domingo, 29 de junho de 2025

Crise de hegemonia do governo vai além do Congresso – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O Centrão farejou o animal ferido na floresta, a oposição bolsonarista foi para cima, o mercado não aceita financiar a "economia do afeto" — e a reeleição subiu no telhado

O veterano deputado Rui Falcão (PT-SP) defende a tese de que o governo Lula está em disputa, porém, os aliados do Centrão não fazem questão de cargos e verbas — eles querem o poder. O sinal veio logo depois das eleições municipais, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ensaiou atrair para o governo os ex-presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que declinaram.

As eleições municipais revelaram que o governo perdera a hegemonia política. Hegemonia, a palavra-chave por trás da afirmação "governo em disputa",  fora entendida de cabeça para baixo. O conceito é associado ao controle do poder e exercício da força. Entretanto, não se tratava de cargos e verbas da Esplanada, mas da conquista de corações e mentes dos eleitores. Hegemonia depende do consentimento, é fruto da satisfação popular, de consensos sociais e requer liderança moral.

O campo de alianças do PT na Câmara está restrito a uns 130 deputados. A "cultura do rechaço" com que hegemonizou a esquerda deveria ter sido deixada de lado na chegada ao poder. A atuação petista na Câmara, em oposição ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, talvez seja o melhor exemplo.

No poder, Lula consolidou sua liderança popular com base na "economia do afeto",  a essência do "lulismo", ao promover expressiva transferência de renda para a população de baixa renda. Para isso, escalou os programas de "focalização" do gasto público nos mais pobres, com destaque para o Bolsa Família, que hoje beneficia 53,8 milhões de pessoas. Entretanto, as políticas públicas são insuficientes na saúde, na educação e na segurança. E o identitarismo, muitas vezes, pauta prioridades.

Historicamente, o "capitalismo do compadrio" e o velho patrimonialismo caminham de mãos dadas, com transferência de renda do Estado para setores empresariais e corporações privilegiadas: 1% da população concentra renda superior à soma dos 50% mais pobres. Após 2002, para redistribuir renda, Lula havia se beneficiado da expansão da economia mundial; do impacto do Plano Real no consumo da população e do chamado "bônus demográfico"; o aumento da renda média das famílias, em decorrência da redução do número de filhos e das aposentadorias, pensões e benefícios de prestação continuada (BPCs).

Em resposta à crise mundial de 2008, porém, houve uma mudança de orientação econômica, calcada na forte expansão do gasto público e do crédito popular. A chamada "nova matriz econômica" viria a se consolidar no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. No segundo, porém, entrou em colapso, o que provocou inflação e impopularidade. Essa foi a causa de seu impeachment, ao lado da perda da bandeira da ética para a oposição.

Governabilidade

Não se fala de corda em casa de enforcado, mas vamos lá. O PT optou pela narrativa do golpe para lidar com esse fracasso, em vez de refletir sobre suas verdadeiras causas e encarar de frente a crise de imagem, decorrente do escândalo de Petrobras. Dilma tentou resgatá-la com a famosa "faxina", mas teve que enfiar a viola no saco. E a Operação Lava-Jato desconstruiu a identidade parlamentar tecida no combate à corrupção, sobretudo no impeachment de Fernando Collor de Mello, e que já havia sido abalada no Escândalo do Mensalão.

Sem subestimar a decisiva força eleitoral de Lula, bem como o enraizamento e a resiliência do PT, a vitória eleitoral de 2022 foi possível por causa da alta rejeição do ex-presidente Jair Bolsonaro, em grande parte decorrente do negacionismo na pandemia. Os votos das mulheres e dos nordestinos, e, no segundo turno, a reação dos setores centristas que viam a democracia ameaçada, trouxeram Lula de volta ao poder. Entretanto, isso não lhe deu a liderança moral da sociedade. Por quê?

Essa é a pergunta que desafia o governo Lula. A bandeira da ética permanece nas mãos da oposição. Esse resgate depende da realização de um governo sem escândalos. Por essa razão, as fraudes nos descontos de aposentados do INSS abalaram a popularidade do presidente, apesar de os indicadores de emprego e renda da economia serem positivos.

O Centrão farejou o animal ferido na floresta. A oposição bolsonarista foi para cima. O mercado não aceita financiar a "economia do afeto". Lula ainda disputa a liderança moral com seu humanismo, porém, sua empatia com os mais pobres depende de resultados, da picanha e da cervejinha. O desequilibro fiscal embaralha tudo. A opção preferencial pelos mais pobres depende da econometria e não da narrativa classista. Ideologia não enche a barriga. Patrimonialista, o Congresso pode colapsar a governabilidade. Lula está numa sinuca de bico e depende de um freio de arrumação do Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar uma grave crise institucional. Resultado: sua reeleição subiu no telhado.

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