar luz sobre um possível pendor dos
jovens brasileiros pela esquerda, fiz um exercício com base nos dados da última
eleição presidencial.
Associar características demográficas ao
voto no Brasil sempre foi complicado porque a base de registros eleitorais fica
defasada rapidamente, pois as pessoas envelhecem (e muitas morrem) depois que
se tira o título de eleitor. Mas com a adoção da biometria, tivemos uma rara
oportunidade de estudar essa relação, pois milhões de eleitores tiveram que
comparecer aos tribunais eleitorais para cadastrar suas digitais e atualizar
seus dados.
Assim, tomando o perfil das pessoas aptas a
votar em 1.256 municípios, de 23 Estados, que utilizaram a biometria pela
primeira vez nas eleições de 2018 (ou seja, cidades onde os cadastros
eleitorais estavam “fresquinhos”) e cruzando esses dados com a votação no
segundo turno, podemos constatar que, na média, zonas eleitorais em que o
percentual de jovens de 16 a 20 anos era maior tenderam a votar mais em
Fernando Haddad (PT) do que em Jair Bolsonaro.
Essa evidência explica a ênfase dada aos
memes, aos vídeos curtos e ao exército de robôs utilizados por Bolsonaro nas
redes sociais. Conquistar corações e mentes dos eleitores mais novos é
fundamental para encostar em Lula nas pesquisas. E é aqui que entra o TikTok.
Segundo o último relatório de Simon Kemp,
da consultoria Kepios, o grupo de 18 a 24 anos representa 11% da audiência
publicitária de Facebook, Instagram e Messenger no Brasil. Não temos dados
sobre o perfil demográfico de utilização do TikTok, mas é razoável supor que
ele seja bem mais jovem. E mais conectado: em fevereiro, o brasileiro passou
uma média de 20,2 horas na rede chinesa, contra 13,5 horas no Facebook e 15,6
horas no Instagram.
Bolsonaro já percebeu a importância do
TikTok. Para reverter a vantagem de Lula entre os mais jovens (o último
Datafolha indica uma diferença de 51% a 22% para o petista na faixa de 16 a 24
anos), seu perfil, criado em outubro de 2021, já possui 1,5 milhão de
seguidores. A recém-criada conta de Lula, por sua vez, tem apenas 142 mil.
Lula deixou o poder em 2010, quando o jovem
eleitor de hoje ainda acreditava em Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. Num
cenário de polarização crescente, desemprego elevado e muitos problemas na
educação neste pós-pandemia, o voto dos jovens pode consolidar a sua vitória.
Para isso, contudo, ele vai precisar se apresentar a esses novos eleitores.
Será que Lula, aos 76 anos, estará disposto
a fazer dancinhas no TikTok?
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras).
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