quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Disputa prejudicial - Merval Pereira

- O Globo

Não tem o menor sentido a decisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de cancelar as negociações para a delação premiada dos executivos da empreiteira OAS pelo que chamou de “estelionato delacional”, ou seja, a divulgação de um documento com insinuações contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli que não foi apresentado oficialmente.

Tamanha falsidade mereceria uma investigação aprofundada, não o fim das negociações. Agindo assim, Janot está ajudando quem “plantou” essas acusações na revista “Veja” justamente, ao que tudo indica, para criar um clima antagônico entre o Ministério Público e o Supremo.

Não parece lógico que a própria OAS tenha interesse em estragar sua delação, pois, se fosse assim, bastaria que se recusasse a fazê-la. E também não faz sentido a desconfiança de Janot de que a empreiteira vazou a falsa delação para obrigar o Ministério Público a aceitar suas bases na negociação.


O episódio acabou revelando um sentimento crítico em relação à Operação Lava-Jato que já estava latente no ministro do STF Gilmar Mendes, surgindo aqui e ali em comentários ácidos sobre os procuradores de Curitiba. Como é de seu estilo, Gilmar Mendes saiu acusando os procuradores de terem vazado a delação para atingir o ministro Toffoli, que tomou decisões no processo da Lava-Jato que desagradaram aos investigadores de Curitiba, como o fatiamento do processo, encaminhando partes dele para outras instâncias que não Curitiba, e concedendo um habeas corpus para o ex-ministro Paulo Bernardo.

A ida de Toffoli para a Turma que cuida do processo do petrolão, no entanto, foi arquitetada pelo ministro Gilmar Mendes. Os ministros da Segunda Turma estavam incomodados, em março de 2015, com a falta do quinto nome do grupo, pois já há sete meses esperavam pela definição da presidente Dilma sobre o novo indicado ao STF, que completaria o plenário de 11 ministros.

Estavam preocupados não apenas com sua ausência, mas com a possibilidade de que o indicado fosse visto pela opinião pública como escolhido a dedo pelo Planalto para ajudar os petistas no julgamento.

A primeira medida cogitada foi realizar uma eleição informal para colocar na presidência da Turma no primeiro ano a partir de maio, quando se encerrava a presidência de Teori Zavascki, o decano Celso de Mello. Seria uma maneira de evitar que o mais novo indicado assumisse a presidência, para preservá-lo, e também o Supremo.

Embora o cargo seja só formal, é preciso conhecer o funcionamento da Casa, e sobretudo afastar qualquer dúvida sobre o encaminhamento dos trabalhos. Já acontecera isso quando a ministra Rosa Weber, recém-indicada ao STF, teria de assumir a presidência de uma das Turmas, e ela mesma pediu para ser substituída. Assumiu então o ministro Marco Aurélio, que era o mais antigo do grupo.

A ideia de completar o grupo com a transferência de um ministro da Primeira Turma tinha o objetivo de agilizar os trabalhos, pois algumas decisões teriam que ser tomadas, e o perigo de haver empate persistia. Há no regimento a possibilidade de chamar pontualmente ministros da outra Turma para desempatar votações, mas em casos criminais, como é o petrolão, o empate favorece o réu.

Para os procuradores, Toffoli se prestou a mudar de Turma com a intenção de proteger seus antigos companheiros petistas. Essa disputa entre ministros do Supremo e os procuradores de Curitiba se dá tendo como pano de fundo as medidas de combate à corrupção. Os procuradores acham que o projeto de abuso de poder desengavetado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, tem o objetivo de impedir a ação do Ministério Público, e ao mesmo tempo querem aprovar as 10 medidas de combate à corrupção, propostas em projeto de iniciativa popular com mais de 2 milhões de assinaturas.

Gilmar Mendes defende o projeto de controle do abuso de poder e critica as propostas de combate à corrupção, avaliando que os procuradores se consideram missionários e acima do bem e do mal, cultivando um espírito autoritário que muitas vezes se sobrepõe à própria legislação.

É uma disputa que só pode fazer mal às investigações e que ajuda os que querem melar os resultados da Operação Lava-Jato.

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