quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Liberdade de expressão em jogo nos debates eleitorais – Editorial / O Globo

• O STF precisa mediar conflitos em torno das regras para os programas com base no interesse público, e sem relegar a plano inferior a representatividade dos candidatos

Peculiaridades brasileiras fazem com que a cada dois anos, quando há eleição, os balcões da Justiça Eleitoral fiquem abarrotados de demandas. Há várias explicações para isso. Entre elas, o viés intervencionista extremo com que juízes interpretam leis específicas, algumas delas descabidas, diante de preceitos constitucionais.

É um tal emaranhado regulatório que permite interpretações que afrontam o direito do cidadão de ter amplo acesso às propostas dos candidatos mais representativos. Torna impossível se atingir o objetivo de qualquer discussão democrática ordenada: esclarecer o eleitor.


Já há algum tempo desenrolam-se conflitos em torno de regras definidas para os debates em emissoras de TV e de rádios para o pleito municipal de outubro. O assunto costuma ser centro de periódicos litígios devido ao choque entre interesses partidários e o imperativo que têm as emissoras de programar debates entre os candidatos mais conhecidos, e em um número que não inviabilize os próprios programas.

A legislação atual limita os debates a candidatos de partidos que têm bancada de no mínimo nove deputados federais. Mas também prevê que acordos feitos entre as emissoras e os partidos sobre regras dos debates, incluindo o número de debatedores, e que tenha concordância de dois terços dos candidatos aptos, serão considerados legais.

A desavença se estabeleceu porque há candidatos fortes, segundo as primeiras pesquisas, em capitais importantes, que não preenchem a exigência de serem de partidos com nove ou mais deputados na Câmara.

São os casos dos candidatos do PSOL no Rio (Marcelo Freixo), São Paulo (Luiza Erundina) e Porto Alegre (Luciana Genro). Ora, por uma questão óbvia de preocupação com o interesse público, as emissoras desejam convidar estes ou quaisquer outros candidatos bem situados nas pesquisas, independentemente do tamanho das bancadas federais dos respectivos partidos.

O conflito chegou ao Supremo, onde deverão ser julgadas hoje duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins); uma do PSOL, outra da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert).

O PSOL deseja que a regulação estabelecida seja declarada inconstitucional, para que todos os candidatos possam debater. Inviável por motivos técnicos. As audiências seriam muito baixas, contra o interesse dos próprios políticos.

Já a Abert propõe que inconstitucional seja qualquer obstáculo a que emissoras e partidos possam com liberdade celebrar acordos razoáveis para a participação nos confrontos. Não cabe, também, que os dois terços dos candidatos ditos aptos possam excluir adversários dos programas.

Não se questiona o critério que dá um peso maior a candidatos de partidos com uma bancada mínima de nove deputados. Mas não se pode impedir que as emissoras tentem acordos, e, na falta deles, convidem também aqueles candidatos de peso na campanha, medido de forma objetiva, por pesquisas, embora sejam de partidos de bancada federal pequena.

Impedir isso é invadir o terreno da livre expressão, direito inscrito na Constituição e felizmente confirmado pelo próprio Supremo em diversas ocasiões.

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