Correio Braziliense
‘Mandarinato vermelho’ promove capitalismo em
plena expansão, em regime de partido único. Isso fascina a esquerda e, com
sinal trocado, também seduz a extrema direita
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, liderou
uma comitiva de 28 dirigentes e deputados que estreitou as relações da legenda
com o Partido Comunista da China (PCCh), que já vem se desenvolvendo há alguns
anos. É a maior delegação de um partido brasileiro a visitar a China, maior do
que a de qualquer visita do líder comunista Luís Carlos Prestes no auge de seu
prestígio como secretário-geral do PCB.
Foi uma programação intensa, que incluiu um seminário com lideranças de Pequim, na qual Gleisi leu uma carta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva “ao camarada Xi Jinping”, e um encontro no Palácio do Povo com um dos sete membros do Comitê Permanente do Politburo, Li Xi, que integra o núcleo dirigente mais poderoso da China.
No VII Seminário Teórico entre o PT e o
Partido Comunista chinês, Gleisi afirmou que o mundo vive uma “crise
sistêmica”, cujo “epicentro” são os Estados Unidos. Seu tom contra o governo
americano foi mais forte do que o dos chineses, que evitaram menções diretas
aos EUA. Para Gleisi, a China é uma “democracia efetiva”. Essa aproximação
entre o PT e o PC chinês não teria nada demais, se não houvesse certo fascínio
de alguns dirigentes petistas pelo modelo político da China e o PT não fosse o
partido do atual presidente da República.
Isso não significa, é obvio, que o governo
Lula seguirá o modelo chinês, até por uma questão de correlação de forças no
Congresso e na sociedade. Mas não passará despercebido pelas lideranças do
Ocidente, num momento de acirramento da disputa comercial entre os Estados
Unidos e a China e de uma guerra na Ucrânia entre a Rússia e a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan). Quando a disputa econômica suplanta a
cooperação com a China, a defesa da democracia passa a ser um divisor de águas.
A China tem pressa do ponto de vista de sua
expansão comercial, mas toda a paciência do mundo para lidar com os conflitos.
O modelo de capitalismo da China é uma experiência econômica notável, que ainda
desperta grande interesse dos economistas. Nos países em desenvolvimento,
porém, o “milagre chinês” incentiva o autoritarismo de esquerda e o resgate do
capitalismo de estado como via de desenvolvimento. Entretanto, também repercute
nos países desenvolvidos do Ocidente como pretexto para uma onda “iliberal”, na
suposição de que a democracia já não responde aos desafios do mundo pós-moderno
e que a China é uma suposta ameaça global.
Terapia de choque
A economista Isabella M. Weber trocou Berlim
por Pequim para estudar o fenômeno chinês. Descobriu que a economia lá ensinada
era a mesma dos manuais de seu curso na Alemanha. Seu livro “Como a China
escapou da terapia de choque” (editora Boitempo) mostra como as forças que se
digladiam para definir os rumos da economia chinesa evitaram que o país
adotasse a “terapia de choque” do Consenso de Washington nos anos 1990.
Weber compara os resultados obtidos pela
Rússia e pela China diante das receitas tradicionais. A produção nacional
russa, em 1990, representava perto de 4% do produto mundial e caiu para 2% em
2017. A China recusou-se a adotar a “terapia de choque” e sua participação
relativa sextuplicou no mesmo período: saiu de 2,2% para 12,5% do produto
mundial.
Com Mao, a China ainda era um país muito
pobre; Deng despertou os interesses econômicos das empresas e dos indivíduos
para transitar do coletivismo e do igualitarismo para o incentivo econômico
individual. Em 1984, o Estado adotou a livre concorrência e a regulação de
preços por oferta e demanda. Com o novo sistema de preços, “deixou o cavalo
correr”.
Em 1989, toda uma geração petista foi
impactada pelo massacre dos estudantes na praça da Paz Celestial, o que levou
ao rompimento de relações entre os dois partidos por alguns anos. Agora, a
flecha se inverteu. As relações do PT com o Partido Comunista da China (PCCh)
mudaram, há petistas fascinados pela China. Mas também muitas divergências
quanto a isso na cúpula dirigente. Estão retratadas por Markus Sokol, membro da
Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores, no relato de sua viagem em
2023.
Em “Viagem à China: um relato comentado”
(editora Nova Palavra), Sokol mostra que o operariado chinês vive em condições
de trabalho precárias, greves são duramente reprimidas. Não há sindicatos
livres e direito de greve da Constituição, as jornadas de trabalho semanais são
extenuantes, os salários baixíssimos, as férias são limitadas, as
aposentadorias restritas e as universidades pagas, ao lado da acumulação das
fortunas dos novos milionários que se multiplicam pelo país.
Uma burguesia chinesa prospera e participa do
Partido Comunista. O “mandarinato vermelho”, feliz expressão usada por Henry
Kissinger para associar o grupo comunista reformador à milenar burocracia
chinesa, promove um capitalismo em plena expansão, combinado ao regime de
partido único. Com sinal trocado, é uma via que também seduz a extrema direita
em vários países.
2 comentários:
Muito bom! É uma decepção completa ver a direção petista entusiasmada com a "democracia chinesa".
Verdade,concordo com Daniel,uma decepção!
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