- O Globo
É mais perigoso ser jornalista num governo que não dá muita importância para valores democráticos
O presidente Bolsonaro disse que nós, jornalistas, somos bichos em extinção. Essa declaração realmente me assustou, não por causa da sua agressividade, mas porque ser um bicho em extinção num governo que não dá a mínima para a preservação da natureza é mesmo muito perigoso.
Se formos analisar a metáfora do presidente, veremos que é mais perigoso ainda ser jornalista num governo que não dá muita importância para valores democráticos. Ataques aos órgãos de imprensa acontecem quando a democracia não é um regime respeitado por populistas que estão no poder.
Quando na oposição, esses mesmos políticos adoram ver seus adversários sob críticas, as mesmas que rejeitam quando governo. Todos os governos, populistas ou não, têm com a imprensa uma relação difícil, e é compreensível.
Como diz Bolsonaro, “parece que sou responsável por tudo”, reclamando de críticas ao seu governo. O pior é que é mesmo, e essa incompreensão de seu papel, e do papel da imprensa, é o que faz a relação de um presidente democrata ser diferente de um populista como ele.
Os democratas sabem a importância do jornalismo para a formação de uma sociedade plural, os populistas o consideram uma pedra nos seus caminhos, obstáculo a seus desejos de dominação. O filósofo alemão Jürgen Habermas classifica como missão do jornalismo “informar e formar”.
O jornalismo não é o quarto poder, como se costuma falar sobre a suposta força dos meios de comunicação. Só se torna um poder quando se respalda na opinião pública, quando reflete o espírito de seu tempo, e isso incomoda os autoritários.
Ser o cão de guarda da opinião pública, este é o papel do jornalismo, um dos conceitos basilares no estudo da comunicação. A imprensa nasceu para dar voz à sociedade civil para se contrapor à força do Estado absolutista, e legitimar suas reivindicações no campo político.
Para Rui Barbosa, a imprensa é a vista da nação. “Através dela, acompanha o que se passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa e se acautela do que ameaça”.
O presidente americano Thomas Jefferson entendeu que a imprensa, tal como um cão de guarda, deve ter liberdade para criticar e condenar, desmascarar e antagonizar.
No sistema democrático, a representação é fundamental, e sua legitimidade depende da boa informação, sendo o papel do jornalismo profissional permitir que os cidadãos exerçam seus direitos e tenham canais para expressar suas insatisfações.
No sistema de pesos e contrapesos que fundamenta a democracia, o jornalismo tem papel relevante, junto às demais instituições que formam o Estado. A função do jornalismo é buscar a verdade, não a verdade absoluta, inalcançável, mas a verdade imediata, o primeiro indício da verdade, que vai se desenrolando à medida que os fatos acontecem.
O caso do executivo brasileiro da indústria automobilística Carlos Ghosn, que fugiu da prisão domiciliar no Japão para Beirute, é exemplar dessa busca da verdade. Diversas versões já foram publicadas pelo mundo afora, e muitas outras serão, até que se chegue o mais próximo possível do que aconteceu.
Como sempre, Bolsonaro faz uma confusão danada de conceitos. O jornalismo está disseminado em diversas plataformas de informação com o avanço da tecnologia. Embora tenha perdido a hegemonia, o jornal impresso continua sendo um dos mais prestigiosos meios de comunicação.
Muito menos os jornalistas profissionais estão em extinção, indispensáveis em qualquer plataforma de comunicação, com o treinamento, as ferramentas e os códigos que definem a ética que busca a imparcialidade no relato dos fatos.
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