sábado, 2 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasil é crucial para conter crise entre Venezuela e Guiana

O Globo

Em arroubo nacionalista, Maduro convocou plebiscito para reivindicar área petrolífera do país vizinho

Os venezuelanos deverão responder amanhã em plebiscito se a região conhecida como Guiana Essequibo, território da Guiana, deve ser parte da Venezuela. A votação foi convocada pelo ditador Nicolás Maduro na tentativa de legitimar a reivindicação dessa área rica em recursos naturais, sobretudo petróleo. Correspondente a dois terços do país vizinho, ela também faz fronteira com os estados brasileiros de Pará e Roraima. Pela proximidade geográfica e pela posição de liderança regional, o Brasil tem papel crucial a desempenhar, com apoio dos organismos internacionais, para evitar um conflito armado desnecessário na América Latina.

Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva despachou para Caracas seu assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, com a missão de manifestar a preocupação do governo brasileiro com a escalada da tensão. Também na semana passada, o chanceler Mauro Vieira reforçou em reunião de países sul-americanos a posição brasileira em favor de solução negociada. Um reforço de 70 homens foi enviado à região fronteiriça numa medida preventiva. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, marcou reunião com Lula hoje em Dubai, em que deverá reiterar seu pedido de ajuda para evitar uma agressão venezuelana. É uma boa oportunidade para Lula exercitar a liderança brasileira no continente e aproveitar sua proximidade com Maduro para convencê-lo a recuar.

O PIB da Guiana quadruplicou nos últimos cinco anos em razão da exploração petrolífera em alto-mar. Só neste ano crescerá mais de 38%, pela estimativa do Fundo Monetário Internacional. Isso fez Maduro reavivar uma disputa de 180 anos que estava adormecida desde 1966. Ele afirma que as fronteiras então pactuadas “foram fraudadas pelo colonialismo britânico”. Tenta inflamar o nacionalismo venezuelano para aumentar seu apoio popular e compensar os efeitos políticos da crise econômica crônica. Na reivindicação por Essequibo, obteve respaldo até da líder oposicionista María Corina Machado, que ele próprio tornara inelegível. No clima político criado pelo chavismo, o plebiscito é uma forma de proclamar que tem o povo a seu lado.

É temerário que, em pleno século XXI, haja risco de conflito na América Latina em torno de uma questão que, por princípio, deve ser resolvida por conversas diplomáticas. As divergências entre Venezuela e Guiana estão na Corte Internacional de Justiça, em Haia, não reconhecida pelo regime chavista. Enquanto o caso não é arbitrado, o tribunal decidiu ontem, numa decisão de efeito mais simbólico que prático, que a Venezuela deve evitar qualquer ação que “altere a situação no território em disputa”, pela qual a Guiana “administra e exerce controle da área”, e que ambas as partes devem evitar “agravar ou estender a disputa”.

É preciso evitar conflitos num continente que precisa de paz para crescer e resgatar sua dívida social. Basta lembrar a péssima experiência da Argentina em 1982, quando a ditadura militar, enfraquecida, invadiu as Ilhas Malvinas, possessão do Reino Unido no Atlântico. Restaram 649 argentinos mortos, na maioria jovens. Em 2016, na passagem de Mauricio Macri pela Casa Rosada, os dois países concordaram em retomar os voos regulares entre a Argentina e as ilhas. As lições dadas pelo passado recente deveriam servir de alerta a Maduro sobre o risco dos arroubos nacionalistas.

Taxação de fundos offshore e exclusivos fechados cria regra mais equânime

O Globo

Congresso reduziu as distorções e aperfeiçoou projeto que governo enviou com objetivo de aumentar arrecadação

O Senado aprovou na quarta-feira o Projeto de Lei (PL) que estabelece a taxação de fundos offshore (sediados no exterior) e exclusivos fechados (destinados a poucos cotistas, em geral de alta renda ou alto patrimônio). As mudanças são positivas por tornarem a tributação mais justa. As regras nesses fundos eram distintas e mais vantajosas que nos fundos comuns. Para o governo, a aprovação também significa mais arrecadação (estimada em R$ 20 bilhões em 2024). É parte do plano para buscar cumprir as metas fiscais.

É verdade que o PL apenas tornou mais equânimes regras cujo mérito e eficácia são discutíveis. Apenas no Brasil existe a cobrança semestral de imposto sobre rendimentos em fundos conhecida como “come-cotas”. Ela cria uma distorção no mercado, porque o cotista paga o imposto antecipado (se o investimento desvaloriza no futuro, não há ressarcimento). Noutros países, o imposto é pago quando o ativo é vendido e o rendimento pode ser medido de modo preciso. Mas, já que o “come-cotas” vale para fundos abertos, é justo que vigore também para os fechados.

Aprovado no final de outubro na Câmara, o texto do PL sofreu alterações mínimas no Senado. Sob a relatoria do deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), a Câmara aparou as principais arestas da versão defendida inicialmente pelo Ministério da Fazenda. Um dos problemas era a ideia de taxar os fundos offshore em 22,5%, percentual bem acima dos 15% sugeridos para os exclusivos fechados (alíquota idêntica à cobrada nos fundos de longo prazo no Brasil). A intenção não declarada da Fazenda era promover repatriação dos investimentos. Felizmente, o ataque ao princípio de uma economia aberta foi desarmado, com a definição de 15% para ambos os tipos de fundo.

Outro ponto controverso dizia respeito às regras de transição (tributação do rendimento acumulado nos fundos fechados antes da aprovação da lei). O governo defendia uma taxa de 10%. Os deputados fixaram a alíquota em 8% para investidores dispostos a pagar o valor devido em quatro parcelas a partir de dezembro. Uma segunda opção será pagar 15% em 24 vezes mensais, começando em maio. Os cotistas de fundos offshore que optarem por atualizar o valor também pagarão 8%.

Por fim, a Câmara achou um meio-termo para fixar as normas dos fundos de investimento imobiliário e cadeias produtivas agroindustriais, ambos isentos de Imposto de Renda (IR). Na opinião do governo, a vantagem criava distorções. A sugestão da Fazenda era elevar o mínimo de cotistas de 50 para 500. Os deputados impuseram um piso de cem participantes e determinaram que uma família não poderá deter mais de 30% do patrimônio do fundo, inibindo seu uso para evitar pagar IR.

No Senado, o relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), não alterou o mérito do texto, que passou por votação simbólica (Vieira nem estava na sessão). O governo celebrou o impulso à arrecadação. Os R$ 20 bilhões sem dúvida ajudarão, mas ainda falta muito para alcançar a meta de déficit zero prevista para o ano que vem.

Petrobras em risco

Folha de S. Paulo

Mudança no estatuto que facilita indicação política não é única ameaça à estatal

Não foi surpresa, infelizmente, a aprovação com 55% dos votos de alteração no estatuto da Petrobras com objetivo de facilitar indicações políticas para cargos na companhia. Mais uma vez o PT insiste em enfraquecer as melhores práticas de governança em estatais.

Nunca foi mistério que o governo Luiz Inácio Lula da Silva e o partido tentariam reverter as limitações trazidas pela Lei das Estatais, aprovada em 2016 como resposta aos escândalos de corrupção e má gestão que marcaram as administrações petistas anteriores.

A tarefa foi facilitada pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que antes de sua aposentadoria suspendeu as restrições por liminar. A decisão monocrática até hoje não foi julgada pelo plenário da corte, mas os impactos ocorrem na Petrobras e em outras empresas nas quais a União tem participação.

Foram suprimidas do estatuto justamente as vedações previstas na Lei das Estatais e atingidas pela liminar. Sobre conflitos de interesse, foi inserida nova redação com veto apenas aos casos expressamente proibidos na legislação.

Caem, assim, as barreiras principais para a entrada de apaniguados políticos, entre elas a necessidade de quarentenas para nomeações. Ainda há impedimento do Tribunal de Contas da União (TCU), que deliberou que a estatal não poderá registrar a alteração aprovada antes do julgamento final de uma ação em tramitação no tribunal.

Mas a esta altura não deverão restar maiores obstáculos, a não ser que o plenário do Supremo derrube a liminar de Lewandowski e restaure o texto da lei. É o que deveria ser feito, mas não se veem sinais dos ministros nesse sentido.

A governança da Petrobras não deve retroceder à situação de descalabro que prevaleceu nos mandatos passados de Lula e sob Dilma Rousseff (PT), dado que o escrutínio da sociedade é maior hoje. Também houve aperfeiçoamento dos mecanismos internos de controle, que são difíceis de eliminar.

Entretanto há outras frentes em que os riscos podem se acumular, caso do plano de investimentos. Há pressão do governo para que a estatal expanda a atuação em áreas como energia renovável e fertilizantes, além de conceder estímulo à indústria naval.

O planejamento anterior previa aportes de US$ 78 bilhões em cinco anos, com foco predominante em exploração de petróleo. A versão revisada nas últimas semanas indica US$ 91 bilhões (há US$ 11 bilhões para novos projetos e aquisições). O risco é que desvio de foco e má gestão tragam novos prejuízos.

Olho atento na Petrobras é o que se espera dos órgãos de controle.

A saga dos agrotóxicos

Folha de S. Paulo

Aprovado, texto sobre pesticidas agiliza burocracia, mas há pontos problemáticos

Impulsionado por ruralistas e rechaçado por ambientalistas, o projeto de lei que facilita autorizações para o comércio de agrotóxicos foi aprovado pelo Congresso, depois de mais de duas décadas de tramitação, e vai à sanção presidencial.

O ponto mais problemático se refere ao esvaziamento das atribuições da Anvisa e do Ibama, que assumem papel de consultores, enquanto as liberações se concentram no Ministério da Agricultura.

Não há motivo evidente para eliminar o sistema tripartite ora em vigor, mesmo considerando a antiga reclamação legítima do agronegócio sobre a lentidão burocrática para a concessão de registros.

De fato, com o avanço veloz da tecnologia, a demora excessiva, com casos de até dez anos, é injustificável. Contudo o problema poderia ser sanado com incrementos nos órgãos avaliadores.

Deve-se considerar que, no primeiro semestre deste ano, foram liberados 231 produtos —ritmo similar ao do primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) e número acima da valor anual de qualquer mandato federal do PT.

De todo modo, a estipulação no projeto de um período para liberações é sensata. O prazo máximo pode variar de 30 dias (para produtos destinados apenas à pesquisa) a dois anos (produtos novos).

Os senadores demonstraram sobriedade ao aprovar o diploma com alterações e supressões sugeridas pelo parecer da Comissão de Meio Ambiente da Casa.

Eliminou-se, assim, o temerário registro temporário para pesticidas que não foram avaliados dentro do período estipulado, inclusive para produtos novos com moléculas desconhecidas.

Mas outro problema não foi resolvido. A lei atual proíbe expressamente agrotóxicos com ações teratogênica (que afetam a formação fetal), mutagênica (dano ao DNA celular) ou carcinogênica (geração de tumores) atestadas pela ciência.

No projeto, esse trecho foi substituído pela proibição de produtos que apresentam "risco inaceitável". Para o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o Ministério Público Federal, o termo vago abre uma brecha perigosa para pesticidas de efeitos hoje vedados.

É sabido que a agricultura global não pode prescindir de agrotóxicos e que o setor precisa se manter em constante atualização tecnológica, mas espera-se que o Ministério da Agricultura não alije outras visões dos processos de registro. A sociedade só tem a ganhar quando economia, saúde e meio ambiente trabalham em conjunto.

Está aberta a porteira na Petrobras

O Estado de S. Paulo

Rolo compressor do governo Lula altera estatuto da petroleira para retirar amarras que impediam loteamento de cargos e uso político da companhia; TCU e STF ainda podem impedir

O artigo 21, que a Petrobras jogou no lixo nesta semana ao invalidar sua base mais sólida, é um dos mais extensos dos 60 que compõem o estatuto da companhia e ditam as normas de seu funcionamento. Ao esmiuçar, com todos os pormenores possíveis, as exigências para validar indicados à alta administração da empresa, esse artigo buscou interromper o loteamento político dos cargos de comando, prática que atravessou governos, mas ganhou dimensão piramidal nas gestões petistas.

A trava, montada em 2016, quando a reputação da companhia havia sido puxada para o fundo do poço pelos escândalos de corrupção e manipulação política, não chegou a durar uma década. De volta ao poder, o governo petista, sem o menor pudor, desobedeceu à legislação logo na chegada, indicando um petista com mandato no Senado para presidir a Petrobras. Em seguida, instalou secretários do Ministério de Minas e Energia (MME) no Conselho de Administração. Por fim, para tornar perene a desobediência, rasga o estatuto na parte que bloqueava a interferência política.

Para o governo não foi difícil. Embora controle a petroleira com menos de 37% do capital total, a participação que a União detém nas ações com direito a voto supera os 50%. Assim, o governo Lula da Silva passou o rolo compressor na reunião de acionistas que mudou as regras estatutárias da Petrobras. Mais especificamente as que impediam que seus dirigentes e conselheiros representassem algum conflito de interesses para a companhia.

O empoderamento do Comitê de Indicação, Remuneração e Sucessão da empresa, responsável por analisar o cumprimento dos requisitos de todos os indicados aos cargos, também desceu pelo ralo. Na verdade, o órgão interno de governança já havia sido desautorizado antes, quando vetou os dois conselheiros indicados pelo MME e a decisão foi revertida por força de uma conveniente liminar do então ministro do STF Ricardo Lewandowski, que hoje, aposentado, figura na lista de cotados por Lula para substituir Flávio Dino no Ministério da Justiça.

A decisão isolada de Lewandowski, proferida em março, até hoje não foi levada ao plenário da Corte. Há expectativa de que o julgamento finalmente ocorra nos próximos dias, quase nove meses depois da decisão monocrática do ministro que suspendeu o trecho da Lei das Estatais que restringe indicações de conselheiros que sejam titulares de cargos públicos. Na época, o governo usou também essa decisão para garantir a permanência de Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Agora, com base na decisão de Lewandowski, os representantes da União no Conselho de Administração propuseram a mudança no estatuto. E assim segue a Petrobras, com um erro sustentando o outro. Na manobra articulada pelo governo Lula da Silva, o que menos importa é a integridade da empresa que – é importante frisar – é uma sociedade de capital misto, com acionistas que não estão em busca de votos, mas sim de uma gestão eficiente.

Esses investidores não são crédulos a ponto de comprar o discurso do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, que disse que “em absolutamente nenhum momento houve o desejo de contaminar a Petrobras com interesse político colocando gente lá por conta dessas mudanças”. Ao que parece, há uma presunção generalizada no governo de que qualquer meio justifica o fim que, no caso, é a perpetuação de um projeto de poder.

Está aberta a porteira da Petrobras para a entrada de integrantes do governo e seus aliados, políticos em exercício de mandato, dirigentes sindicais e partidários e colaboradores de campanhas políticas. Exatamente como ocorreu em gestões anteriores do PT, com uma ingerência política que desconhecia limites morais, éticos e até mesmo legais, que levou a companhia à beira do abismo.

Apenas o entendimento contrário dos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) poderá interromper esse movimento afrontoso. Como o TCU apura irregularidades na política de indicações para cargos na empresa, somente após o julgamento, se o resultado for favorável à União, esse desrespeito poderá ser oficializado.

Cheiro de manobra fiscal no ar

O Estado de S. Paulo

Há formas e formas de propor políticas públicas para reduzir a evasão no ensino médio. Bolsas são meritórias, mas não devem ser razão para o governo Lula reeditar a contabilidade criativa

O governo Lula da Silva editou uma medida provisória que cria um programa de bolsas para incentivar alunos de baixa renda a concluírem o ensino médio. A proposta é meritória, sem sombra de dúvidas, haja vista os elevados índices de evasão e abandono escolar registrados no ensino público, especialmente entre jovens vulneráveis.

Um estudo do Serviço Social da Indústria no Rio de Janeiro (Firjan Sesi), realizado em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), constatou que 500 mil jovens acima dos 16 anos desistem dos estudos anualmente. A probabilidade de que um jovem na faixa dos 20% mais pobres termine o ensino médio é de apenas 45%, ante 94% entre os 20% mais ricos.

A evasão tem múltiplas causas, mas aumenta muito no primeiro ano do ensino médio. Fica claro, portanto, que os jovens que chegam até essa etapa precisam de incentivo para não abandoná-la. Concluir o ensino médio não é garantia de condições de vida melhores, mas certamente torna a mobilidade social um pouco menos desafiadora.

Dito isso, há formas e formas de propor políticas públicas para solucionar um mesmo problema. E o governo não escolheu a melhor delas. Em vez de inserir o programa no Orçamento e tratá-lo com a prioridade e a transparência que ele requer, o Executivo optou por criar um fundo privado para financiar as bolsas. Administrado pela Caixa, ele receberá até R$ 20 bilhões em aportes da União, ações de estatais e recursos arrecadados em leilões de petróleo.

O governo se limitou a publicar a medida provisória que cria o programa em edição extra do Diário Oficial da União. Não detalhou como o fundo será gerido, quanto pretende aportar neste ano e se esses recursos serão contabilizados dentro ou fora do limite de despesas. Mas o Senado respondeu a todas essas questões ao aprovar um projeto de lei complementar nesta semana. Serão R$ 6 bilhões neste ano fora do limite de gastos, na primeira deturpação no arcabouço fiscal.

Supõe-se que Lula da Silva decidiu cumprir a promessa de campanha que garantiu a ele o apoio da então candidata Simone Tebet no segundo turno da eleição. Mas o programa de bolsas defendido pela atual ministra do Planejamento tinha como base o Projeto de Lei de Responsabilidade Social (PL 5343/2020), do ex-senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Parece a mesma coisa, mas não é. Em vez de um fundo privado, a proposta do ex-senador mantinha tudo dentro do Orçamento, com total observância das metas fiscais. Os benefícios teriam múltiplas fontes de financiamento, entre as quais recursos de emendas parlamentares. O projeto previa, também, o corte de subsídios para abrir espaço para o programa no Orçamento. Isso demanda tempo para debate e negociação – tudo que uma medida provisória não oferece.

O ex-senador nunca escondeu que sua fonte de inspiração era uma proposta dos economistas Fernando Veloso, Marcos Mendes e Vinícius Botelho, publicada pelo Centro de Debates de Políticas Públicas (CDPP). É justamente por essa razão que não se deve ignorar a crítica de Marcos Mendes à iniciativa do governo, uma desfiguração da ideia original das bolsas.

Em entrevista ao Estadão, Mendes questionou a sistemática do fundo e a forma como o benefício será financiado. “Isso tem nome: se chama contabilidade criativa, despesa extraorçamentária, política parafiscal. Esse filme a gente já viu”, disse.

A baixa escolaridade está na origem de muitos outros obstáculos que se interpõem na passagem da infância e adolescência para a vida adulta. Dificulta a inserção no mercado de trabalho, empurra os jovens para a informalidade, impõe rendimentos menores e não proporciona uma rede de proteção social.

Por tudo isso, enfrentar a evasão no ensino médio é urgente. É algo que beneficiará não apenas os jovens vulneráveis, mas toda a sociedade brasileira. Reconhecer um grave problema social, no entanto, requer escolhas, ou seja, criar condições para custeá-lo no Orçamento sem recorrer a manobras e atropelar as regras fiscais. Essa alternativa sinaliza a escolha de um caminho perigoso, e o País sabe onde ele termina.

Faroeste amazônico

O Estado de S. Paulo

Omissão do Estado amplia domínio e violência do crime organizado sobre a Amazônia Legal

O fato de a Amazônia Legal brasileira ter sido dominada pelo crime organizado, sob o vácuo da presença do Estado, está consumado. Se havia dúvidas sobre a dimensão das atividades criminosas de 22 facções nacionais e estrangeiras, sobretudo nas faixas de fronteira, o Fórum de Segurança Pública (FSP) as dirimiu em sua segunda edição do relatório Cartografias da Violência na Amazônia. Não há no País região mais violenta nem menos preparada para o combate aos cartéis fortemente armados. Enraizados há anos no lucrativo trânsito de drogas, seus negócios abarcam hoje toda sorte de crimes contra o meio ambiente e aterrorizam a população local.

Os estarrecedores dados do relatório pressionam as três esferas de governo a reforçar e integrar seus contingentes policiais, militares e de órgãos ambientais. Diante das discussões em curso na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de Dubai, a COP-28, o alerta do FSP de que a preservação da floresta em pé está sob a ameaça dos cartéis impõe ao poder público o dever de apresentar respostas eficazes e efetivas. “Não há como avançar na agenda ambiental se o projeto de mudança pensado para o bioma não contemplar segurança pública como uma das dimensões que precisam ser consideradas urgentes”, advertem os pesquisadores do Fórum.

Não só a dimensão ambiental se impõe em tal desafio. As populações de 178 municípios da Amazônia Legal – 23% do total – tornaram-se reféns de facções como o PCC, o Comando Vermelho, a Família do Norte e os cartéis mexicanos e colombianos. Comunidades urbanas, rurais, indígenas e quilombolas vivem cotidianamente sob a ameaça de garimpeiros, de madeireiros e de traficantes de drogas e armas – todos com poder de vida e de morte. Prova disso está no crescimento de 76,7% no índice de assassinatos no Norte de 2011 a 2022, enquanto no Brasil, como um todo, recuou 5,2%. As mortes violentas na região alcançaram 36,5 por 100 mil habitantes no ano passado, patamar muito acima da média brasileira de 23,3 por 100 mil.

A pequena Floresta do Araguaia (PA), com 18 mil habitantes, lidera o infame ranking do FSP das cidades mais violentas da região, com 128,6 assassinatos por 100 mil habitantes. Está mergulhada no terror. O quadro de barbaridades completa-se com os níveis mais elevados de estupros e feminicídios na Amazônia Legal, quando comparados aos do restante do País, e a incontornável exposição da população local aos delitos secundários das facções, que vão da lavagem de dinheiro ao tráfico humano, passando pela exploração sexual e o trabalho escravo.

A vida dos brasileiros nesse verdadeiro faroeste amazônico está sob perigo sem precedentes. Os mais de 9.000 assassinatos na região no ano passado, entre os quais os do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, atestam os riscos. A omissão dos governos federal e estaduais já constitui grave irresponsabilidade humanitária e ambiental. Se continuar, equivalerá também à entrega da soberania brasileira sobre a Amazônia Legal aos cartéis do crime organizado.

Contagem regressiva para uma tragédia ambiental

Correio Braziliense

Desde 2019, vários bairros se tornaram fantasma. Mais de 14 mil imóveis estão ameaçados e 54 mil pessoas foram afetadas. A Brasken tem 35 minas de sal-gema espalhadas em Maceió, com profunidade média de 886 metros

De acordo com a Defesa Civil de Maceió, o desmoronamento de uma das minas de sal-gema da Braskem na capital alagoana pode tragar, a qualquer momento, parte considerável do bairro de Mutange, nas proximidades da Lagoa do Mundaú. O deslocamento vertical acumulado da Mina 18 é de 1,42m e a velocidade vertical, de 2,6cm por hora. A população remanescente do bairro foi avisada na quarta-feira, por SMS, que deveria abandonar imediatamente suas casas devido ao risco de desabamento, largando tudo para trás.

Desde junho de 2019, Pinheiro, Mutange e Bebedouro se tornaram bairros fantasmas. Parte do Bom Parto e do Farol também. Mais de 14 mil imóveis estão ameaçados e 54 mil pessoas foram afetadas. A Braskem tem 35 minas de sal-gema espalhadas em Maceió, com profundidade média de 886 metros, mas algumas chegam a mais de 1,6 mil metros de profundidade.

Desde novembro, cinco tremores de terras provocaram um alerta de risco iminente de colapso da Mina 18, no Mutange; outras duas podem desmoronar. A extração de sal-gema, utilizada na fabricação de soda cáustica, plástico para embalagens e PVC, começou na década de 1970, com a Salgema Indústrias Químicas S/A, que se tornaria a Braskem. O método de extração é muito predatório: injetar água para dissolver e bombear o sal.

As rachaduras surgiram em fevereiro de 2018, uma delas com 280 metros de extensão. No mês seguinte, houve o primeiro tremor, com novas rachaduras, abertura de crateras e danos aos imóveis do bairro Pinheiro. Em 2019, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM) confirmou que a instabilidade no solo foi causada pela mineração.

Desde então, a Braskem vem tentando tamponar as minas que ameaçam desabar com areia, porque isso era feito apenas com água e deu errado. Entretanto, o fracasso dessa alternativa foi varrido para debaixo do tapete. As soluções pactuadas com a Prefeitura de Maceió e órgãos ambientais foram insatisfatórias. Não existe transparência em relação às medidas tomadas e a população é mantida à margem dessas tratativas.

Repete-se a mesma situação de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, onde as represas de resíduos de ferro da Vale se romperam, provocando destruição e morte, por irresponsabilidade da empresa e falta de fiscalização ambiental adequada. Até agora, ninguém morreu nas áreas afetadas de Maceió, mas os prejuízos econômicos são enormes. Agora, tragédia ambiental iminente pode ser de proporções inéditas no mundo: as águas da lagoa do Mundaú podem ser sugadas pelas minas.

A Braskem afirma que "a área de serviço da empresa, onde são executados os trabalhos de preenchimento dos poços, está isolada desde a tarde da terça-feira, em cumprimento às ações definidas nos protocolos de segurança". A empresa diz que 99,3% dos imóveis da área de risco foram realocados, desde novembro de 2019.

Ainda segundo a Braskem, os dados de monitoramento demonstram que a acomodação do solo segue concentrada na área desta mina, mas pode ser abrupta. Com escritórios e plantas nas Américas, na Europa e na Ásia, a Braskem atende clientes em mais de 70 países. É a maior produtora de resinas termoplásticas das Américas e líder mundial na produção de biopolímeros.

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