domingo, 29 de junho de 2025

Soam os tambores da guerra? - Raul Jungmann*

Correio Braziliense

A desglobalização ganha mais impulsão, com uma transformação profunda nas relações econômicas, políticas e sociais entre os países, marcada por maior ênfase no nacionalismo, na autossuficiência e na proteção de interesses locais

Ingressamos no que se afigura uma nova era de conflitos e tensões que reverberam por todo o planeta. Os sons das guerras atuais — na Ucrânia, no Oriente Médio, no Irã — não são apenas ecos de batalhas isoladas, mas sinais de uma transformação profunda na ordem mundial.

Podemos dividir em três eixos os conflitos e as guerras em curso. A decaída da governança global e do multilateralismo, com a falência gradual, mas acelerada de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho de Segurança e a Organização Mundial do Comércio (OMC), cada vez com menos voz e influência nas questões internacionais. 

A escalada de conflitos, que se proliferam nesse vazio de autoridade, coordenação e controle global. Diversas guerras e tensões estão acontecendo ao redor do mundo, como em Ucrânia, Israel, Estados Unidos e Irã, a disputa entre Arábia Saudita e Iêmen, além do conflito entre Paquistão e Índia. 

Em terceiro lugar, o rearmamento e o aumento de gastos militares, em proporções vertiginosas. Alemanha e Japão ampliaram seus investimentos em defesa em escala entre 21% e 28% do PIB, respectivamente, entre 2023 e 2024, enquanto União Europeia e Otan subiram os seus para 5% do PIB.

Em 2024, o gasto total em defesa alcançou US$ 4,3 trilhões, o que representa uma priorização maior do militarismo, às custas de investimentos em combate às mudanças climáticas e de infraestrutura. Além disso, foi considerado o ano mais conflitivo das últimas sete décadas, com 61 conflitos em 33 países ao redor do mundo, reforçando a escalada da tensão global.

São sinais alarmantes. Segundo o Conselho Europeu, "o aumento dos investimentos em defesa é fundamental para garantir a segurança e a soberania europeia diante de desafios crescentes, especialmente no contexto da crise na Ucrânia e das tensões com a Rússia".

 A confirmação dessa postura veio também da Otan. Em comunicado recente, o secretário-geral da organização, Mark Rutte, afirmou que "o aumento dos gastos em defesa por parte dos países europeus é um passo importante para fortalecer a aliança e garantir uma resposta coordenada às ameaças atuais".

Além das manifestações institucionais, as declarações de líderes como as do presidente francês, Emmanuel Macron, e as do chanceler alemão, Friedrich Merz, ao Financial Times reforçam a percepção de que esse aumento dos gastos em defesa não é pontual, mas busca posição mais autônoma e permanente, em movimento que traz riscos de uma escalada militar em detrimento do diálogo diplomático, que perde prioridade.

Macron diz que "a Rússia representa uma ameaça existencial para a segurança europeia e global" e que "é necessário que a Europa assuma uma postura mais firme e autônoma na sua defesa". Friedrich Merz afirma que "a Europa não pode mais depender exclusivamente de aliados distantes e deve investir mais em sua capacidade de defesa para garantir sua soberania".

Esse contexto fragmenta a ordem internacional, com retração do comércio global, aumento do protecionismo e mudanças nos acordos multilaterais, criando uma paisagem mais instável nas relações internacionais. Como reflexo, a desglobalização, que já vinha como tendência nos últimos anos, ganha mais impulsão, com uma transformação profunda nas relações econômicas, políticas e sociais entre os países, marcada por uma maior ênfase no nacionalismo, na autossuficiência e na proteção de interesses locais.

Entre os principais fatores que fortaleceram essa tendência, está a pandemia de 2020, que evidenciou a vulnerabilidade das cadeias de suprimentos internacionais e levou muitos países a repensarem suas estratégias de dependência externa. Como resultado, vimos uma retomada de políticas protecionistas, tarifas elevadas e uma maior ênfase na soberania nacional.

Foi assim que os minerais críticos e estratégicos passaram ao topo da geopolítica mundial, produzindo tensões entre grandes potências, como Estados Unidos, China e Rússia, contribuindo para a desaceleração do fluxo de comércio e investimentos internacionais numa guerra tarifária paralela aos embates militares — com pacotes de sanções econômicas, restrições comerciais e uma maior fragmentação das redes globais.

O Brasil, neste universo em crise, vive momento singular, marcado pelo potencial de suas reservas minerais e, mesmo ainda sem uma política de Estado que agregue valor à sua produção, é exportador de suprimentos indispensáveis a um equilíbrio distributivo menos desigual, com peso decisivo na segurança energética e alimentar.

Inseridos na América do Sul, não queremos a guerra, somos exportadores da paz.

*Raul Jungmann, diretor presidente do IBRAM, Instituto Brasileiro de Mineração

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