terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Sentinelas da liberdade

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Se um homem faz a imprensa dizer coisas atrozes, ele se torna tão responsável por elas como se ele as tivesse dito pela boca”

O baiano Cipriano José Barata de Almeida (Salvador, 1762; Natal, 1838) foi o mais famoso jornalista da época da Independência, causa que abraçou e que lhe valeu longos períodos de cadeia: foi detido um ano e meio durante a Conjuração Baiana (1798); por causa da Revolução Pernambucana de 1817, foi preso por ordem pessoal de D. Pedro I entre novembro de 1823 e setembro de 1830; e voltou às grades no período Regencial, entre 1831 e início de 1834, o que somaram 11 anos de prisão, mais do que o período em que o líder comunista Luís Carlos Prestes esteve preso durante a ditadura de Getúlio Vargas: de 1936 a 1945.

Formado em filosofia na Universidade de Coimbra, Cipriano foi impiedosamente perseguido porque, nas décadas de 1820-30, se tornou o símbolo da luta pela autonomia das províncias, do Pará e Maranhão ao Rio Grande do Sul. Era influente principalmente no Ceará, na Paraíba, em Pernambuco, na Bahia, em Minas Gerais e até no Rio de Janeiro. Amigo de Frei Caneca, um dos líderes da Confederação do Equador, tornou-se adversário de antigos aliados, como José Bonifácio de Andrade e Silva, José da Silva Lisboa (visconde de Cairu) e o regente Diogo Feijó.

Deputado constituinte, em 1823, Cipriano lançou o jornal Sentinela da Liberdade. Defendia a Independência com mudanças radicais e era contra a escravatura. O jornal saía às quartas-feiras, com linguagem vigorosa e crítica, mostrando as falhas do poder. Em 1825, depois de ser preso na Fortaleza do Brum, no Recife, por participar da Confederação do Equador (rebelião que reuniu vários estados do Nordeste contra D. Pedro I), Barata publicou seu jornal com o título Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco.

Cada vez que mudava de prisão, quando surgia a oportunidade, com ajuda dos aliados, publicava um novo jornal: Sentinela da Liberdade na Guarda do Quartel General, Sentinela da Liberdade na Guarita de Villegaignon. Em 1835, Barata escrevia o seu último Sentinela da Liberdade, aos 73 anos. O jornal durou 13 anos, mas outros apareceram em todo o país, com o mesmo nome, mesmo depois de sua morte, em 1º de julho de 1838.

Foi um “campeão da liberdade de imprensa”: “Toda e qualquer sociedade onde houver imprensa livre está em liberdade; que esse povo vive feliz e deve ter alegria, segurança e fortuna; se, pelo fato contrário, aquela sociedade ou povo que tiver imprensa cortada pela censura prévia, presa e sem liberdade, seja debaixo de que pretexto for, é povo escravo que pouco a pouco há de ser desgraçado até se reduzir ao mais brutal cativeiro”, dizia.

Responsabilidade
A trajetória de Cipriano Barata só encontra paralelo na de Thomas Paine (1737-1809), cidadão inglês julgado e condenado por traição em seu país, cidadão honorário da França, pioneiro defensor dos direitos do homem e ativo participante das duas principais revoluções democráticas modernas, a francesa e a americana. Suas ideias foram resgatadas por Barack Obama nas comemorações dos 200 anos da Independência dos Estados Unidos. É dele o primeiro texto a sistematizar o conceito de liberdade de imprensa, publicado no American Citizen, em 19 de outubro de 1806, um jornal influente em Nova York à época.

Amigo do então presidente dos EUA, Thomas Jefferson (1743-1826), Paine dizia que o patrimônio mais importante dos jornais é a sua credibilidade. Sem ela, as causas defendidas por eles serão sempre derrotadas, porque “ninguém acredita em um mentiroso vulgar ou em um difamador comum”. Segundo Paine, o termo liberdade de imprensa passou a ser usado quando a Revolução Inglesa de 1688 aboliu a exigência de autorização prévia do “Imprimateur” do governo (autorização) para a impressão de textos. Ele chama a atenção para o fato de que a liberdade de imprimir nada tem a ver com o conteúdo impresso. A responsabilidade sobre o conteúdo é de quem escreve. Para ele, a liberdade de imprimir não exime o autor de ser julgado pelo público ou de responder, perante os poderes constituídos, pelo conteúdo impresso:

“A imprensa, que é uma língua para os olhos, foi, então, colocada exatamente na situação da língua humana. Um homem não demanda liberdade antecipadamente para falar algo que ele tem a dizer, mas ele se torna responsável depois pelas atrocidades que ele pode ter dito. Da mesma forma, se um homem faz a imprensa dizer coisas atrozes, ele se torna tão responsável por elas como se ele as tivesse dito pela boca. O Sr. Jefferson disse em seu discurso de posse que ‘o erro de opinião pode ser tolerado quando a razão foi deixada livre para combatê-lo’.”

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que os jornalistas são uma espécie em extinção. No natimorto projeto de reforma trabalhista do governo, a categoria fazia parte das profissões que seriam extintas, mas isso dependeria do Congresso e, sobretudo, do mercado. A imprensa passa por uma crise decorrente da mudança de plataforma de comunicação, na qual o velho tipo móvel de Guttemberg deu lugar ao hiperlink da internet, o papel, ao smartphone, as rotativas, às redes sociais. Mas a alma dos jornalistas, como as de Barata e Paine, não morreu.

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