Bomba fiscal exige ajuste de 3% do PIB
O Globo
Cálculo do Banco Mundial deve orientar
Executivo e Legislativo em programa para conter dívida pública
Um novo relatório do Banco Mundial descreve como o Brasil criou uma bomba fiscal que, para ser desarmada, exige um ajuste nas contas públicas da ordem de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). A constatação não é nova nem surpreendente. Mas é importante ter a dimensão do desafio. Em vez de travar batalhas políticas estéreis, Executivo e Legislativo deveriam se debruçar sobre o estudo. Não porque seja à prova de crítica, mas porque expõe um problema que a classe política brasileira finge não existir ou não reconhece em sua plena extensão. “É fundamental interromper a trajetória de crescimento da dívida pública”, afirma o relatório. Do contrário, estarão em risco a estabilidade econômica e, com ela, qualquer ambição de desenvolvimento social.
O documento reforça a necessidade de
controlar os gastos e sugere uma lista de medidas: reduzir privilégios no setor
público, desvincular o salário mínimo dos benefícios previdenciários, rever
programas ineficazes como abono salarial ou seguro-desemprego, reformar
aposentadorias e pensões dos militares, além de promover ampla reforma
administrativa. Outras sugestões se voltam para incrementar as receitas:
ampliação da base do Imposto de Renda, aumento da alíquota em impostos rurais e
fim de isenções e benefícios tributários, sobretudo sobre combustíveis e
atividades com impacto negativo sobre o clima. É possível divergir sobre um ou
outro item da lista, mas não sobre o diagnóstico.
O quadro é grave. A dívida brasileira é alta
para os parâmetros internacionais. Medida como proporção do PIB, cresceu mais
de 20 pontos percentuais desde 2013 e se aproxima de 80% — 22 pontos acima da
média dos países no mesmo estágio de desenvolvimento e 18 acima da
latino-americana. O resultado é uma espiral negativa. “Quando os níveis da
dívida sobem, o aumento resultante nos pagamentos de juros gera um ônus
adicional”, afirma o relatório. Sem ajuste fiscal, o Brasil se descolará
totalmente de seus pares, ultrapassando em breve a marca dos 100%.
Passou da hora de dar um basta no
descontrole. A bomba fiscal brasileira é resultado da irresponsabilidade
crônica de quem ocupa o poder. Entre 2006 e 2024, as despesas públicas deram um
salto. Até 2013, correspondiam a 40,2% do PIB — patamar já alto. Entre 2014 e
2024, alcançaram 44,2%. Vale lembrar: o Estado não gera riqueza, apenas
redistribui o que coleta da sociedade na forma de impostos. E aumentá-los sem
limite, como quer o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, equivale a
asfixiar o setor produtivo.
A carga tributária brasileira, mesmo
excluindo contribuições sociais, é uma aberração. Estimada pelo Banco Mundial
em 23,7% do PIB, é 8,2 pontos maior que a latino-americana e 8,8 pontos
superior à de países em mesmo estágio de desenvolvimento. Com um peso desses,
fica difícil a economia girar.
Como destacou ao GLOBO o economista Cornelius Fleischhaker, do Banco Mundial, o salário mínimo deve proteger o trabalhador de condições abusivas. Pensões e aposentadorias nada têm a ver com isso. Devem ser calculadas para preservar idosos da pobreza. O mesmo vale para ajudas assistenciais. Não faz sentido atrelá-las ao mínimo. Esse é um dos nós que governo e Congresso devem desfazer. É o mais urgente, mas há muitos outros. Não adianta fingir que está tudo sob controle e nada de ruim acontecerá. A hora é de ação. A meta é um ajuste de 3% do PIB.
Compartilhamento de dados médicos melhorará
atendimento aos pacientes
O Globo
Tomados os devidos cuidados, projeto que
integra informações de saúde trará agilidade e evitará desperdício
É positivo o projeto que prevê
compartilhamento de informações sobre a saúde de pacientes atendidos por
hospitais e laboratórios, inclusive o SUS. A ideia se inspira no conceito, já
em operação, de finanças abertas, ou open finance, a troca de cadastros entre
diversas instituições financeiras, facilitando autorização e prestação de
serviços. Quando o projeto estiver implementado na saúde, a primeira consulta
jamais começará da estaca zero, mesmo que o paciente esteja noutro estado. Num
pronto-socorro, não será mais preciso avisar se alguém tem alergia, descrever
remédios de uso contínuo, dizer se segue tratamento ou passou por cirurgia.
Também haverá menos exames redundantes, uma das causas do alto custo da saúde.
O acesso rápido às informações de saúde
reduzirá o tempo dos atendimentos, em benefício dos próprios pacientes e do
sistema como um todo. Conduzido pelo Inova HC, núcleo tecnológico do Hospital
das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), o projeto já inclui diversos
hospitais privados da capital paulista, como Sírio-Libanês, Beneficência
Portuguesa, Oswaldo Cruz, e as redes de laboratórios e hospitais Dasa, Fleury e
Sabin. A previsão é que o sistema comece a funcionar em seis meses.
A rede de farmácias RD (Raia e Drogasil) e o
Bradesco Saúde estão em fase final de acerto para participar do projeto.
Drogarias compartilhariam dados como testes rápidos e vacinas aplicadas.
Integrado ao SUS, o sistema ajudaria Ministério
da Saúde e secretarias estaduais a atuar de forma preventiva contra
epidemias. A central de prontuários agilizaria autorizações de procedimentos
pelos planos de saúde e facilitaria pagamentos aos hospitais.
“Todo o setor ganhará muito, mas
principalmente o paciente, com prontuário e histórico à disposição para
acompanhar a própria saúde e tomar decisões”, afirma Ana Estela Haddad,
secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde. De acordo com
ela, o SUS já conta com uma plataforma de operação integrada. Informações de
municípios, estados e instituições federais estão disponíveis na Rede Nacional
de Dados em Saúde e seguem um padrão recomendado pela Organização Mundial da
Saúde. Deveria haver integração das duas plataformas.
Evidentemente, como no caso do open finance,
é preciso tomar cuidados para impedir violações à privacidade ou uso indevido
das informações. “Ninguém pode ser impedido de contratar um plano de saúde ou
obter acesso a atendimento por causa de seu histórico de saúde”, diz Ana Maria
Malik, professora do FGVsaúde. “Os propósitos no uso das informações são o
cuidado e a qualidade do atendimento.” Ela também defende o veto do acesso ao
banco de dados por empregadores, que podem usar o histórico de saúde para negar
contratações. Não pode haver “seleção de risco”, diz Marina Paullelli,
coordenadora do programa de saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor. Mas não há motivo para, tomados os devidos cuidados, deixar de
levar o projeto adiante.
STF incentiva tumulto e censura ao legislar
sobre a internet
Folha de S. Paulo
Ao substituir dispositivo aprovado em 2014
pelo Congresso por regramento vago, corte fragiliza a liberdade de expressão
A maioria dos ministros do Supremo Tribunal
Federal já havia decidido, há duas semanas, cometer o erro de derrubar um
dispositivo legal sobre conteúdos na internet aprovado
pelo Congresso há mais de dez anos, cujo texto explicita o "intuito de
assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura".
Faltava avançar com um segundo erro: arbitrar
de modo casuístico um novo regramento sobre o tema, atropelando a competência
dos legisladores eleitos. Isso
foi feito na quinta-feira (26).
Por 8 votos a 3, o STF declarou
parcialmente inconstitucional o artigo 19 do Marco
Civil da Internet, de 2014, segundo o qual as redes sociais só poderiam ser
responsabilizadas por postagens de usuários se descumprissem ordem judicial de
remoção.
Depois de confabulações durante um almoço
prolongado antes da sessão, os magistrados resolveram impor, entre outras
normas laterais, uma
lista de conteúdos a serem removidos de imediato, antes de determinação da
Justiça, pelas plataformas.
Nesse rol estão publicações que configurem,
por exemplo, terrorismo, pornografia infantil, discriminação racial, tráfico de
pessoas, indução ao suicídio, violência contra
mulheres e condutas que atentem contra a democracia e o Estado de Direito.
Não é segredo para ninguém que foi este
último item da lista que de fato moveu a decisão da corte —com
as exceções dos ministros André Mendonça, Edson Fachin e Kassio Nunes
Marques. E é aí que residem os maiores riscos da corrente cruzada pela
regulação das redes sociais.
Se a pornografia infantil pode ser facilmente
identificada, para ficar num único caso, o mesmo não se dá com o que pode ou
não caracterizar um ataque à democracia. Interpretações elásticas de
magistrados nessa seara terão o potencial de incentivar censura a meras
críticas, contestações e embates políticos.
Ainda que não tenham prevalecido
entendimentos mais radicais sobre a responsabilização das plataformas, tampouco
resta claro como serão aplicados os ditames do Supremo.
A tese de repercussão geral aprovada
estabelece que não haverá punição para episódios isolados, mas sim quando se
detectar "falha sistêmica" —definida como "deixar de adotar
adequadas medidas de prevenção ou remoção dos conteúdos ilícitos".
Não é difícil imaginar que uma norma tão vaga
vá provocar questionamentos judiciais de todo tipo, fomentando insegurança.
Não parece por acaso que o texto do STF faça
o que soa como reconhecimento de sua intervenção canhestra: "Apela-se ao
Congresso Nacional para que seja elaborada legislação capaz de sanar as
deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais".
Ocorre que a lei já existe, e eventuais
aperfeiçoamentos dependem de entendimentos políticos. Quem fragilizou um
direito fundamental, o da livre expressão, foi a corte mais alta do país.
Em vez de ajuste, gambiarra
Folha de S. Paulo
Governo faz economia enganosa ao permitir
aumento da fila por benefícios do INSS, o que só adia pagamentos inevitáveis
O aumento da fila de espera do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) expõe a
preocupante combinação de incapacidade administrativa na gestão de benefícios,
prioridades equivocadas e gambiarras para adiar despesas inevitáveis por parte
do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT).
Os pedidos de benefícios previdenciários em
análise atingiram 2,7 milhões em abril, num salto ante o 1,4 milhão de junho do
ano passado. Segundo o INSS, o estoque teria caído para 2,4 milhões em junho
deste ano.
Como revelou a Folha, o acúmulo de
demandas reflete decisões do governo, sob orientação da Casa Civil e
do Ministério
da Fazenda, no sentido de priorizar
revisões de benefícios e apurações de irregularidades em detrimento da
análise de pedidos.
O represamento gera economia imediata,
reduzindo o impacto do descontrole fiscal, mas cria uma conta futura com
correção monetária e juros, que a
União inevitavelmente terá de pagar.
Simulações feitas por este jornal apontam
para gasto
extra de ao menos R$ 13,7 bilhões neste ano, na hipótese de que a
regularização ocorra em três meses, sem pagamentos retroativos.
Já se vive um contexto de esgotamento
orçamentário. Os ministérios econômicos determinaram congelamento de R$ 31
bilhões de gastos programados para este ano —dos quais R$ 10,6 bilhões
bloqueados para compensar a alta de despesas obrigatórias, que dispararam a
partir das más escolhas da administração petista.
Combater fraudes e irregularidades deveria
ser prática cotidiana, mas não à custa da tempestividade da concessão de
benefícios para quem tem direito.
Além da irresponsabilidade de postergar
pagamentos para o futuro, fica evidente a deficiência de gestão e competência
tecnológica. As fraudes em programas de transferência de renda, por exemplo,
são visíveis em inúmeros casos no noticiário.
Esforços pontuais não resolverão o problema,
que decorre da falta de uma base de dados robusta e de ferramentas adequada
para o uso dessa informação. A modernização do INSS, com sistemas digitais
integrados e inteligência
artificial para agilizar análises, é imprescindível.
Um cadastro unificado e atualizado poderia
reduzir erros, acelerar processos e identificar irregularidades sem comprometer
a análise de novos pedidos.
Contudo o governo Lula, além de ter promovido aumento contínuo e insustentável de gastos que não se dispõe a rever, tampouco parece capaz de ir além do improviso costumeiro na gestão.
Supremo bagunça as redes sociais
O Estado de S. Paulo
Ao desfigurar o Marco Civil e fazer das redes
sociais um campo minado de regulações confusas, STF criou um sistema
autoritário e nebuloso, alimentando a insegurança jurídica
Com o julgamento encerrado, já se pode dizer
sem exagero: o Supremo Tribunal Federal (STF) instaurou o regime mais confuso
de responsabilização de plataformas digitais entre todas as democracias
liberais. A decisão marca o fim de um modelo internacionalmente reputado – o do
Marco Civil da Internet, aprovado após amplo debate democrático – e, em nome de
uma cruzada moral contra as big techs, inaugura uma era de opacidade
normativa, censura preventiva e centralização sem precedentes.
Até agora, vigorava um critério simples,
claro e garantista: plataformas só poderiam ser responsabilizadas por conteúdos
de terceiros se descumprissem ordem judicial de remoção. Com isso, evitavam-se
tanto o arbítrio estatal quanto o pânico corporativo, incentivando a mediação
judicial e desestimulando abusos. Em lugar de um modelo previsível, foram
criados quatro regimes aplicáveis conforme o tipo de conteúdo, o contexto, a
percepção da plataforma ou, como sugeriu o especialista Ronaldo Lemos em postagem
no X, a “sabedoria” do céu. No Brasil, a segurança jurídica virou um pedido de
oração.
A tese do STF prevê obrigação de remoção sem
ordem judicial para uma lista ampla e vaga de ilicitudes, como “conteúdos que
propagam ódio”, “condutas e atos antidemocráticos” ou “discriminação”. A
responsabilidade subjetiva, pilar do sistema, foi substituída por uma
“presunção de responsabilidade”, sem definição clara. Nem os ministros parecem
concordar sobre o que isso significa – e a tese foi fixada a portas fechadas,
num almoço casual, como se a Corte constitucional fosse uma corte absolutista.
O contraste com o Direito europeu, tantas
vezes invocado, não poderia ser mais flagrante. Na União Europeia, as
obrigações mais rigorosas do Digital Services Act aplicam-se só a
plataformas com mais de 45 milhões de usuários. Aqui, aplicam-se a tudo: do
Google a fóruns de nicho, do Instagram ao Reclame Aqui. Lá, as regras foram
deliberadas democraticamente. Aqui, foram improvisadas pelo Judiciário.
O cenário é sombrio: sob risco de punição, as
plataformas removerão conteúdos preventivamente. Como distinguir, sem ordem
judicial, o que é “manifestamente ilícito”? Críticas à presença de mulheres
trans em esportes femininos serão “conteúdos que propagam ódio”? Um empresário
virou réu por sugerir a revisão de benefícios fiscais a pessoas com
deficiência. O presidente da República, que se recusa a classificar o Hamas
como grupo terrorista, já chamou articulações de adversários de “terrorismo”.
Mesmo o que pareceria óbvio é subjetivo e dependente de contexto. Mas a nova
regra presume que empresas privadas saibam mais que juízes.
E elas não têm escolha: submetidas a regras
vagas, custos elevados de conformidade e riscos jurídicos imprevisíveis, as
pequenas e médias plataformas enfrentarão um fardo que poucas suportarão.
Diferentemente das grandes corporações, que contam com departamentos jurídicos
robustos e recursos para automatizar a moderação de conteúdo, os menores serão
forçados a remover conteúdos em massa por precaução – ou abandonar o mercado. O
novo regime, ao invés de disciplinar os gigantes, os blinda da concorrência,
inibe a inovação e empobrece o ecossistema digital, onde a pluralidade de
plataformas é tão essencial quanto a pluralidade de opiniões.
Tão preocupante quanto o conteúdo da decisão
é sua forma. A Corte fabricou exceções onde a Constituição exige lei, e o fez
com o entusiasmo de quem se vê investido de uma missão redentora: salvar a
democracia, reeducar a sociedade, recivilizar o País. Para os togados, parece
pouco guardar a Constituição – é preciso moldar a cultura.
Mas toda cultura moldada sob coerção tem algo
de totalitário. E toda democracia que entrega o debate público ao arbítrio de
magistrados ou empresas privadas coagidas a censurar perde algo de sua alma.
A decisão do STF cria um precedente perigoso,
desfigura uma lei mundialmente respeitada e inscreve o Brasil no mapa das
democracias formais com práticas crescentemente autoritárias. O decano Gilmar
Mendes, em tom espirituoso, disse que todos na Corte são “admiradores do regime
chinês”. A frase, lida à luz do julgamento, tem menos de graça do que de
profecia.
Exemplo de como enfrentar uma crise
O Estado de S. Paulo
Com a adoção de protocolos rígidos e a união
de esforços entre autoridades do governo, Congresso e produtores rurais, Brasil
consegue debelar gripe aviária e retomar exportações de frango
Um mês após a confirmação de um foco de gripe
aviária em uma granja comercial no município de Montenegro, na região
metropolitana de Porto Alegre, o País retomou as exportações de frango para 16
países. Trata-se de um feito digno de comemoração e que evidencia o
profissionalismo do governo e do agronegócio na gestão dessa crise.
O registro do caso, em 15 de maio, mobilizou
as autoridades e a cadeia produtiva. Na granja em que a gripe aviária foi
detectada, o Ministério da Agricultura e Pecuária determinou o abate das aves
que não haviam morrido da doença, a destruição de todos os ovos e a instalação
de sete barreiras sanitárias para evitar que o vírus se espalhasse para
unidades vizinhas em um raio de dez quilômetros.
A rigidez do protocolo era justificada. O
Brasil é um dos maiores produtores mundiais e líder global na exportação de
frango. Mais de 30 países impuseram algum tipo de restrição às importações, e
embargos internacionais que durassem além do estritamente necessário imporiam
perdas relevantes ao setor e à balança comercial.
As vendas externas recuaram 12,9% em maio na
comparação com o mesmo mês de 2024, segundo a Associação Brasileira de Proteína
Animal (ABPA). De acordo com cálculos do Estadão/Broadcast, feitos com
base em dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), cerca de 123 mil
toneladas deixaram de ser embarcadas entre a confirmação do caso e os 14
primeiros dias de junho na comparação com igual período do ano anterior.
Novas suspeitas surgiram em todo o País, mas,
enquanto as investigações ocorriam, a diplomacia negociava a redução do alcance
dos embargos mundo afora. No México, por exemplo, o governo conseguiu que as
restrições ao frango brasileiro se limitassem à produção oriunda do Rio Grande
do Sul. Protocolos acordados previamente com o Japão permitiram que a suspensão
das compras fosse imposta apenas aos municípios atingidos.
Felizmente, os poucos registros confirmados
nas últimas semanas – nove, ao todo – se limitaram a aves silvestres e
domésticas. Assim, o País pôde declarar-se livre de gripe aviária em 18 de
junho em plantéis comerciais, status sanitário que foi oficialmente reconhecido
pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) no dia 26.
As exportações foram retomadas para Egito,
Iraque e Marrocos, entre outros destinos, mas o embargo continua em vigor em
mercados relevantes como União Europeia e China, além de Chile, Filipinas,
Peru, Canadá, Malásia, Índia e Paquistão. A retomada dos embarques, a partir de
agora, depende das autoridades sanitárias de cada país.
Embora o vírus circule pelo mundo desde 2003,
o único caso em granja comercial no País ocorreu no mês passado, o que
demonstra a robustez do controle sanitário brasileiro. A título de comparação,
nos Estados Unidos, um surto iniciado em 2022, e que é um dos fatores por trás
da disparada dos preços dos ovos, já dizimou cerca de 170 milhões de aves em
quase 800 plantéis comerciais no país.
Até a disputa política entre o governo Lula
da Silva e a bancada do agronegócio no Congresso teve trégua nesse período. Em
vez de uma indesejável e inoportuna troca de acusações entre as partes, o que
se viu foi a união de esforços para conter os focos, preservar mercados e
assegurar a ampla adesão dos produtores às medidas de controle e prevenção.
Como a gripe aviária é altamente contagiosa,
não há garantia de risco zero, mas protocolos sempre podem ser aprimorados e as
equipes de fiscais devem ser reforçadas. O País deve investir na regionalização
dos acordos comerciais para garantir que, em caso de reincidência, os embargos
comerciais tenham abrangência reduzida.
No Congresso, propostas para criar um fundo
nacional sanitário para indenizar produtores cujos plantéis forem atingidos
pela doença estão em discussão e contam com o apoio do ministro Carlos Fávaro.
Há boas lições a serem tiradas dessa experiência, que, a despeito dos
prejuízos, pode inspirar autoridades públicas e o setor privado a se unirem na
busca de soluções conjuntas para outros problemas crônicos que atingem o País.
Populismo com a dor alheia
O Estado de S. Paulo
Ao mudar a lei casuisticamente, Lula da Silva
fez de palanque a morte de Juliana Marins
A trágica morte de Juliana Marins, na
Indonésia, comoveu o Brasil. Nas redes sociais, entre as incontáveis mensagens
de pesar e apoio à família da publicitária fluminense, logo surgiram cobranças
para que o governo federal, por meio do Ministério das Relações Exteriores,
providenciasse o traslado do corpo da jovem até o Brasil.
Em sôfrega busca por reverter a queda de sua
popularidade com vistas à eleição de 2026, o presidente Lula da Silva resolveu
explorar a comoção nacional e fazer populismo rasteiro com a dor alheia. A
comoção é legítima. O sentimento de luto é mais que compreensível. O que não se
justifica é o uso político-eleitoral de uma tragédia pessoal por parte do
presidente da República.
Foi exatamente o que Lula da Silva fez ao
editar o Decreto 12.535/2025, que alterou o Decreto 9.199/2017 e passou a
autorizar, entre outras hipóteses, o custeio com recursos públicos do traslado
de corpos de brasileiros mortos no exterior se “o falecimento ocorrer em
circunstâncias que causem comoção”. Ora, comoção não é nem nunca foi fator
considerável na formulação de uma política pública. Afinal, como se afere seu
grau? Quem determinará que casos causaram ou não comoção?
A norma anterior era claríssima: a
assistência consular “não inclui o pagamento de despesas com sepultamento e
translado de corpos de brasileiros falecidos no exterior, nem despesas com
hospitalização, exceto em casos médicos específicos e atendimento emergencial
de caráter humanitário”. A razão por trás dessa limitação não é
insensibilidade, mas prudência. O Orçamento da União é finito e, portanto,
precisa ser previsível e regido por critérios objetivos. Se tragédias podem ser
cobertas por seguros de viagem – amplamente disponíveis e de baixo custo para
os viajantes –, não há razão em transferir ao contribuinte brasileiro o ônus de
arcar com eventos de natureza essencialmente privada.
Do ponto de vista prático, o caso já estava
resolvido. A prefeitura de Niterói (RJ), cidade natal de Juliana Marins, e o
ex-jogador de futebol Alexandre Pato já tinham se prontificado a custear o
traslado do corpo da jovem. A intervenção de Lula da Silva, como fica evidente,
foi claramente oportunista.
Ao flexibilizar a regra com base em algo tão
imponderável quanto “comoção”, Lula da Silva deixou o terreno da política
pública para, bem a seu feitio, praticar populismo sentimental. O presidente da
República deveria ter se limitado a prestar condolências à família de Juliana
Marins, garantir a prestação de atendimento consular aos brasileiros que estão
na Indonésia para reaver o corpo da jovem e transmitir uma mensagem de conforto
para todos os brasileiros. A lei teria sido respeitada e o petista teria cumprido
à risca seu papel de chefe de Estado e de governo.
A exploração política de uma tragédia íntima
para fins eleitorais foi um desrespeito não apenas à jovem que perdeu a vida,
aos seus familiares e amigos. Foi uma afronta aos princípios republicanos.
Definitivamente, não é assim que se governa um país.
Responsabilidade das redes sociais
Correio Braziliense
Os critérios estabelecidos pelo STF
representam um avanço, na medida em que reforçam os princípios constitucionais
da dignidade humana
O Supremo Tribunal Federal deu uma importante
contribuição para a sociedade brasileira ao definir parâmetros de
responsabilização civil para as redes sociais. Em julgamento na semana passada,
os ministros listaram um conjunto de medidas a serem seguidas pelas plataformas
digitais, todas no sentido de tornar o ambiente digital mais seguro, civilizado
e obediente à lei. O ponto mais importante é o entendimento de que as empresas
passam a ser responsáveis por conteúdos ilegais ou ofensivos mesmo que não recebam
notificação judicial pelo que divulgam.
Merece registro, ainda, a orientação do STF
para que as plataformas digitais adotem o "dever de cuidado", ou
seja, tenham uma ação preventiva mais eficaz na remoção de conteúdos nocivos,
como incitação à violência, terrorismo, pedofilia e conspiração
antidemocrática. Devem ainda as empresas manter canais permanentes e
específicos de atendimento, preferencialmente eletrônicos, acessíveis e
amplamente divulgados.
Ao deliberar sobre o tema, a maioria dos
ministros identificou uma inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco
Civil da Internet, em vigor desde 2014. Entenderam os integrantes da Corte que
o dispositivo era insuficiente para garantir os direitos fundamentais dos
cidadãos e a democracia, cabendo, portanto, as correções definidas em plenário.
Atento à sensibilidade do tema, o presidente
do STF, ministro Luís Roberto Barroso, salientou que a decisão não implica uma
interferência no Poder Legislativo, que tem a prerrogativa de estabelecer
normas para a vida digital no Brasil. "O tribunal não está
legislando", asseverou. Com efeito, o julgamento precisa ser visto como um
balizamento necessário ante a lacuna normativa que se perpetua desde o
arquivamento, pelo Congresso Nacional, do projeto de lei que regulamentava as
redes sociais.
Os critérios estabelecidos pelo STF
representam um avanço, na medida em que reforçam os princípios constitucionais
da dignidade humana. É preciso assegurar os direitos fundamentais à vida e à
segurança dos cidadãos, que diariamente são atingidos no meio virtual. Esse
perigo é substancialmente maior em se tratando de crianças e adolescentes,
vulneráveis à exposição massiva ao universo digital.
Note-se que o julgamento do STF não se
concentrou no uso político das redes sociais, outro debate rumoroso no mundo
inteiro. Essa questão, ainda não resolvida, coloca-se de forma relevante na
medida em que os donos das big techs, adeptos do ultraliberalismo econômico,
demonstram pouco apreço por princípios democráticos e flertam com líderes
políticos de tendência autocrática. No caso específico do Brasil, espera-se que
o país encontre a medida justa para as redes sociais funcionarem como a ágora
do nosso tempo, preservando a democracia de movimentos golpistas.
A força cultural e econômica das festas juninas
O Povo (CE
Consideradas celebrações ricas e diversas, as
festas juninas mantêm sua tradição na região Nordeste, estendendo-se a outros
estados. Marcados pelo cenário festivo musical do forró, das animadas
quadrilhas e das comidas típicas, os festejos encontram um pretexto na
comemoração religiosa de Santo Antônio (no dia 13 de junho), de São João (no
dia 24 de junho) e de São Pedro (no dia 29 de junho, neste domingo).
E é inegável que a Igreja Católica celebre a
memória destes três santos populares, os quais, cada um a seu modo, representam
um sinal de bondade, de fé e de vida de oração. Santo Antônio, frei franciscano
do período medieval, cultivou fortemente a virtude do bem, ajudando
principalmente a alimentar as pessoas pobres.
Pela fé católica, São João Batista foi o
responsável por anunciar a chegada de Jesus e por batizá-lo nas águas do rio
Jordão. Era conhecido por praticar a penitência e pregar chamando todos à
conversão. É tido como um grande testemunho do Evangelho. Também lembra-se, em
junho, o dia de São Pedro, o primeiro papa da Igreja, que completa a tríade dos
santos populares do mês. Teve o papado mais longo da história, durante 37 anos,
e foi chamado por Jesus como "o pescador de homens". Não à toa, ocorre
em Fortaleza, a cada 29 de junho, a tradicional Festa de São Pedro dos
Pescadores, considerada patrimônio imaterial da cidade, que inclui procissão
marítima na Praia do Mucuripe.
Além dos festejos religiosos, a celebração
cultural é caracterizada pela maciça participação popular, representando um
evento de significado também econômico para os locais em que é realizado. Basta
lembrar os grandes eventos que reúnem, neste período, milhares de pessoas no
Ceará e em outros estados do Nordeste. Congregam muitos que vão aproveitar a
festa, prestigiando a animação e fazendo movimentar a economia local.
Os turistas que chegam ao Nordeste reforçam a
força da festa que precisa se especializar para receber o público de forma
organizada e atraente. Assim, a geração de renda a partir daí passa por hotéis,
restaurantes e outros serviços locais, promovendo inclusive empregos
temporários.
É certo que, hoje em dia, os arraiais já se
disseminam em todas as regiões do País, misturando ritmos, gostos e cores. A
tradição se espalha por outros estados fora do Nordeste, popularizando uma
cultura ao mesmo tempo em que a diversifica.
Desse modo, além de prestigiar a cultura
junina, festejar esse período significa reforçar os valores de uma
nordestinidade fundamentada nos ritos populares de cada local e nos hábitos
tradicionais, que vão da culinária à dança, dos personagens à vestimenta.
Preservar essa expressão fortalece a identidade cultural de um povo ao tempo em
que intensifica o turismo e valoriza as tradições.
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