domingo, 29 de junho de 2025

‘A direita pode vencer em 2026 mesmo se entrar fragmentada no 1º turno’, diz cientista político

Por José Fucs / O Estado de S. Paulo

Para Christopher Garman, uma candidatura do chamado ‘centro democrático’ só terá chance de decolar se for além do discurso contra a polarização e incorporar o sentimento antissistema que contagia boa parte do eleitorado

O cientista político Christopher Garman tem um retrospecto respeitável em suas previsões. Diretor-executivo para as Américas da Eurasia, uma consultoria americana especializada na avaliação de riscos políticos, ele foi um dos poucos entre seus pares a afirmar, em meados de 2018, seis meses antes das eleições, que o então candidato Jair Bolsonaro tinha grandes chances de ir para o segundo turno e vencer o pleito.

No fim de 2014, logo depois da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff, Garman antecipou que ela corria o risco de ser atingida ´por uma “tempestade perfeita”, formada por um governo sem sustentação política e baixa credibilidade no mercado, pela descoberta de um escândalo de corrupção bilionário como o petrolão e por uma economia que mergulhava na recessão. Dois anos depois, com o impeachment de Dilma, seu diagnóstico se mostrou certeiro outra vez.

Neste entrevista, ele analisa o atual quadro político do País e as perspectivas das eleições de 2026. Ao contrário de muitos analistas, Garman diz que, mesmo se a direita não marchar unida já no primeiro turno da disputa, terá chances de vencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em sua provável tentativa de reeleição.

“Acredito que a percepção de que essa eventual fragmentação da direita no primeiro turno diminuiria as chances de uma vitória oposicionista nas eleições está muito exagerada”, afirma. “Mesmo se a gente tiver uma direita fragmentada, ainda haverá muito tempo para poder trabalhar qualquer nome da oposição que chegue ao segundo turno.”

Ele fala também que, para uma candidatura do chamado ‘centro democrático’ decolar, não bastará sustentar um discurso contra a polarização. “A terceira via só terá chance em 2026 se representar a revolta contra o sistema”, diz. “Cada vez mais, para ser um candidato competitivo na América Latina, em partes da Europa, nos Estados Unidos, você tem se apresentar com uma roupagem antissistema.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Hoje, no Brasil, estamos bem naquele ponto em que o incumbente pode ou não se reeleger

Com a queda na popularidade do Lula e as eleições de 2026 já aparecendo no radar, como o sr. está vendo o atual quadro político do País e as perspectivas eleitorais do governo e da oposição?

Eu acredito que, quando a gente olha qualquer eleição nacional, é sempre importante observar os fundamentos, saber se eleitorado quer mudança ou continuidade e quais são as demandas e as preocupações do eleitor mediano. Acho que isso vale muito mais para a gente analisar uma disputa presidencial do que os candidatos em si. E, pelo quadro atual, parece que vai ser uma eleição difícil de prever o resultado. A aprovação do presidente Lula caiu de forma expressiva, de 49% para 41/42% do total, mas não está tão claro que estamos caminhando para uma eleição de mudança. Ao analisar um banco de dados com informações de 500 eleições realizadas pelo mundo afora, o que a gente observa é que os incumbentes geralmente têm uma taxa de reeleição acima de 50% quando a aprovação está acima de 40%. No fim do ano passado, com a alta nos preços dos alimentos, houve uma queda na aprovação do presidente, mas depois o governo começou a se recuperar em algumas pesquisas. Aí veio o escândalo do INSS e a aprovação voltou a cair. Então, hoje, no Brasil, estamos bem naquele ponto em que o incumbente pode ou não se reeleger.

O sr. acredita que, mesmo com essa queda apontada pelas pesquisas em sua aprovação, o Lula ainda tem chances de se reeleger?

Se a alta de preços dos alimentos, que pega a base eleitoral do Lula, de menos dois salários mínimos, as mulheres e o Nordeste, realmente arrefecer e a renda real continuar subindo, com o governo fazendo alguns programas eleitoreiros como os já anunciados, o presidente tem capacidade, sim, de se recuperar um pouco nas pesquisas e aparecer como favorito nas eleições. Agora, quando a gente olha as preocupações do eleitor, a foto fica um pouco pior para o governo. Hoje, há uma preocupação maior com o tema de segurança, que não é favorável ao presidente Lula, e o escândalo do INSS começou a aumentar a relevância e a preocupação com a corrupção. É possível que a preocupação com o tema de corrupção se dissipe ao longo do tempo, seja uma coisa transitória. Mas, se vierem outros escândalos e o tema da corrupção se solidificar, ao lado da preocupação com a segurança, isso vai favorecer a oposição. Então, quando eu olho se nós vamos ter um cenário em que a oposição ganha ou o presidente não consegue se reeleger, foco mais nesses aspectos estruturais, nessa questão da mudança e da continuidade e nos temas com os quais o eleitor está preocupado, mais do que no nome do candidato que sairá da direita ou nas candidaturas em si.

A escolha que o Bolsonaro fizer até março do ano que vem, antes da data de desincompatibilização dos governadores, é que vai definir o xadrez oposicionista

Com o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível e ao que tudo indica fora da próxima eleição, têm crescido as articulações para o lançamento de um candidato único da oposição no pleito de 2026. O ex-presidente Michel Temer, inclusive, tem sido um dos grandes articuladores dessa candidatura unificada, envolvendo nomes como os governadores Tarcísio de Freitas (SP), Ratinho Junior (PR), Ronaldo Caiado (GO) e Romeu Zema (MG), para evitar a reeleição do Lula. Como o sr. avalia essa iniciativa do ex-presidente Temer e, de forma mais abrangente, as iniciativas da oposição para apresentar uma possível candidatura única já no 1ºturno das eleições?

Há certa ansiedade da oposição em relação a isso. Boa parte desse esforço, colocado como uma agenda para o País, tem se concentrado em torno do nome do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Existe um esforço também para tentar convencer o ex-presidente Jair Bolsonaro a endossá-lo. O ex-presidente ainda detém um capital político expressivo e permanece como o grande líder da oposição. Ele tem uma base razoavelmente fiel e as pesquisas mostram que o índice de aprovação dele não caiu um triz desde a última eleição presidencial. Todos os atores sabem que qualquer nome que ele endossar já começa com uma base de apoio popular considerável, provavelmente na casa de 20 pontos porcentuais. Então, a escolha que o Bolsonaro fizer até março do ano que vem, antes da data de desincompatibilização de governadores de Estado que quiserem participar das eleições, é que vai definir o xadrez oposicionista. O grande protagonista que vai definir se a direita estará unificada ou não encontra-se na figura do ex-presidente. Em inglês, a gente diria que ele é o kingmaker, o ‘fazedor de reis’, porque vai depender dele como será o jogo eleitoral.

Nesse cenário, como fica o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que no momento parece reunir o maior apoio nas fileiras da oposição para ser o candidato anti-Lula?

O governador de São Paulo reconhece essa realidade e, no meu ponto de vista, ele só vai se desincompatibilizar para concorrer à Presidência se o Bolsonaro o escolher como seu herdeiro para disputar as eleições de 2026, caso realmente não possa concorrer, como parece altamente provável no momento. Teria de haver alguma manifestação pública, algum compromisso firme de que o Tarcísio é o nome do ex-presidente. Porque, se o Bolsonaro não deixar isso claro, dificilmente o governador vai deixar o governo de São Paulo para concorrer à Presidência e correr o risco de ser taxado de traidor pela base bolsonarista, deixando para trás uma reeleição quase certa para o governo do Estado. Hoje, todos em Brasília, todos os partidos, estão esperando essa decisão do ex-presidente.

Em sua opinião, o que deve acontecer se o Bolsonaro endossar o nome de Tarcísio?

Se, de fato, o ex-presidente escolher o Tarcísio, aí outras candidaturas da direita tendem a minguar e poderemos ter uma candidatura unificada ao redor do governador de São Paulo. Se o Bolsonaro optar por não endossar o Tarcísio, com vistas a substituir o nome dele por alguém da família, seja um dos filhos ou a mulher e ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, aí nós vamos ter uma direita fragmentada. O (secretário de Governo de São Paulo) Gilberto Kassab, (presidente) do PSD, já está considerando um nome para poder lançar como candidato. Provavelmente, deverá ser o governador do Paraná, Ratinho Junior. O Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul), que mudou recentemente do PSDB para o PSD, está correndo por fora. Um desses nomes poderá ser lançado até o fim deste ano ou início do ano que vem. Temos também o governador Ronaldo Caiado, de Goiás, e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema.

Nesse cenário em que o Bolsonaro opta por escolher alguém da família na reta final da campanha para representá-lo na disputa, é muito provável que a gente tenha uma direita mais fragmentada. Pode haver uma consolidação, talvez reunindo dois ou três desses nomes ainda no primeiro turno, mas, no fundo, será uma direita dividida, porque terá nomes de governadores de Estado de um lado e, provavelmente, alguém da família Bolsonaro do outro. Se isso acontecer, obviamente um desses nomes deverá ir para o segundo turno com Lula.

Na sua avaliação, qual o impacto que essa fragmentação da direita no primeiro turno pode ter na disputa contra Lula no segundo turno?

Acredito que a percepção de que essa eventual fragmentação no primeiro turno diminuiria as chances de uma vitória oposicionista nas eleições está muito exagerada. Eu escuto muito, quase como um mantra, que se o governador de São Paulo encabeçar uma direita consolidada, unificada, a oposição vai ganhar em 2026. E que, se a direita estiver fragmentada, com possibilidade elevada de um nome do Bolsonaro chegar ao segundo turno, as chances do Lula prevalecer cresceriam bastante. Este diagnóstico me parece exagerado. Mesmo se a gente tiver uma direita fragmentada, ainda haverá muito tempo numa disputa presidencial para poder trabalhar qualquer nome da oposição que chegue ao segundo turno.

Nós temos de lembrar que a grande maioria das eleições nacionais – ou muitas delas – tem uma campanha razoavelmente curta, de quatro ou cinco semanas. O eleitor tende a tomar a sua decisão e a solidificar as suas visões ao longo da campanha. A noção de que é necessário trabalhar um nome seis a doze meses antes para poder projetá-lo nacionalmente, para ele poder ser competitivo, me parece algo que pode até ser importante para a classe política, para ampliar o apoio político-partidário ao candidato, as alianças. Tudo isso importa. Mas, para a eleição em si, se um candidato da direita chegar no segundo turno, acredito que ainda terá quatro semanas para poder apresentar sua visão. É muito tempo. Isso coloca na cabeça do leitor uma escolha binária e qualquer candidato que chegar lá ainda terá uma boa chance de prevalecer.

Agora, se houver esse divisão na direita no primeiro turno, provavelmente o candidato da oposição que prevalecer terá bem menos votos do que o Lula. Isso não aumenta as chances de o presidente conseguir se reeleger?

Novamente, a dinâmica do primeiro turno é bem diferente da dinâmica do segundo. O segundo turno é outra disputa. Temos muitos exemplos em que uma candidatura com baixa intenção de voto acaba subindo ao longo do primeiro turno e entra em alta no segundo. Então, se nós estivermos num ambiente de mudança, com a aprovação do presidente Lula caindo um pouco mais até lá e temas como segurança a corrupção se tornando mais importantes, aí qualquer nome da direita teria boas chances de prevalecer. Mas, se a aprovação do presidente se recuperar, se a renda real subir, se os preços dos alimentos estiverem mais baixos e as preocupações eleitorais não forem tão focadas em temas como corrupção e segurança, aí o presidente Lula teria chance de prevalecer até mesmo sobre o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Quer dizer, pelo que o sr. está falando, que mesmo que a direita esteja fragmentada no primeiro turno ainda terá chance de ganhar a eleição contra o Lula?

Com certeza. De novo, o que importa é se há ou não um desejo de mudança. O que importa são as preocupações do eleitorado. Se houver esse sentimento de mudança, um dos governadores da oposição, seja o governador do Paraná, seja outro candidato ou até mesmo um nome da família Bolsonaro teria a chance de prevalecer sobre o presidente Lula, Agora, quem será esse candidato da oposição que chegará ao segundo turno no caso de haver uma direita fragmentada no primeiro turno, se vai ser um governador ou um membro da família, é uma questão que ainda vai gerar muito debate entre os analistas. Mas qualquer nome que tiver o apoio do Bolsonaro entra com força nessa disputa.

Hoje, o PSD tem dois presidenciáveis, o governador de Paraná e o governador de Rio Grande do Sul. Mas precisará fazer uma escolha, na qual o presidente do partido, Gilberto Kassab, terá um peso importante

O sr. falou há pouco no nome do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, como um possível candidato do PSD à presidência nas eleições de 2026, ao lado do governador Rainho Junior. O sr. não acha que, com sua história ligada ao PSDB, ele é um “animal político” diferente dos outros nomes da direita e da centro-direita? Como o Eduardo Leite se coloca nesse quadro que o sr. está traçando?

Acredito que o Eduardo Leite entrou no PSD com a intenção de ter um partido com mais estrutura, mais força política, que possa lhe dar um palanque de projeção nacional com mais força. Mas o PSD precisará fazer uma escolha, na qual o secretário Gilberto Kassab terá um peso importante. O partido hoje tem dois presidenciáveis, o governador de Paraná e o governador de Rio Grande do Sul. Hoje, me parece que o governador do Paraná leva vantagem. E você tem toda a razão. São perfis diferentes. O governador do Paraná surfa mais no eleitorado bolsonarista tradicional. Ele apoiou o ex-presidente durante a campanha. Tem um discurso mais à direita. O governador Eduardo Leite tem um discurso muito mais de centro, representa mais uma “terceira via”, em meio a um ambiente nacional tão polarizado como a gente tem hoje no País.

Diante da aparente fadiga de uma parcela da população com a polarização entre Lula e Bolsonaro (ou de seus familiares e aliados), como o sr. você vê a possibilidade dessa terceira via prosperar, atraindo esse contingente que não se sente confortável nesse quadro?

Acho bem difícil que uma candidatura que se posicione contra esses dois polos seja bem-sucedida. É possível que ela possa prosperar, mas, num ambiente carregado, de um país dividido, um discurso de centro é mais difícil de vingar, embora o governador Eduardo Leite tenha sido muito bem-sucedido no Rio Grande do Sul. Ele acredita que existe um caminho para poder perseguir uma candidatura alternativa, a despeito desse país dividido, mas seu primeiro desafio será superar a escolha dentro do seu novo partido. E aqui, mais uma vez, me parece que o governador do Paraná tem uma vantagem nessa escolha.

A que o sr. atribui essa dificuldade de uma candidatura do chamado “centro democrático” decolar?

A raiz desse ambiente altamente polarizado é um desencanto profundo de grande parte do eleitorado com várias instituições. Há um desencanto profundo em relação ao Judiciário, à classe política, à mídia, aos ricos, aos poderosos, aos corruptos. Existe uma percepção muito forte de que o sistema está quebrado. Nesse ambiente, para atrair o eleitorado de direita, que tem esse descanto mais direcionado ao Judiciário e a uma parte da classe política, qualquer candidatura tem de falar para esse público. Evidentemente, nessa disputa a mira estará centrada no Supremo Tribunal Federal, em cima de decisões caracterizadas, de acordo com a direita, como censura.

Então, para uma candidatura de centro ser bem sucedida, vai precisar representar essa revolta contra o sistema, o que tende a ser mais difícil com os partidos de centro tradicionais. É possível até, como eu disse, que ela prospere, mas não adianta só apresentar um nome de centro para quebrar a polarização. Tem de ser alguém com credibilidade para lutar contra esse sistema, contra esse desencanto. Este é o requisito. Acho que as pessoas subestimam esse desencanto contra o sistema. E cada vez mais, para você ser um candidato competitivo na América Latina, em partes da Europa, nos Estados Unidos, você tem que ter de se apresentar com uma roupagem antissistema. É claro que existe um segmento do eleitorado que não tem esse grau de desencanto, mas para entrar na disputa contra esses dois polos e chegar ao segundo turno, qualquer que seja o candidato da direita no primeiro turno, fica mais desafiador.

Em que medida o Lula também representa esse “desencanto” e esse “sentimento antissistema” aos quais o sr. se refere?

Do lado da esquerda, o presidente Lula captura esse sentimento se posicionando como um candidato que defende o interesse dos pobres contra os ricos. Neste sentido, a reforma do Imposto de Renda, que tem boas chances de ser aprovada pelo Congresso, certamente vai ser utilizada na campanha como um benefício do governo para o andar de baixo, com a taxação do andar de cima. O programa de tarifas sociais, como o Vale Gás, também vai nessa direção. Claramente, o presidente Lula vai fazer uma campanha defendendo o eleitorado dele, de menos de R$ 2 mil de renda, com o qual ele perdeu um pouco de apoio dada a alta dos preços dos alimentos.

Christopher Garman: ‘O Tarcísio só vai concorrer à Presidência em 2026 se tiver o aval do Bolsonaro’

O cientista político afirma que, sem isso, governador de SP deverá buscar a reeleição, para não ser taxado de ‘traidor’ pelos bolsonaristas.

O sr. acredita que, desta vez, o candidato da direita vai conseguir o apoio do chamado “centro democrático” num eventual segundo turno contra Lula, especialmente se for um representante da família Bolsonaro, como a ex-primeira-dama Michele ou um dos filhos do ex-presidente?

Vai depender muito se haverá uma candidatura mais de centro, de um governador mais moderado, puramente anti-Lula e anti-Bolsonaro. Na eleição de 2022, tivemos a candidatura da atual ministra do Planejamento e ex-senadora Simone Tebet, cujo apoio ao Lula acabou sendo importante num segundo turno muito acirrado. Mas eu diria que o apoio desse candidato geralmente não é tão decisivo assim para o resultado da eleição. Se houver um desejo de mudança, o nome de Bolsonaro pode capitalizar esse sentimento.

Agora, é claro que qualquer nome da família Bolsonaro terá de fazer uma boa campanha. Não vai poder fazer uma campanha só atacando o Supremo. Terá de falar sobre os anseios da população, os temas econômicos, a questão do custo de vida, os temas sociais. Terá de haver todo um treinamento de uma candidatura da família Bolsonaro que vai ser importante para conseguir um bom resultado. A ex-primeira-dama, por exemplo, é um nome que ainda não foi testado. Ela nunca fez uma campanha nacional. Então, há uma série de questões sobre a capacidade de ela tocar uma campanha de forma disciplinada, num ambiente de livre debate. Nós temos ainda o Eduardo Bolsonaro, que também tem os seus passivos. O potencial eleitoral da ex-primeira-dama tende a ser maior. É uma mulher articulada, que pega um eleitorado que o ex-presidente teve dificuldade de atrair. Por isso, ela está acima dos filhos nas pesquisas, embora eles tenham mais experiência no campo político. Cada candidatura da família Bolsonaro tem seu passivo, mas eu acho que, mesmo sem o apoio de uma candidatura de centro, se houver desejo de mudança e uma campanha bem feita, ela terá plenas condições de prevalecer.

Hoje, muita gente, principalmente no campo da centro-direita e da direita, levanta questões relacionadas ao papel que o Supremo pode ter nas eleições, por meio da censura e do controle das redes sociais. Na sua avaliação, qual a influência que o STF pode ter no pleito de 2026?

Olha, esse vai ser um tema que a direita deverá usar como uma das suas bandeiras em 2026, contra um Supremo que supostamente extrapola os seus limites constitucionais, que tem tido um papel ativo na regulação das campanhas, que pesou a mão em vários casos nas penalidades sobre indivíduos que, supostamente, têm propagado fake news. Então, eu acredito que a direita vai colocar essa questão de forma contundente na campanha. Também acredito que o tema de defesa da democracia vai ser mais saliente e relevante para o eleitor da direita do que da esquerda, ao contrário do que aconteceu em 2022.

Na última disputa presidencial, a questão da defesa da democracia foi mais um tema do campo progressista, colocando o ex-presidente Bolsonaro como ameaça à democracia. E, evidentemente, essa visão continua presente no governo Lula. Mas, quando a gente olha as pesquisas, as preocupações do eleitorado lulista hoje em relação ao tema de democracia são quase inexistentes. A preocupação com a democracia já era, na verdade, mais das elites progressistas do que do eleitorado mais lulista. Agora, o perfil do eleitorado bolsonarista é um pouco diferente, de classe média, mais escolarizado, com uma renda um pouco maior. Então, nessa disputa eleitoral, é possível que, pela primeira vez, a preocupação com a democracia e a censura comece a aparecer nas pesquisas como um tema da direita e do eleitorado mais conservador e não da esquerda.

Até que ponto essa preocupação com a democracia pode ajudar a direita em 2026?

Não acredito que isso vai definir o resultado da eleição, mas é um tema que hoje mobiliza mais a direita. É provável que o ex-presidente seja condenado até o final deste ano nas investigações dos atos contra a democracia e o resultado eleitoral de 2022. Existe também a possibilidade de uma ação legal desfavorável contra um dos filhos, o Eduardo Bolsonaro. Então, é possível que a ameaça à democracia e a censura possam ter um papel importante na disputa. Mas eu acredito que o que vai fazer a diferença serão os temas mais econômicos e de renda, o custo de vida, a inflação.

Em 2022, a grande maioria do eleitorado votou no Lula por causa de temas econômicos e sociais, da questão da desigualdade. A gente tem de lembrar de que, em 2021, no fim do governo Bolsonaro, houve também um aumento expressivo da inflação, dos preços de alimentos. Esse surto inflacionário pós-covid afetou muito também o ex-presidente e ele só conseguiu se recuperar porque encaminhou um pacote de medidas de mais gastos, promovendo o aumento do Auxílio Brasil, a redução do preço da gasolina. Foi um pacote que realmente ajudou a recuperação do ex-presidente na reta final da campanha, mas ele acabou gastando tarde demais para virar a eleição. Nas pesquisas às quais eu tive acesso, a questão da democracia nem aparecia como um tema eleitoral.

Certamente haverá um ganho da direita no Senado. A pergunta é de quanto será. E certamente haverá uma pressão maior em cima do Supremo

Em 2026, pelo que tenho acompanhado, parece que aquela coisa do “pela democracia”, que impulsionou a candidatura do Lula em 2022, vai virar o “contra a extrema direita”. Recentemente, o presidente Lula afirmou que “a extrema direita não voltará a governar este país” e muitos de seus aliados do PT e de outros partidos têm batido na mesma tecla. Como o sr. analisa essa questão?

Nós temos uma disputa presidencial na qual cada lado enxerga o outro como uma ameaça existencial à democracia. Esta é uma das infelicidades do ambiente político que vivemos hoje. O fato de o Palácio Planalto e o presidente Lula enxergarem o campo oposicionista como um grupo antidemocrático influencia a tomada de decisões sobre política econômica, influencia a maneira como eles enxergam 2026, de que tem muito mais em jogo do que a mera sobrevivência desse governo. O campo oposicionista tem a mesma visão, no sentido de que há uma aliança política entre o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal e de que o Supremo está infringindo a liberdade de expressão, ao reagir a uma direita que coloca na mira os próprios tribunais. Então, é difícil evitar esse ambiente carregado.

Para a gente terminar, gostaria de falar sobre a eleição para o Congresso. O presidente Lula disse também recentemente que a esquerda precisa ter maioria no Senado, porque, se isso não acontecer, a oposição “vai avacalhar o Supremo”. Como o sr. vê essa declaração do Lula e a perspectiva de o Senado ser dominado pela oposição na próxima legislatura?

Sem dúvida nenhuma, a direita vai avançar no número de cadeiras no Senado. Existe um foco muito grande em buscar a maioria no Senado para enfrentar o Supremo nesses temas de censura. Pelas nossas contas, é claro que a direita vai avançar, mas talvez ainda talvez não chegue ao ponto de obter maioria para poder encaminhar um impeachment contra um ministro do Supremo. Você pode ter candidatos de centro-direita que se opõem a ações do Supremo, mas que não estão dispostos a apoiar medidas mais duras. Agora, certamente a direita mais raiz, a direita bolsonarista terá mais votos, mais cadeiras. A direita está se organizando, lançando nomes fortes. O presidente Bolsonaro está focado no Senado também. Caso não disputem a Presidência, um de seus filhos, o Eduardo Bolsonaro, e a Michele Bolsonaro devem concorrer ao Senado.

O Presidente Lula está fazendo movimentos de defesa, ao ver a direita se organizando para controlar o Senado, tentando lançar nomes mais competitivos para o Senado. Vai ser uma tarefa difícil. No fundo, acho que o governo Lula pode até tentar fazer contenção de danos, mas certamente haverá um ganho da direita no Senado. A pergunta é de quanto será. E certamente haverá uma pressão maior em cima do Supremo, não só em relação ao impeachment de um ministro, mas também em relação a medidas que possam limitar os poderes do próprio Supremo. Há várias PECs (Propostas de Emenda Constitucional) em tramitação no Senado que vão nessa direção.

 

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