Folha de S. Paulo
Iniquidade horrível de renda não vai diminuir
com essa conversa; tiro pode sair pela culatra
Defender o "andar de baixo" e cobrar
mais "da cobertura" se tornou o mote da propaganda política
de Lula 3.
A mudança de atitude, ou de ênfase, é reação a campanhas e situações que imprensaram
de vez um governo com muitas fraquezas, várias causadas por tiros no pé. O
motivo imediato é um combate com o objetivo de remendar as contas públicas e
de manter
dinheiro para bancar planos de impacto eleitoral.
É obrigação atacar a aberrante desigualdade brasileira. Mas é duvidoso que um governo possa fazer algo de relevante a respeito no médio prazo (até meia década); menos ainda virá mudança com esses remendos no Orçamento. Os mais ricos têm de pagar o ajuste fiscal, mas o problema depende também de contenção de despesa.
É possível que programas sociais eficientes aumentem o nível de renda dos mais pobres. Nessa hipótese otimista de redistribuição de renda, a pobreza pode cair e a desigualdade aumentar (a renda dos mais ricos aumentaria por outros motivos).Além do mais, trata-se aqui de
redistribuição, via Estado: tirar de uns, dar a outros. E a distribuição? Isto
é, como ficam os rendimentos de trabalho e capital? Tributação, transferências
(redistribuição) e "rendas indiretas" (saúde, educação e outros
serviços públicos), podem atenuar a desigualdade, mas os resultados são
incertos e, na melhor das hipóteses, demoram. O
impacto maior é na pobreza, em seus muitos aspectos.
Estudos inspirados pelo economista francês
Thomas Piketty indicam que a desigualdade de renda pouco mudou de Lula 1 a
Dilma 1. São medidas mais precisas, que levam em conta a renda
declarada no IR, não apenas em entrevistas de pesquisas como a Pnad do
IBGE, que captam mal a renda dos 10% mais ricos e muitíssimo mal a renda do
0,1% mais rico.
A pobreza diminuiu, em boa parte por causa da
melhoria no trabalho. Salários podem crescer um tanto mais com certas políticas
(como aumento do mínimo, até certo limite) e outras, "estruturais"
(educação, melhora de infraestrutura em região pobre etc.) e, fundamentalmente,
com crescimento rápido do PIB. Mas aí já estamos falando de algo além de
redistribuição de renda.
Cerca de três quartos dos rendimentos
(medidos por pesquisas domiciliares) vêm do trabalho. No primeiro trimestre
deste ano, 23,6% dos domicílios do país não tinham NENHUMA renda de trabalho,
segundo o Ipea (esse número varia pouco). É uma pista de motivos de
desigualdade e pobreza. Por que o desemprego
é cronicamente mais alto no Nordeste? No primeiro trimestre deste 2025
era de 9,8% nessa região, de 7% na média nacional e de 4,2% no Sul.
Desigualdade enorme de capital (aplicações
financeiras e outras propriedades) impedem a queda da desigualdade, mas menos
no caso da pobreza. Pobres são mais tributados do que os mais ricos. É preciso
atacar esse horror, mas os resultados, quanto à desigualdade geral, são
incertos, repita-se.
A despesa com o Bolsa Família equivalia
a 0,3% do PIB em 2010, final de Lula 2; agora, a 1,4% do PIB. O BPC, foi de
0,6% do PIB para 1%. A desigualdade pouco se move. Sem redistribuição, talvez
aumentasse —a pobreza teria aumentado.
Políticas bem-intencionadas podem ser
contraproducentes. Inflação e instabilidade econômica (altas e baixas de
desemprego) prejudicam mais os mais pobres; com altas de juros, uma
decorrência, detentores de ativos financeiros tendem a ganhar.
Estimando melhoras na qualidade do debate, o
colunista sai de férias.
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