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- O Globo
A proposta que está sendo esboçada de um pacto político para garantir a realização de eleições em clima de tranquilidade esbarra no cumprimento da lei. Não é aceitável um pacto que pressuponha a anistia a políticos, de que partido forem, que estejam condenados ou sendo investigados por crimes que não são de opinião, mas crimes comuns de corrupção.
Um pacto político deste nível não seria nada além do que aquele grande acordão proposto nas negociações espúrias grampeadas, onde o senador Romero Jucá mostrava-se ansioso por “estancar essa sangria”, referindo-se à Operação Lava-Jato.
A tentativa de bloquear as investigações através da mudança da legislação em vigor é o que está mobilizando mais uma vez a sociedade civil, organizada ou não, nos protestos marcados para hoje em mais de cem cidades brasileiras. A ideia é “iluminar as trevas sobre o Supremo Tribunal Federal” com lanternas dos celulares e fazer uma invocação ao STF.
A tentativa é promover um show democrático, como já visto em manifestações populares como espetáculos de rock ou jogos de futebol, mas nunca em mobilizações de rua. Estão programadas manifestações em pelo menos quatro outros países: nos EUA, na praça da Universidade Harvard; no Chile, diante da embaixada brasileira em Santiago; no Reino Unido e na Itália, na entrada dos consulados do Brasil nas capitais.
A disputa já começou ontem, com a entrega de manifestos contra e a favor da prisão em segunda instância, que é o que está em jogo na sessão de amanhã do plenário do Supremo. O esquema de segurança vai separar os manifestantes na Esplanada dos Ministérios, como aconteceu em outras ocasiões, já que o ambiente político acirrado não permite a convivência dos contrários.
A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, decidiu enviar uma mensagem aos cidadãos por meio da TV Justiça, em que defende a democracia brasileira dos ataques que vem sofrendo: “Gerações de brasileiros ajudaram a construir uma sociedade que se pretende livre, justa e solidária. Nela não podem persistir agravos e insultos contra pessoas e instituições pela só circunstância de se terem ideias e práticas próprias”.
“Diferenças ideológicas não podem ser inimizades sociais. A liberdade democrática há de ser exercida sempre com respeito ao outro. A efetividade dos direitos conquistados pelos cidadãos brasileiros exige garantia de liberdade para exposição de ideias e posições plurais, algumas mesmo contrárias”.
“Repito: há que se respeitar opiniões diferentes. O sentimento de brasilidade deve sobrepor-se a ressentimentos ou interesses que não sejam aqueles do bem comum a todos os brasileiros. A República brasileira é construção dos seus cidadãos. A pátria merece respeito. O Brasil é cada cidadão a ser honrado em seus direitos, garantindo-se a integridade das instituições, responsáveis por assegurá-los.”
O tom do pronunciamento de Cármen Lúcia dá bem a gravidade do momento, mas parece inócuo diante do que se arma no Tribunal que preside, para transformar o julgamento do habeas corpus a favor de Lula em uma ação subjetiva e não objetiva, isto é, tentar fazer com que uma mudança de jurisprudência com efeito vinculante altere o entendimento do Supremo sobre a prisão em segunda instância, em vez de ser apenas uma decisão sobre o caso individual do ex-presidente.
No entendimento do ministro Gilmar Mendes, durante o julgamento o STF pode ir além dele e mudar o entendimento geral sobre o cumprimento da pena. “No plenário, o Tribunal pode fixar nova orientação em qualquer processo”. O que o ministro Gilmar Mendes explicitou em uma declaração a Míriam Leitão ontem já estava sendo tramado há dias, pois os ministros que querem mudar o entendimento da Corte temem serem vistos como protetores do ex-presidente, pretextando estarem defendendo uma tese em abstrato.
Os protestos que vêm acontecendo desde aquela sessão do Supremo, na qual os ministros concederam a Lula um salvo-conduto para não ser preso após a decisão do TRF-4, e as manifestações marcadas para hoje demonstram claramente que a sociedade não está disposta a acatar silenciosamente essa manobra jurídica.
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