domingo, 29 de junho de 2025

Senhores das emendas - Bernardo Mello Franco

O Globo

Em dia de operação da PF, chefes do Congresso faltam a audiência sobre farra orçamentária

Na manhã de sexta-feira, a Polícia Federal deflagrou mais uma operação contra o desvio de emendas parlamentares. Os agentes apreenderam R$ 3,2 milhões em dinheiro vivo na casa de um ex-prefeito de Paratinga, no interior da Bahia. O município tem 30 mil habitantes e um dos piores índices educacionais do país. Agora debutou no noticiário nacional por causa de um escândalo de corrupção.

Enquanto os policiais ainda contavam os maços de dinheiro encontrados num guarda-roupa, o Supremo iniciou, em Brasília, uma audiência pública sobre as emendas. Os presidentes da Câmara e do Senado confirmaram presença, mas desistiram na última hora. Escaparam de um constrangimento e tanto. Durante mais de oito horas, economistas, pesquisadores e representantes da sociedade civil empilharam críticas ao Congresso pela farra orçamentária.

“Essa captura escandalosa do Orçamento não existe em lugar nenhum do planeta”, afirmou o procurador Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção. Ele disse que o avanço do legislativo sobre os cofres públicos viola a responsabilidade fiscal e deturpa as bases do regime presidencialista. “O Congresso foi mudando as regras do jogo, legislando para si e violando o princípio constitucional da separação dos Poderes”, sentenciou.

O economista Felipe Salto, ex-secretário de Fazenda de São Paulo, mostrou que o valor torrado pelas emendas disparou 700% em oito anos. Só em 2025, cada deputado poderá destinar R$ 37,3 milhões como quiser. Cada senador terá R$ 68,5 milhões. “As emendas, no patamar que estão, prejudicam a sustentabilidade fiscal e impedem o Executivo de exercer sua função, que é cuidar do Orçamento”, disse.

A cientista política Juliana Sakai, da Transparência Brasil, definiu o quadro atual como “catastrófico”. Ela lembrou que as decisões do Supremo para normatizar a liberação das emendas têm sido “constantemente dribladas” pelos parlamentares. “O Legislativo é beneficiário da opacidade das emendas parlamentares e não esconde seu incômodo com medidas de controle”, afirmou.

Deputados e senadores têm acusado o governo de agir em dobradinha com o ministro Flávio Dino, relator das ações que questionam a legalidade das emendas. Na audiência desta sexta, ele ressaltou que suas decisões foram referendadas por ministros indicados por cinco presidentes. “Não estamos tratando de um tema de interesse de um governo. Há interesse dos governos, os pretéritos e os futuros”, alertou.

As palavras foram corroboradas pelo governador de Mato Grosso, Mauro Mendes. Ruralista, filiado ao União Brasil e aliado de Jair Bolsonaro, ele definiu o inchaço das emendas como uma “anomalia”. “As emendas hoje servem mais como instrumento de gestão política e de interesses eleitorais do que de interesses maiores da sociedade. Parte dos parlamentares faz isso para tutelar suas bases e o processo eleitoral”, resumiu.

Na ausência de Hugo Motta e Davi Alcolumbre, advogados da Câmara e do Senado cumpriram a tarefa de defender o sistema como está. No início da semana, os senhores das emendas pressionaram o governo a liberar R$ 1,15 bilhão aos parlamentares. Depois de garantir o dinheiro, o Congresso humilhou o governo com a derrubada do decreto do IOF.

 

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