sábado, 17 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC da Anistia é prova do fosso entre Congresso e eleitores

O Globo

Depois de descumprir lei eleitoral, congressistas se deram perdão e mudaram legislação em causa própria

A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia pelo Senado é um sinal eloquente da falta de sintonia entre o Parlamento e os eleitores. Num segundo turno com votação folgada (54 votos favoráveis ante 16 contrários), os senadores emendaram a Constituição para promover mais uma anistia aos partidos políticos. Legislando em causa própria, perdoaram irregularidades cometidas em eleições, autorizaram as legendas a usar o Fundo Partidário para pagar multas, criaram um sistema de refinanciamento camarada para dívidas e concederam imunidade tributária aos partidos, a seus institutos e fundações. Por fim, contrariando o anseio do eleitorado, reduziram o financiamento a candidaturas de negros. A mensagem que fica para a sociedade não poderia ser pior. Caso o cidadão não obedeça à lei, tem de arcar com as consequências. Se os congressistas e seus partidos não cumprem o que eles mesmos determinaram, ora, simplesmente mudam a lei.

É lamentável que as votações nas duas Casas tenham seguido um mesmo padrão. A PEC uniu quase todos os partidos, do PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro. O senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, tentou negar o inegável. “É importante esclarecer que não se trata de anistia partidária”, disse. O senador Marcos Rogério (PL-RO), líder da oposição, afirmou ver a PEC como “inteligente”. Apenas o Novo orientou voto contrário à proposta no Senado. Na Câmara, o bloco PSOL-Rede também se opôs.

Outro ponto em comum entre Câmara e Senado foi a celeridade na tramitação. A estratégia foi adotada para tentar evitar maior desgaste perante a opinião pública. Com congressistas apressados para regularizar a situação na Justiça a tempo de participar das eleições municipais, o projeto foi votado na véspera do início da campanha. Como o texto sofreu apenas alterações cosméticas no Senado, seguirá diretamente para promulgação.

Parece inacreditável que o Congresso tenha agido para coibir o aumento da representatividade no Parlamento justamente num momento em que a sociedade exige o contrário. Em 2020, o Tribunal Superior Eleitoral determinou que partidos políticos passariam a destinar a candidatos negros uma fatia proporcional do dinheiro dos fundos Partidário e de Campanha. A decisão foi uma opção sensata. Para assombro geral, os partidos políticos ignoraram a regra em 2022. Os negros somaram 50% das candidaturas, mas ficaram com apenas 30% das verbas. Com a aprovação da PEC da Anistia, deputados e senadores deram mais tempo às legendas para sanar o passivo do último pleito e, não satisfeitos, diminuíram para 30% a parcela destinada a candidaturas negras.

A legislatura prestes a entrar para a História com a aprovação de uma reforma tributária esperada há três décadas é a mesma responsável por uma emenda constitucional injusta. O episódio marca um retrocesso para o sistema partidário e para a democracia brasileira. Como resposta, a sociedade precisa recobrar a vigilância sobre seus representantes. A vontade popular não pode ser ignorada, muito menos em benefício particular dos eleitos para representá-la.

Invasão de Kursk redesenha cenário da guerra na Ucrânia

O Globo

Tomada-relâmpago de território russo cria pressão sobre Putin — e embaralha as cartas da pacificação

A esta altura, estrategistas políticos e diplomáticos se debruçam sobre o ousado contragolpe da Ucrânia na Rússia. A relativa facilidade com que tropas ucranianas invadiram e tomaram o território russo na região de Kursk prova que a resposta ucraniana não estava no radar do Kremlin. A questão é saber o que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, fará a partir de agora e qual sua chance de sucesso.

De acordo com informações ucranianas, o Exército de Zelensky tomou mil quilômetros quadrados de território russo. Em mensagem postada na terça-feira, Zelensky afirmou que suas tropas controlavam 74 localidades, tratavam a população russa que se manteve na região com humanidade e, ao informar que centenas de soldados russos estavam cercados, disse que eles farão parte de um “fundo de trocas”.

Entre as intenções prováveis de Zelensky com a invasão está não só a troca de prisioneiros com a Rússia, mas também a barganha envolvendo territórios ocupados. A intenção de Kiev é voltar às fronteiras de 1991, ano da independência da Ucrânia da União Soviética. O objetivo é ousado, por incluir não apenas o Donbass, área ocupada pela Rússia na guerra atual, mas também a Crimeia, em poder russo desde 2014. Em junho, o conselheiro presidencial, Mykhailo Podolyak, mais comedido, condicionou a paz com Moscou à devolução das áreas anexadas pela invasão russa em fevereiro de 2022.

Se depender de Kiev, estará na mesa de negociações a região agora ocupada de Kursk, controlada por mongóis na era medieval e onde, na Segunda Guerra Mundial, a Alemanha de Hitler sofreu uma derrota crítica para a União Soviética numa aguerrida batalha de tanques. A invasão ucraniana de Kursk é a maior em território russo desde aquela época. A tomada da região, apoiada por fogo de artilharia e ataques de drones, levou apenas seis dias.

Outro objetivo da ação ucraniana é atingir a imagem de Vladimir Putin, que tenta evocar sentimentos nacionalistas na população russa. A ideia é trincar essa imagem, sinalizando que Putin, ao contrário de proteger seu país, o colocou em risco ao invadir a Ucrânia. Zelensky quer abalar a complacência com que a sociedade russa tem encarado a guerra. Há quem aposte que, ao ver o risco trazido por combates perto da usina nuclear de Zaporíjia, na Ucrânia, e ao assistir a vídeos de jovens soldados feitos prisioneiros, a população russa reduzirá seu apoio a Putin. Qualquer que seja o desgaste, porém, dificilmente ele trará mudança imediata.

Uma consequência prática da invasão em Kursk poderá ser o remanejamento de tropas e poder de fogo russos de áreas ocupadas na Ucrânia para reverter a situação na região atacada. Aliviaria a situação, mas o impasse persistiria. Outra possibilidade é Zelensky reforçar seus argumentos para usar sem limites os equipamentos militares recebidos do Ocidente. Um ponto está fora de discussão: a invasão de Kursk embaralha as cartas da pacificação e afasta a chance de cessar-fogo em algum horizonte de tempo previsível. A guerra ganhou fôlego.

Só haverá democracia se Maduro deixar poder

Folha de S. Paulo

Lula mostra pragmatismo ao não reconhecer resultado de eleição farsesca; Venezuela não é desagradável, é uma ditadura

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) inseriu uma dose importante de pragmatismo em sua política externa ao declarar que não reconhece a vitória eleitoral proclamada na Venezuela pelo ditador Nicolás Maduro, seu aliado de longa data.

Entre as idas e vindas em seu discurso sobre o regime de Caracas, a afirmação de quinta (15) evidencia que o petista percebe o desgaste interno que limita a tolerância de seu governo às aventuras autoritárias do chavismo.

"Ainda não [reconheço Maduro como vitorioso]. Ele sabe que está devendo explicação para a sociedade brasileira e para o mundo", disse, voltando a cobrar em seguida a divulgação das atas das eleições fraudadas de 28 de julho.

A declaração —mesmo que acompanhada de hipóteses mal fundamentadas, como promover novas eleições ou formar uma coalizão— indica que Lula se aproximou da linha profissional do Itamaraty, em detrimento dos arroubos ideológicos de seu partido.

Não há dúvida de que a posição brasileira engrossa consideravelmente as pressões internacionais sobre Maduro. Intencionalmente ou não, também não deixa de ser um mea-culpa pela confiança depositada nos compromissos do líder chavista de promover eleições justas e transparentes.

Afinal, o Acordo de Barbados, afiançado por Brasil e Estados Unidos em novembro de 2023, foi rasgado ao longo do processo eleitoral —que culminou na proclamação de uma vitória inverossímil por um órgão subserviente.

Depois de anos de vista grossa ante as atrocidades do arbítrio de esquerda, a inflexão do petista é bem-vinda, embora insuficiente para sanar a corrosão da credibilidade da diplomacia brasileira.

Será desafiador o manejo das relações bilaterais enquanto Maduro insistir na sua farsa. A Venezuela não é um país com o qual o Brasil possa deixar o diálogo, como se observou sob Jair Bolsonaro (PL).

Nesta sexta (16), Lula teve de recorrer a contorcionismos de retórica para negar, mais uma vez, que o país vizinho vive sob uma ditadura. O regime chavista, em suas palavras, "tem viés autoritário" e é "muito desagradável".

Resta esperar que eufemismos do gênero facilitem entendimentos que viabilizem o objetivo crucial para toda a região —reconduzir pacificamente a Venezuela à ordem democrática.

Tal cenário depende necessariamente da saída de Maduro, que por ora atua como se não mais quisesse camuflar sua tirania.

PEC abjeta

Folha de S. Paulo

Congresso avilta os brasileiros ao aprovar emenda que expande seus privilégios

De nada adiantaram as críticas, por mais duras e merecidas que tenham sido. Mirando-se no mau exemplo dos deputados, os senadores deram as costas à sociedade e aprovaram a infame PEC da Anistia, uma proposta de emenda à Constituição que perdoa os partidos políticos por irregularidades passadas e —pasme— futuras.

Há poucos congressistas inocentes nessa história de patifaria e perfídia. À exceção do PSOL, da Rede e do Novo, todas as demais agremiações deram seus votos para essa abominação legislativa, incluindo o PT, de Luiz Inácio Lula da Silva, e o PL, de Jair Bolsonaro.

Por se tratar de PEC, a iniciativa não passará pela sanção presidencial, de modo que resta apenas uma formalidade burocrática para as novas regras entrarem em vigor. E elas são tudo menos aceitáveis.

Com a canetada, os parlamentares ampliaram a imunidade tributária dos partidos, estabeleceram um protocolo para extinção de sanções já aplicadas e instituíram um generoso programa de refinanciamento de dívidas, que poderão ser quitadas, sem juros nem multas, com uso de recursos públicos.

Dito por outras palavras, o que se aprovou foi a redução drástica das possibilidades de responsabilização das siglas políticas por quase toda sorte de infrações que tenham cometido, estejam cometendo ou venham a cometer.

E isso num país em que os fundos eleitoral e partidário distribuirão, apenas neste ano, um montante total que ultrapassa os R$ 6 bilhões. Legisladores sérios e éticos teriam a preocupação de discutir maneiras de aperfeiçoar a fiscalização —mas esse tipo de parlamentar, infelizmente, parece em falta no Congresso Nacional.

Como se a anistia já não fosse escandalosa o suficiente, a PEC ainda descarta, na prática, qualquer punição aos partidos que tenham descumprido, nas últimas eleições, as normas de distribuição proporcional de verbas para candidatos brancos e negros (pretos e pardos).

Além disso, no lugar dessa diretriz, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, fixou-se uma cota racial de 30% dos recursos para candidaturas oriundas desse segmento populacional —único aspecto da proposta que não serve apenas ao interesse das siglas.

Ressalvada a nova cota, o que resta da PEC é uma peça abjeta que aumenta os já insustentáveis privilégios da classe política.

Transparência é obrigação, não afronta

O Estado de S. Paulo

Congresso quer retaliar STF e governo por decisão que impõe transparência às emendas, em vez de responder quem enviou o dinheiro, como o recurso será gasto e para onde ele vai

O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, por unanimidade, a decisão do ministro Flávio Dino, que suspendeu a execução de todas as emendas parlamentares impositivas até a adoção de medidas que garantam transparência e rastreabilidade aos recursos. Ontem, todos os 11 ministros manifestaram apoio à posição do relator, e confirmaram a liminar concedida dois dias antes em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de autoria do PSOL.

O Congresso esperneou e promete retaliar o Supremo e o governo, que, para parlamentares, estariam atuando de maneira combinada. A Comissão Mista de Orçamento já rejeitou uma medida provisória que garante um crédito extraordinário de R$ 1,3 bilhão ao Judiciário, e a Câmara promete convocar ministros para explicar os gastos de suas pastas. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), enviou duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para limitar o poder da Corte.

De fato, a manutenção da decisão pelo STF facilita bastante a vida do Ministério da Fazenda, que ganharia uma margem de manobra de R$ 15 bilhões no Orçamento para cumprir a desafiadora meta fiscal deste ano. Desde a campanha eleitoral, Lula da Silva não esconde o incômodo com o tema e, nesta semana, disse que a promulgação do caráter impositivo das emendas pelo Legislativo, em março de 2015, foi o “começo de uma loucura”.

Esse contexto, no entanto, nem de longe invalida os argumentos que balizaram a decisão do STF. Como já dissemos muitas vezes neste espaço, não há justificativa para manter a opacidade nas transferências de recursos públicos, uma clara violação aos princípios constitucionais da administração pública. É dever do STF restabelecer a ordem constitucional.

O Congresso até tentou derrubar a decisão antes que ela fosse a plenário, mas o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, rejeitou o pedido. A petição, assinada pelas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado e pelos partidos PL, União Brasil, PP, PSD, Republicanos, PSB, PSDB, PDT, Solidariedade e MDB, beira o inacreditável.

“Numa única decisão monocrática, o Supremo Tribunal Federal desconstituiu quatro emendas constitucionais, em vigor há quase dez anos, e aprovadas por três legislaturas distintas”, afirma a peça. Ora, nem o tempo de vigência dessas emendas nem o fato de terem obtido maioria qualificada em diferentes legislaturas seriam razão suficiente para mantê-las.

Sobre as emendas Pix, que transferem recursos sem destinação específica diretamente para o caixa de Estados e municípios, o Congresso insiste que há mecanismos para garantir fiscalização, transparência e controle social dos recursos. “Eventuais falhas na operacionalização das rotinas de execução orçamentária”, diz a petição, devem ser resolvidas pelo próprio Legislativo, e não pelo Executivo ou pelo Judiciário.

O Congresso não pode se dizer surpreso com a decisão de Dino nem com o fato de ela ter sido referendada por unanimidade pelo Supremo. Se nem mesmo uma decisão anterior do STF sobre as emendas de relator foi suficiente para que o Legislativo proporcionasse transparência às indicações de maneira definitiva, não será por vontade própria que isso ocorrerá. Cobrados a identificar a autoria das emendas de comissão, Câmara e Senado tiveram a audácia de responder que não tinham como colaborar.

Não há que falar em afronta aos Poderes. A decisão do STF não proíbe a existência das emendas parlamentares nem questiona o caráter impositivo dessas indicações ou o espaço que elas passaram a ocupar no Orçamento, mas apenas cobra o restabelecimento de princípios constitucionais na transferência de recursos públicos.

Como disse Dino em seu voto, orçamento impositivo não é o mesmo que orçamento arbitrário. Se o Congresso, em parceria com o governo, criar um sistema que centralize os dados de todas as emendas parlamentares e que consiga demonstrar para onde vai o dinheiro, como ele será gasto e quem enviou os recursos, o pagamento será liberado. Não parece ser algo tão difícil de fazer.

O paradoxo da energia barata e da conta cara

O Estado de S. Paulo

Subsídios encarecem a luz num país com energia abundante. Rever essa distorção cabe ao Ministério de Minas e Energia, cujo ministro, porém, diz que não quer ser o ‘pai’ da conta cara

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que não pretende assumir o título de “pai” da conta de luz mais cara do mundo. “Eu disse para o presidente Lula que, se ficar insustentável, eu volto para casa”, afirmou, supostamente incomodado com o volume de subsídios embutidos nas tarifas de energia.

Como diz o ditado popular, filho feio não tem pai. É verdade que os subsídios não chegaram ao patamar em que estão exclusivamente por obra de Silveira, que assumiu o ministério em janeiro do ano passado. Mas, se o ministro não é o único culpado, tampouco é inocente pelo paradoxo que fez do Brasil o país da energia barata e da conta de luz cara.

Enquanto o preço da energia nos leilões de energia nova aumentou 61% nos últimos 11 anos, a tarifa média teve alta de nada menos que 153%, segundo a Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace). De maneira didática, a reportagem publicada pelo Estadão explicou que a razão desse descolamento são os subsídios embutidos na conta de luz.

Esses benefícios dobraram de tamanho nos últimos cinco anos e atingiram a marca de R$ 40,3 bilhões em 2023. Em 2018, essas políticas representavam 5,51% da conta de luz paga pelos consumidores, uma fatia que cresceu ano a ano e hoje é de 13,54%. O pior é que nada no horizonte indica que ela tenha chegado a um teto.

Os subsídios não fazem distinção de fonte, porte ou renda. Há espaço para ajudar todos, de antigas termoelétricas a carvão a eólicas, de solares de grande porte a painéis fotovoltaicos espalhados por telhados de residências de bairros nobres de todo o País, de consumidores de baixa renda a agricultores que fazem uso de irrigação em suas propriedades.

É uma verdadeira festa promovida em parceria pelo Executivo e pelo Legislativo, mas patrocinada integralmente pelo consumidor. Até 2014, o Tesouro Nacional ainda arcava com parte dos subsídios, mas essa prática foi abandonada depois que o País passou a registrar déficits primários.

O fim dos aportes do Tesouro não foi capaz de frear o ímpeto benevolente do Congresso, que não perde a chance de anexar jabutis a medidas provisórias e projetos de lei e ampliar ainda mais o bolo dos subsídios. Parlamentares buscam assegurar incentivos até para viabilizar fontes do futuro e para as quais o País tem vocação, como as eólicas offshore, cujo texto, já aprovado pela Câmara e agora no Senado, foi considerado um “monstrengo” por Silveira.

A dinâmica do setor elétrico favorece esse comportamento oportunista. Quando o reajuste tarifário é anunciado, a culpa nunca é do governo ou do Legislativo, mas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) – que não cria os subsídios, mas é responsável por calcular seus custos, repassá-los às tarifas e anunciar a má notícia.

Apesar do discurso contrário aos subsídios, Silveira, até agora, trabalhou para expandi-los ainda mais. De maneira populista, ele pretende propor uma nova forma de rateio da conta, na qual os grandes consumidores paguem proporcionalmente mais que os pequenos. Se isso vai acabar de vez com a competitividade da indústria eletrointensiva, não é problema dele.

Silveira também ampliou, pela segunda vez, por meio de medida provisória, o prazo para renovação de subsídios de usinas eólicas e solares que jamais saíram do papel. Outra iniciativa do ministro foi antecipar receitas que a Eletrobras teria de pagar ao longo de anos para abater parte da conta de subsídios. Ainda que gere um alívio imediato nas contas de luz, essa medida terá um efeito rebote no futuro – quando Silveira, possivelmente, não estará mais no ministério para ter de arcar com as consequências de suas ações.

Era de esperar que o ministro enviasse ao Congresso uma proposta para dar fim a incentivos que deixaram de ser necessários e se converteram em verdadeiros privilégios a enriquecer alguns grupos à custa do consumidor. É algo que geraria desgastes, mas só assim a conta de subsídios poderia cair ou, ao menos, parar de crescer. Assumir essa liderança é papel do Ministério de Minas e Energia, mas isso exigiria de Silveira uma responsabilidade da qual ele aparentemente não quer nem ouvir falar.

Os ‘endowments’ e a educação

O Estado de S. Paulo

Iniciativa da PUC-Rio para financiar bolsas de estudo é inspiradora e necessária

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, fundos patrimoniais, ou endowments, ajudam a ampliar o acesso a centros de excelência no ensino como Harvard e Cambridge, democratizando o acesso à educação. Neste sentido, é louvável a iniciativa da PUC-Rio de relançar seu fundo patrimonial com o objetivo de financiar bolsas de estudo e projetos de pesquisa, o que pode garantir à universidade carioca um legado de inclusão por meio do ensino de qualidade.

A meta da PUC, de levantar R$ 500 milhões em doações em dez anos, é ambiciosa, mas não parece impossível para uma instituição que conta com diversos ex-ministros de Estado e empresários de sucesso entre os ex-alunos. Inicialmente criado em 2019, mas prejudicado pela pandemia de covid-19, o fundo patrimonial da PUC-Rio foi recém-relançado em jantar que contou com Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e egresso da PUC.

Há poucos meses, a viúva de um investidor americano doou US$ 1 bilhão para a Albert Einstein College of Medicine, uma escola de medicina de Nova York, o que permitirá que atuais e futuros alunos da instituição estudem sem custos. Ex-professora da faculdade, Ruth L. Gottesman fez a doação, a maior já recebida por uma escola de medicina dos EUA, para eliminar barreiras à educação médica e atrair alunos que não têm condições de pagar uma faculdade de medicina.

A prática de filantropia e os endowments são bastante difundidos nos EUA e oferecem um bom norte ao Brasil, onde os mais ricos têm acesso à universidade pública, financiada pelo governo, cujos recursos limitados seriam mais bem empregados na promoção da educação básica. Enquanto isso, alunos talentosos, mas de poucos recursos financeiros, enfrentam barreiras para entrar em instituições de ponta.

O modelo nos quais membros com vínculos com uma instituição, seja a PUC-Rio ou a escola de medicina de Nova York, doam para perpetuar que a boa educação que receberam seja compartilhada pelas futuras gerações é prova não apenas de que há alternativas para o financiamento do ensino superior, como também de que há compromisso com a sociedade da parte de quem cede os recursos.

Felizmente, a aprovação da Lei 13.800, em 2019, vem estimulando a criação de fundos patrimoniais como o da PUC-Rio, já que deu maior segurança jurídica ao estabelecimento de fundos que recebem doações de pessoas físicas e jurídicas destinadas a programas de interesse público, como o financiamento à educação.

Além de recursos financeiros, também é possível doar ativos como imóveis, tal qual o antropólogo Stelio Marras, que destinou um edifício avaliado em R$ 25 milhões para o Fundo Patrimonial da USP, sua universidade de formação. A doação deve ser usada para custear bolsas de permanência para alunos de baixa renda.

Embora tenham muito a evoluir, tornando-se mais atrativos para mais doadores, os fundos patrimoniais brasileiros são um bom caminho para uma educação de qualidade mais inclusiva no País. Que as iniciativas já lançadas sirvam de inspiração para o surgimento de novos e mais endowments no Brasil.

PEC da Anistia fere a representatividade

Correio Braziliense

A partir de agora, os partidos serão obrigados a aplicar um total de 30% dos fundos eleitoral e partidário e ficam perdoados do descumprimento da cota nas eleições passadas

Na última eleição municipal, em 2020, o Brasil ainda não havia promulgado a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. No entanto, em 10 de janeiro de 2022, por meio do Decreto nº 10.932/2022, o Estado brasileiro ratificou esse acordo internacional para a erradicação do racismo e a promoção da igualdade racial. Em 2024, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, na ocasião da ADI 7654, reforçou que a convenção, incorporada ao ordenamento interno na forma do § 3° do art. 5° da Constituição Federal de 1988, impõe que o Estado brasileiro adote políticas de promoção da igualdade de oportunidades para pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação racial e a formas correlatas de intolerância.

São medidas de caráter educacional, medidas trabalhistas ou sociais, ou outras necessárias para assegurar o exercício dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas, conforme art. 6º do Decreto 10.932/2022. No âmbito federal, a Lei nº 12.990/2014 (lei de cotas raciais nos concursos públicos) visa à promoção da igualdade de oportunidades à população negra no acesso ao serviço público federal. Em 2017, por unanimidade, o plenário do STF declarou a constitucionalidade da lei.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que, para as eleições municipais deste ano, 53% dos candidatos se declararam pardos ou pretos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pardos e pretos formam a população negra e representam 55,5% da população do país. Brancos são 46% do total, enquanto 0,5% se declara indígena e 0,4%, amarelo. Não há informação sobre a cor/raça de 0,7% dos registros. 

Essa maioria de candidatos negros é resultado direto da política de cotas para financiamento eleitoral. Nada mais justo, considerando os princípios da democracia representativa. Assim como se espera que os candidatos nas eleições municipais de 2024 acatem o desafio de propor políticas que visem proporcionar tratamento equitativo e garantir igualdade de oportunidades para todas as pessoas ou grupos sujeitos ao racismo e outras formas de discriminação e intolerância.

Por tudo isso, é um retrocesso a aprovação pelo Congresso, nesta semana, da chamada PEC da Anistia. A proposta de emenda constitucional perdoa dívidas de partidos e tira verba de candidatos negros. O texto, cujas regras valerão nas eleições de outubro próximo, reduz a parcela obrigatória de recursos em candidaturas de pretos e pardos. Até as últimas eleições, essa cota tinha que obedecer à proporção de candidatos pretos e pardos lançados pelo partido em todo o país, sem um limite. Em 2022, por exemplo, eles somaram mais da metade das candidaturas.

A partir de agora, os partidos serão obrigados a aplicar um total de 30% dos fundos eleitoral e partidário e ficam perdoados do descumprimento da cota nas eleições passadas. O pretexto são as populações do Brasil Meridional, predominantemente branco. É uma decisão, porém, que aprofunda as diferenças em um Brasil significativamente negro e se choca com iniciativas, inclusive de proporções internacionais, que têm sido adotadas para combater a desigualdade racial de forma mais estruturada. 

 

 

 

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