O Globo
Às vezes vemos o futuro dos ‘hermanos’
repetir nosso passado, e nada garante que não sejamos nós a recair, mais
adiante
Se uma árvore fosse plantada cada vez que
alguém citasse o “efeito Orloff” para falar dos paralelos entre Brasil e
Argentina, teríamos hoje uma cobertura vegetal maior que a de quando os tupis e
guaranis daqui ainda não se preocupavam com as decisões dos guaranis e
tehuelches de lá.
Mas a terra de Babenco, Carybé e Isabelita
dos Patins acabou por se transformar na nossa máquina do tempo. Às vezes vemos
o futuro dos hermanos repetir nosso passado — e nada garante que não sejamos
nós a recair, mais adiante, nos erros que eles estão prestes a cometer.
Em 2018 elegemos um suposto outsider, sem qualquer experiência administrativa, com supostas ideias liberais, supostamente empenhado em combater a corrupção e em renovar as práticas da carcomida política nacional. Qualquer coisa era melhor que os governos que vínhamos tendo. Qualquer coisa mesmo. Pior que estava não podia ficar.
Pois ficou. Tanto que, em 2022, não nos
restou senão trazer de volta um suposto macaco velho (experiente, sábio,
calejado, que já conhece as manhas), supostamente escaldado para não meter (de
novo) a mão em cumbuca.
Comenta-se que o fracasso de público e de
crítica que saiu de cartaz do Cine Planalto em janeiro está para estrear, com
novo elenco, no Teatro Casa Rosada em dezembro. Só se for como farsa.
Será difícil que o descabelado protagonista
da nova versão consiga repetir a performance do figurante (de cabelo sempre mal
cortado) que roubou a cena (e algumas joias e relógios) na montagem original.
Para tanto, teria de, em vez de cumprir a
promessa de privatizar a petroleira YPF, usá-la para manipular os preços dos
combustíveis — deixando-a prontinha para ser reaparelhada pelos adversários no
governo seguinte. Em vez de fechar a Televisión Pública (TVP), valer-se dela
para uma infinidade de lives, eventos religiosos ou militares e ataques ao
sistema eleitoral. E entregá-la, de bandeja, ao sucessor, como órgão de
propaganda.
Havendo uma epidemia (uma doença sexualmente
transmissível, por exemplo), teria de ser contra o uso de preservativos (e
alardear as vigílias de luxúria, sem capa, com a patroa). Enquanto os portenhos
estivessem morrendo, aos milhares, praticaria wakesurf em Pinamar.
Tentaria indicar um dos seus mastins para a
embaixada em Washington — com o argumento de que é um bom cão de guarda. Seu
ministro do Meio Ambiente trabalharia com afinco para acelerar o derretimento
dos glaciares — e sua ministra dos Direitos Humanos, além de ver Jesus numa
parreira de malbec, sugeriria que os pibes usassem azul-marinho e as chicas
azul-celeste. Colocaria na Suprema Corte de Justicia dois juízes terrivelmente
judaicos.
Quatro anos e diversas tentações de golpe
depois, fugiria, derrotado, para Balneário Camboriú, a fim de não dar posse ao
sucessor — digamos, uma ex-presidenta que todos imaginavam ser carta fora do
baralho.
Ela retornaria de marido novo (disposto a dar
pitaco em tudo) e ignoraria todas as recomendações do Departamento de
Compliance (já devidamente desmontado). Sonharia com o Nobel da Paz — sem
esconder a simpatia por quem quer que começasse uma guerra. E manteria apenas
no discurso os propósitos de representatividade, sustentabilidade etc.
Não, o “eu sou você amanhã” não se aplica. Não assim, tão ao pé da letra. Os argentinos não merecem.
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