Correio Braziliense
A desglobalização ganha mais impulsão, com
uma transformação profunda nas relações econômicas, políticas e sociais entre
os países, marcada por maior ênfase no nacionalismo, na autossuficiência e na
proteção de interesses locais
Ingressamos no que se afigura uma nova era de
conflitos e tensões que reverberam por todo o planeta. Os sons das guerras
atuais — na Ucrânia, no Oriente Médio, no Irã — não são apenas ecos de batalhas
isoladas, mas sinais de uma transformação profunda na ordem mundial.
Podemos dividir em três eixos os conflitos e as guerras em curso. A decaída da governança global e do multilateralismo, com a falência gradual, mas acelerada de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Conselho de Segurança e a Organização Mundial do Comércio (OMC), cada vez com menos voz e influência nas questões internacionais.
A escalada de conflitos, que se proliferam
nesse vazio de autoridade, coordenação e controle global. Diversas guerras e
tensões estão acontecendo ao redor do mundo, como em Ucrânia, Israel, Estados
Unidos e Irã, a disputa entre Arábia Saudita e Iêmen, além do conflito entre
Paquistão e Índia.
Em terceiro lugar, o rearmamento e o aumento
de gastos militares, em proporções vertiginosas. Alemanha e Japão ampliaram
seus investimentos em defesa em escala entre 21% e 28% do PIB, respectivamente,
entre 2023 e 2024, enquanto União Europeia e Otan subiram os seus para 5% do
PIB.
Em 2024, o gasto total em defesa alcançou US$
4,3 trilhões, o que representa uma priorização maior do militarismo, às custas
de investimentos em combate às mudanças climáticas e de infraestrutura. Além
disso, foi considerado o ano mais conflitivo das últimas sete décadas, com 61
conflitos em 33 países ao redor do mundo, reforçando a escalada da tensão
global.
São sinais alarmantes. Segundo o Conselho
Europeu, "o aumento dos investimentos em defesa é fundamental para
garantir a segurança e a soberania europeia diante de desafios crescentes,
especialmente no contexto da crise na Ucrânia e das tensões com a Rússia".
A confirmação dessa postura veio também
da Otan. Em comunicado recente, o secretário-geral da organização, Mark Rutte,
afirmou que "o aumento dos gastos em defesa por parte dos países europeus
é um passo importante para fortalecer a aliança e garantir uma resposta
coordenada às ameaças atuais".
Além das manifestações institucionais, as
declarações de líderes como as do presidente francês, Emmanuel Macron, e as do
chanceler alemão, Friedrich Merz, ao Financial Times reforçam a percepção de
que esse aumento dos gastos em defesa não é pontual, mas busca posição mais
autônoma e permanente, em movimento que traz riscos de uma escalada militar em
detrimento do diálogo diplomático, que perde prioridade.
Macron diz que "a Rússia representa uma
ameaça existencial para a segurança europeia e global" e que "é
necessário que a Europa assuma uma postura mais firme e autônoma na sua
defesa". Friedrich Merz afirma que "a Europa não pode mais depender
exclusivamente de aliados distantes e deve investir mais em sua capacidade de
defesa para garantir sua soberania".
Esse contexto fragmenta a ordem
internacional, com retração do comércio global, aumento do protecionismo e
mudanças nos acordos multilaterais, criando uma paisagem mais instável nas
relações internacionais. Como reflexo, a desglobalização, que já vinha como
tendência nos últimos anos, ganha mais impulsão, com uma transformação profunda
nas relações econômicas, políticas e sociais entre os países, marcada por uma
maior ênfase no nacionalismo, na autossuficiência e na proteção de interesses
locais.
Entre os principais fatores que fortaleceram
essa tendência, está a pandemia de 2020, que evidenciou a vulnerabilidade das
cadeias de suprimentos internacionais e levou muitos países a repensarem suas
estratégias de dependência externa. Como resultado, vimos uma retomada de
políticas protecionistas, tarifas elevadas e uma maior ênfase na soberania
nacional.
Foi assim que os minerais críticos e
estratégicos passaram ao topo da geopolítica mundial, produzindo tensões entre
grandes potências, como Estados Unidos, China e Rússia, contribuindo para a
desaceleração do fluxo de comércio e investimentos internacionais numa guerra
tarifária paralela aos embates militares — com pacotes de sanções econômicas,
restrições comerciais e uma maior fragmentação das redes globais.
O Brasil, neste universo em crise, vive
momento singular, marcado pelo potencial de suas reservas minerais e, mesmo
ainda sem uma política de Estado que agregue valor à sua produção, é exportador
de suprimentos indispensáveis a um equilíbrio distributivo menos desigual, com
peso decisivo na segurança energética e alimentar.
Inseridos na América do Sul, não queremos a guerra, somos exportadores da paz.
*Raul Jungmann, diretor presidente do IBRAM, Instituto
Brasileiro de Mineração
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