terça-feira, 26 de julho de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

As ameaças de Bolsonaro à democracia

O Globo

Além do golpismo explícito, presidente incentiva patrimonialismo inédito no próprio partido e entre seus aliados

O lançamento da candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição, na convenção nacional do PL, foi marcado por vitupérios contra o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral, contra o PT e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por uma conclamação a manifestações no dia 7 de setembro — reprise provável dos atos golpistas do ano passado.

A agenda de Bolsonaro está ainda mais clara que depois das mentiras sobre as urnas eletrônicas proferidas a embaixadores. Ele não aceitará o resultado da eleição se derrotado e procura mobilizar seus partidários para tentar repetir no Brasil um movimento violento de contestação, inspirado na invasão do Capitólio por trumpistas em 6 de janeiro do ano passado. Enquanto semeia a confusão, seus aliados em Brasília e em todo o país se aproveitam quanto podem dos recursos públicos que o atual governo lhes garantiu.

Não há paralelo no apetite com que os congressistas se lançaram sobre o Orçamento da União na gestão Bolsonaro, como revelou levantamento publicado no GLOBO. As emendas parlamentares — incluindo aí as individuais, as de bancada e as famigeradas emendas do relator, que irrigam o orçamento secreto — correspondem a um quarto dos gastos que não estão carimbados no Orçamento (24,6%). Em 2014, eram 4,7%. Antes de Bolsonaro, não chegavam a 10%. Num levantamento de 29 países feito pelo economista Marcos Mendes, apenas em três esse percentual ultrapassa os 2%.

Dos R$ 145 bilhões livres no Orçamento deste ano (menos de 5% do total), o Parlamento pode alocar R$ 35,6 bilhões por critérios exclusivamente políticos. É dinheiro que tem pouco ou nada a ver com políticas públicas consistentes — e muito com interesses paroquiais. Em princípio, nada haveria de errado em parlamentares levarem recursos a suas bases, desde que respeitando regras de transparência e controle que inexistem por aqui, sobretudo no caso das emendas do relator. Trata-se de um incentivo à corrupção, ao clientelismo e ao fisiologismo que mancham a política brasileira há séculos.

Outra fonte de recursos usada pelos partidos do governo em benefício próprio são os R$ 5 bilhões do fundo eleitoral e o R$ 1 bilhão do fundo partidário, distribuídos de acordo com as bancadas das legendas. O PL de Bolsonaro — presidido por Valdemar Costa Neto, preso no mensalão petista — usou parte dos R$ 53 milhões a que teve direito em 2021 com empresas de dirigentes da legenda e familiares, como revelou reportagem do GLOBO.

O dinheiro serviu para pagar aluguel do imóvel da cunhada de um deputado, comprar um carro que ninguém sabe onde está, contratar o serviço de frete da sogra do líder de um diretório e um curso de ensino à distância que não funciona. Os indícios de desvio são eloquentes. Um dos principais beneficiários foi o PL do Piauí, cujo presidente por ironia deixou o partido e se filiou ao PT, de olho no favoritismo de Lula na corrida à Presidência.

O golpismo de Bolsonaro é uma ameaça aguda à democracia, que precisa ser enfrentada com energia e determinação. As instituições serão sem dúvida testadas, mas não há motivo para duvidar de seu vigor. O patrimonialismo dos partidos a que ele se aliou, em contrapartida, é uma ameaça crônica, sub-reptícia, anterior a Bolsonaro — e que promete persistir. Para nossa democracia, enfrentá-la é no mínimo tão desafiador quanto derrotar o golpismo.

É preciso conter letalidade das ações da Polícia Rodoviária Federal em favelas

O Globo

Somente no Rio, operações fora das estradas deixaram quase 40 mortos nos seis primeiros meses do ano

Em janeiro do ano passado, uma portaria assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça, autorizou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) a participar de operações conjuntas, fora das estradas, com outras forças de segurança, além de fazer incursões em locais alvos de mandados de busca e apreensão. Os resultados dessa mudança de rota têm se revelado desastrosos.

Em 24 de maio deste ano, a PRF participou de uma ação na comunidade de Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, ao lado do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da Polícia Militar. Ao fim da incursão, havia 23 mortos, entre eles uma moradora, atingida por bala perdida durante o confronto entre policiais e traficantes. Não foi caso isolado. Um levantamento feito pelo GLOBO, com base em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, mostra que só nos primeiros seis meses deste ano 40 pessoas foram mortas em ações da PRF no Rio, quase todas em favelas.

O número supera a soma dos últimos três anos. Na última quinta-feira, a PRF deu apoio a mais uma incursão letal, no Complexo do Alemão, que deixou 18 mortos, entre os quais duas moradoras e um policial. Embora não tenha atuado diretamente nos confrontos, por falta de armamento (82 fuzis foram apreendidos para perícia após o episódio da Vila Cruzeiro), a PRF ajudou no resgate de equipes encurraladas na comunidade, em mais uma operação trágica de resultados duvidosos.

Essa realidade se repete em outros estados. Em outubro do ano passado, uma operação conjunta da PRF com a Polícia Militar e o Bope de Minas Gerais, em Varginha, resultou na morte de 25 acusados de pertencer a uma quadrilha de assaltos a bancos. Os suspeitos estavam escondidos em chácaras nas imediações de um quartel da PM.

Após questionamentos do Ministério Público Federal, em 7 de junho uma liminar da Justiça Federal suspendeu os efeitos da portaria do Ministério da Justiça em todo o território nacional, por estar em desacordo com a Constituição, que limita a atuação da PRF “ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais”. Dois dias depois, a liminar foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2) sob o argumento de “acarretar grave lesão à ordem e segurança públicas”.

A PRF tem papel importante na fiscalização das normas do Código de Trânsito Brasileiro, na redução dos acidentes nas estradas e no patrulhamento das rodovias federais, conhecidas rotas do tráfico. Não é pouco. Por isso deveria se concentrar na missão para a qual foi criada. Juntar-se às polícias estaduais e demais forças de segurança em operações desastradas e letais nas favelas pouco ou nada acrescenta no combate às organizações criminosas. Interceptar carregamentos de drogas, armas e munição antes que cheguem às quadrilhas de todo o país é uma contribuição mais eficaz à luta contra o crime organizado.

Modo desespero

Folha de S. Paulo

Bolsonaro retoma investida golpista, no que parece mais um esforço para fugir de inquéritos na Justiça

Menos de uma semana depois de ter conspurcado a imagem do país diante de embaixadores estrangeiros, Jair Bolsonaro retomou o figurino golpista neste domingo (24), durante a convenção do PL que oficializou o presidente como candidato à reeleição.

Seu alvo, desta feita, não foram as urnas eletrônicas; em vez de investir contra o equipamento que tem facilitado a lisura das eleições nas últimas décadas, o presidente mirou o STF (Supremo Tribunal Federal), órgão encarregado de salvaguardar a Constituição.

"Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo", afirmou Bolsonaro, como se ignorasse a função do STF no arranjo institucional brasileiro.

A exemplo do que se deu em anos anteriores, o presidente não procurava apenas escarnecer da mais alta corte do país. Também convocava seus fanáticos seguidores para atos no dia 7 de setembro, com os quais espera intimidar quem lhe faz oposição.

O chamado, ao qual não faltaram metáforas marciais, tem o condão de demonstrar força —e é possível que lunáticos e ingênuos o tomem pelo valor de face. Quem observar pouco além da superfície, contudo, já perceberá o quanto há de desespero nessa manobra.

Reiteradas pesquisas de opinião têm colocado Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como o preferido dos eleitores, e o calendário de Bolsonaro para reverter essa vantagem torna-se menor a cada dia.
Para o presidente, não é somente a perspectiva de perder o poder que assoma no horizonte; ao lado dela crescem também os tentáculos da Justiça, de cujo alcance os Bolsonaros se habituaram a rir nos últimos anos.

Deve-se a cortesia ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e ao procurador-geral da República, Augusto Aras. Irmanando-se na omissão e na pusilanimidade, o primeiro barra os mais de 140 pedidos de impeachment, enquanto o segundo age antes como advogado do governo.

Fruto da conjuntura política e do desarranjo republicano provocado por Bolsonaro, a comodidade de não se ver devidamente investigado deve mudar em eventual derrota eleitoral. O presidente sabe que, sem o aparato de blindagem de que hoje dispõe, suas chances de prosperar na Justiça comum tendem a zero.

Felizmente, como parece demonstrar o exemplo dos EUA na investigação acerca da invasão do Capitólio, há como conter a semente da destruição plantada por populistas e devolver às instituições o vigor necessário para punir aqueles que se voltaram contra elas.

Mais mulheres

Folha de S. Paulo

Representando 46% das filiações partidárias, participação feminina não se reflete em cargos

É ilustrativo das dificuldades que cercam a participação das mulheres na política nacional o fato de que o Brasil, no ranking da União Interparlamentar, que mede a presença feminina em cargos legislativos de 192 nações, ocupe uma pouco honrosa 142ª posição.

O país vai mal até na comparação com seus vizinhos. Na América Latina, fica à frente só do Haiti, enquanto a Argentina figura no 20º lugar da lista. Não se pode atribuir o resultado à falta de interesse das mulheres pela política institucional. Pelo contrário. Constituindo 52% da população, elas representam 46% dos filiados em partidos no país —crescimento de dois pontos percentuais em relação a 2018.

Esse aumento, de acordo com levantamento desta Folha, se distribuiu entre as legendas. Nos últimos quatro anos, a quantidade de mulheres aumentou em 28 das 32 agremiações nacionais.

A ampla participação feminina nas bases da política, entretanto, está longe de refletir-se nos níveis acima, isto é, na proporção de candidaturas e, sobretudo, na de eleitas. Em 2018, dos 1.790 cargos em disputa no Congresso Nacional, assembleias e governos estaduais e federal, meros 16% foram vencidos por elas.

Embora ainda muito acanhado, este número exprime um aumento de 52% na comparação com o pleito de 2014.

Instrumentos criados para aumentar a presença feminina na política, como as cotas, têm-se mostrado insuficientes para produzir um equilíbrio de gênero maior —isso quando não terminam desvirtuados, como no último pleito, por meio da inclusão de laranjas.

Tal realidade, infelizmente, não chega a surpreender num país sabidamente assentado sobre uma estrutura política machista e governado por um presidente notório por suas declarações misóginas.

Se aumentar a presença das mulheres na política constitui um imperativo, parece claro que as proporções não precisam necessariamente refletir a divisão demográfica do país. Trata-se, antes, de assegurar que ninguém deixe de perseguir seus anseios e objetivos em razão de discriminação, preconceito ou ameaças.

Tal desígnio, demonstram sobejamente os dados, ainda está longe de cumprir-se.

É preciso um esforço coletivo para que o Brasil comece a atender melhor à demanda por equidade, não apenas de gênero. Ampliar a diversidade na política deve ser um objetivo de qualquer nação que se pretenda democrática.

Bolsonaro a serviço do Centrão

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro é o candidato do Centrão. Lira e sua turma são os grandes beneficiários do bolsonarismo que, sem realizações e sem propostas, usa a agressividade para distrair o eleitor

A convenção do PL que oficializou a candidatura à reeleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República escancarou a grande farsa da proposta política do bolsonarismo. Aquele que se apresentou em 2018 – e continua a se apresentar – como o candidato antissistema é, por excelência, o representante do Centrão nas eleições de 2022.

Apesar do discurso de que seu partido “é o Brasil” e que seu propósito no Palácio do Planalto é enfrentar e renovar o sistema político, a legenda de Jair Bolsonaro é o PL. O fiador de sua candidatura é o deputado Arthur Lira (PP-AL). A realidade está à vista de todos. Jair Bolsonaro é comparsa da mesma turma que, com o PT, assaltou o País com o mensalão e o petrolão – e que agora usufrui do dinheiro do contribuinte por meio do orçamento secreto e de amplo controle da máquina do Estado.

Na convenção, o enésimo ataque golpista de Bolsonaro ao Judiciário prestou-se a desviar a atenção do fato, incontornável, de que o político “outsider” que prometera acabar com a corrupção abraçou com gosto a turma fisiológica e, pior, permitiu a institucionalização de suas práticas nefastas. Os ataques contra o Supremo Tribunal Federal, as insinuações contra as urnas eletrônicas, o uso político das Forças Armadas – Jair Bolsonaro fala em “Exército que está do nosso lado” – e a convocação para o enfrentamento às instituições no 7 de Setembro são a tentativa de obnubilar o que realmente importa ao eleitor: o presidente não apenas entregará um País muito pior do que recebeu, como não tem nenhuma proposta de governo para os próximos quatro anos.

A convenção do PL foi a oficialização de uma candidatura absolutamente desprovida de conteúdo. Com pouco a apresentar sobre seu desastroso governo, o presidente da República convocou sua mulher, Michelle, para que atestasse sua qualidade de “escolhido de Deus”. Nessa condição mística, como se sabe, Bolsonaro se desobriga de governar e de se responsabilizar por seus atos. Faz o que lhe dá na veneta porque, afinal, é guiado por inspiração divina, razão pela qual seus atos e palavras prescindem de respeito às obrigações mundanas do exercício da Presidência – transparência, cuidado com a imagem do Brasil, defesa dos interesses da população e obediência à Constituição e às regras do jogo democrático. Não há governo nem proposta de governo. Mas ele “tem um coração puro, limpo, além de ser lindo”, assegurou Michelle Bolsonaro.

Aquele que almeja um segundo mandato não se deu ao trabalho de anunciar o que pretende fazer se for reeleito. Em mais de uma hora de discurso, além de garantir luta sem quartel contra o “comunismo”, limitou-se a prometer a extensão do Auxílio Emergencial de R$ 600, cuja aprovação requereu atropelar leis fiscais e regras constitucionais na desesperada tentativa de lhe trazer alguns votos entre os eleitores mais pobres.

Com razão, pode-se pensar: o discurso de Jair Bolsonaro é frágil e vazio, só engana quem quiser ser enganado. No entanto, não é um problema de mero convencimento. Há um explícito descumprimento da lei. Por exemplo, é crime de responsabilidade, previsto na Lei 1.079/1950 (Lei do Impeachment), “provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis”. A convocação de Jair Bolsonaro para o 7 de Setembro não é simples ato de uma campanha política capenga. É o presidente da República instigando a animosidade da população – e, de forma muito especial, de policiais e militares – contra as instituições civis.

O desespero de Jair Bolsonaro é grande. O presidente escala sua campanha de agressividade contra o Judiciário e o sistema eleitoral, correndo até mesmo o risco de ter sua candidatura barrada, porque precisa esconder a real situação do País depois de sua gestão, a ausência de propostas para os próximos quatro anos e os verdadeiros interessados em sua reeleição – aqueles que de fato se beneficiaram com Bolsonaro no Palácio do Planalto e querem continuar se beneficiando. Não é por outro motivo que Arthur Lira, o dedicado bolsonarista que preside a Câmara, literalmente vestiu a camisa.

Risco jurídico trava PPPs e crescimento

O Estado de S. Paulo

Só neste ano, 266 projetos foram paralisados, em geral por insegurança dos investidores. Isso atrasa a infraestrutura e impede o crescimento econômico e o bem-estar dos brasileiros

Para crescer como um verdadeiro emergente, o Brasil precisará aumentar muito os investimentos em infraestrutura, isto é, em vias de transporte, sistemas de energia e de iluminação, abastecimento de água e saneamento básico. Mas isso dependerá de maior segurança para o setor privado nas parcerias com o governo. Só neste ano – em menos de sete meses, portanto – já foram paralisados 266 projetos de Parcerias Público-Privadas (PPPs), segundo levantamento da consultoria Radar PPP, realizado a pedido do Estadão. Em 2021 foram 132. As causas das paralisações são variadas, mas grande parte dos problemas pode ser resumida com a noção de insegurança, principalmente no sentido jurídico.

A insegurança jurídica é apontada com frequência nos estudos sobre a competitividade brasileira. O tema aparece com destaque em avaliações de poder de competição realizadas por entidades internacionais, como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial, e também por organizações privadas. No Relatório de Competitividade Brasil: 2019-2020, produzido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o País ficou em 15.º lugar, numa lista de 18 nações, no quesito segurança jurídica. As últimas posições foram ocupadas por Argentina, Peru e Colômbia. Os quatro primeiros lugares foram atribuídos à Austrália, Coreia do Sul, Canadá e Chile.

Falhas de planejamento, intervenções de órgãos como o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União, manobras políticas no Congresso e lances eleitorais são fatores importantes de imprevisibilidade. Decisões de improviso podem surgir tanto no Executivo quanto no Legislativo. Em todos os casos, é evidente a insegurança de quem aplica recursos privados e de quem conduz a realização de projetos combinados com o poder público. Quando esses problemas se tornam rotineiros, sobrepreços nos contratos passam a ser uma consequência nada surpreendente.

Autoridades brasileiras deveriam dar muita atenção, no entanto, às condições de negociação e de realização dos contratos de colaboração com o setor privado. Incapaz de poupar e de investir as quantias necessárias a um país nas condições do Brasil, o setor público é forçado a recorrer a políticas do tipo PPP. Não há outra forma de realizar os investimentos em capital fixo necessários à expansão e ao funcionamento da economia brasileira. Esse fato foi bem estabelecido há muitos anos, mas os contratos nem sempre foram negociados e executados com os cuidados necessários. Faltou controle, em várias ocasiões, e isso favoreceu o mau uso de recursos públicos. Em outros momentos, as perdas foram para os investidores privados, por falhas na legislação, na elaboração dos contratos e na atuação de órgãos encarregados de garantir a correta observação das condições contratadas.

Ao longo de 20 anos o Brasil precisará investir 4% do Produto Interno Bruto (PIB) para ter um ganho significativo de eficiência econômica e de competitividade, segundo estimativa do economista Claudio Frischtak, fundador da Consultoria Inter.B e ex-colaborador do Banco Mundial. A proporção tem ficado mais próxima de 1,5% do PIB. Mas para buscar esse objetivo o setor público deve ser confiável para o investidor privado. A imprevisibilidade, no entanto, tem crescido. “Existe hoje pressão muito grande sobre as agências para adiarem aumentos”, disse o economista, citado pelo Estadão.

A insegurança reflete-se nos preços, observou Rafael Wallbach Schwind, sócio do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini Advogados. Se os investidores tivessem maior segurança ao entrar numa licitação, “provavelmente as tarifas seriam mais baixas e as concessionárias não teriam de fazer uma espécie de seguro informal”, explicou.

Os brasileiros são onerados de múltiplas formas, portanto, pela insegurança jurídica: pelo custo das obras e dos serviços, pela interrupção dos projetos, pelas deficiências da infraestrutura e pelo desperdício de oportunidades de crescimento econômico e de geração de bem-estar para dezenas de milhões de famílias.

Façanha brasileira na matemática

O Estado de S. Paulo

Conquista inédita de alunos brasileiros em Olimpíada Internacional de Matemática é motivo de comemoração

Estudantes brasileiros voltaram da Noruega, neste mês de julho, com uma boa notícia: pela primeira vez, a equipe do Brasil conquistou duas medalhas de ouro em uma mesma edição da Olimpíada Internacional de Matemática (IMO, na sigla em inglês), maior competição do gênero para alunos de ensino médio no planeta. O grupo trouxe também uma medalha de prata, duas de bronze e uma menção honrosa, resultado suficiente para deixar o País na 19.ª posição entre 104 nações. Sem dúvida, um desempenho digno de reconhecimento, ainda mais em uma área na qual a maioria dos jovens brasileiros pouco aprende na escola.

De fato, o ensino de matemática no Brasil padece de falhas estruturais. O indicador nacional mais recente, relativo a 2019, revela uma situação para lá de preocupante: apenas 10,3% dos alunos tinham nível adequado de aprendizagem ao final do 3.º ano do ensino médio. É praticamente como se 9 em cada 10 estudantes em vias de concluir o ensino médio não soubessem o que deveriam. A título de comparação, vale dizer que a realidade tampouco é boa em língua portuguesa, mas nada que se compare ao desastre da matemática − em 2019, pouco mais de um terço (37,1%) dos concluintes do ensino médio atingiu o nível adequado.

O retrato da aprendizagem é feito pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), cujas provas são aplicadas a cada dois anos pelo governo federal. A partir do Saeb, o movimento Todos pela Educação definiu o que vem a ser o nível adequado de aprendizagem. A análise dos dados mostra um quadro mais assustador ainda: na rede pública, majoritariamente sob responsabilidade dos governos estaduais, somente 5,2% dos alunos atingiram os níveis preconizados pelo Todos; na rede particular, 41,3%. Atenção: embora as escolas privadas tenham superado, e muito, a rede pública, a maioria dos concluintes em colégios particulares não atingiu o nível adequado.

Os baixos índices de aprendizagem de matemática indicam um enorme desafio para a formação de professores no País. Há indícios de sobra de que algo não vem dando certo. A matemática, como se sabe, envolve raciocínio lógico e pensamento abstrato. Ou seja, serve de base para o desenvolvimento intelectual das crianças, além de estar na raiz das ciências da natureza e da corrida tecnológica em áreas como engenharia e tecnologia da informação. Portanto, motivos não faltam para o Brasil acelerar o passo.

É nesse contexto que as medalhas brasileiras na 63.ª edição da Olimpíada Internacional têm sabor especial. Sim, uma ínfima parcela de concluintes do ensino médio aprende matemática e consegue desempenho bem acima do “nível adequado”. Então, que esses jovens sirvam de exemplo e de inspiração. Alguns passos na direção certa já foram dados, e vale citar a Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) e a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep). Na educação em geral, e no ensino da matemática em particular, o desafio do século para o Brasil é ampliar a escala de iniciativas bem-sucedidas, universalizando direitos e garantindo igualdade de oportunidades à população. Em síntese, educação de qualidade para todos.

Cúpula do Mercosul expõe de novo desavenças no bloco

Valor Econômico

Bloco segue afetado pelas fraquezas individuais de seus membros, que o impedem de tirar proveito da soma de forças

Marcada para selar a conclusão do acordo de livre comércio com Cingapura, a 60ª Cúpula dos Chefes de Estado do Mercosul, realizada na semana passada na capital do Paraguai, acabou terminando em anticlímax. Ao final do evento, o Uruguai anunciou a intenção de negociar um acordo bilateral com a China, mesmo que os demais membros fiquem de fora. Esse é um plano de quase 20 anos do governo uruguaio e sua implementação é mais um dos sinais de enfraquecimento do bloco.

A ausência do presidente Jair Bolsonaro no encontro, embora o anfitrião, o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, tenha insistido para que fosse, foi outro sinal de fragilidade do Mercosul. Pela primeira vez um presidente do Brasil não participou de uma reunião de cúpula. Dois presidentes do bloco faltaram em outras ocasiões, ambos argentinos. Um deles, Fernando de la Rúa, tinha bons motivos: renunciou no mesmo dia em que deveria chegar na cúpula, em Montevidéu, em 2001. O outro foi Cristina Kirchner, que evitou ir à reunião de 2011 em Assunção para evitar uma cobrança do paraguaio Fernando Lugo.

Sem motivo evidente, a não participação de Bolsonaro foi associada ao desinteresse que ele e o ministro da Economia, Paulo Guedes, já manifestaram pelo bloco algumas vezes. Por isso, pareceu sem convicção sua afirmação em vídeo enviado ao evento de que o Brasil havia participado ativamente da confecção do acordo com Cingapura, cuja negociação começou em 2018 e emperrou por conta da pandemia. O acordo elimina as tarifas de importação de cerca de 90% do intercâmbio bilateral. Além disso, inclui facilitação de investimentos, abertura de serviços e regras para comércio eletrônico nos termos mais amplos já assumidos pelo Mercosul.

Apesar de Cingapura ser um mercado relativamente pequeno, com quase 6 milhões de habitantes e uma das rendas per capita mais elevadas do mundo, é importante entreposto comercial na Ásia. Faz parte de 27 tratados de livre comércio, que englobam Estados Unidos e União Europeia, além dos mega-acordos CPTPP, que inclui parceiros do Pacífico, e o RCEP, que abrange China, Coreia e a série de dinâmicas economias da Asean. Importou US$ 6 bilhões do Brasil no ano passado. O estoque de investimentos diretos de Cingapura no Brasil alcança quase US$ 10 bilhões, com participações importantes em infraestrutura e indústrias de base.

Outro ponto importante da 60ª Cúpula do Mercosul foi a formalização do corte de 10% na Tarifa Externa Comum (TEC) por todos os países-membros. Brasil e Argentina já haviam concordado, no ano passado, em diminuir em 10% as tarifas de cerca de 9 mil produtos, que cobrem 87% das nomenclaturas do Mercosul. Ficaram de fora autopeças, têxteis, laticínios e pêssegos. Com a adesão do Paraguai e Uruguai fica mais difícil uma eventual alta da TEC no futuro. Esse era o objetivo do governo brasileiro que, na verdade, já fez nova rodada de redução de 10% em suas tarifas em maio com o objetivo de reduzir a inflação.

A surpresa foi o anúncio do presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, de que vai negociar acordo bilateral com a China ainda neste ano. A intenção já havia sido manifestada no governo de Tabaré Vázquez, em 2005.

Anteriormente, os outros membros conseguiram conter o Uruguai. Agora, o próprio governo de Bolsonaro teria planos semelhantes e mais de uma vez indicou que o Mercosul seria uma camisa de força a seus projetos de comércio exterior. Outro entrave mais complicado é que o Paraguai tem relações com Taiwan e não com a China.

O bloco parece mais fragmentado do que nunca e afetado pelas fraquezas individuais de seus membros, que o impedem de tirar proveito da soma de forças. A Argentina enfrenta sérios desafios econômicos. O Brasil também tem seus problemas e parece ser o principal empecilho ao avanço de acordos do Mercosul com outros mercados importantes.

Os acordos do bloco com a União Europeia e com o EFTA (Suíça, Noruega, Islândia, Liechtenstein), concluídos em 2019, não avançam porque os europeus demandam a redução do desmatamento e questionam a política ambiental do governo de Bolsonaro que, do seu lado, reclama de manobras protecionistas dos europeus. Os recentes assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips engrossaram os argumentos dos europeus. A sinalização mais recente é que a União Europeia vai esperar o resultado da eleição presidencial de outubro para apresentar ao Mercosul a demanda de compromissos adicionais na área ambiental.

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