Li interessante ensaio do jornalista e filósofo Fabiano Lana, intitulado “Diga-me uma coisa que te convence e eu te direi quem és...” que introduz a pergunta: “O que faz algumas pessoas se tornarem intransigentes dogmáticos, enquanto outras se apressam em aceitar rapidamente qualquer explicação relativa que há pela frente?”. “Qual á origem das divergências? O que há em comum entre dúvidas e convicções?”. Perguntas feitas em 2009, mas que parecem endereçadas ao Brasil atual, rico em intolerância, desrespeito aos divergentes e inapetência para o diálogo.
Fabiano Lana escolhe fatos aparentemente
banais que despertaram paixões: O corpo de Evita Perón está ou não no Cemitério
da Recoleta em Buenos Aires? Michael Jackson cometeu ou não o crime de
pedofilia? A descoberta do fóssil do peixe com patas, Tiktaalik Rosae, seria o
“elo perdido” a comprovar a veracidade da teoria da evolução? Mas poderia hoje
atualizar para a eficácia ou não da cloroquina, se a terra é plana ou não, ou
se há um projeto diabólico da China para derrotar a civilização cristã
ocidental e implantar o comunismo em escala global.
O samba de Paulino da Viola diz: “As coisas
estão no mundo só que eu preciso aprender”. Diante das coisas do mundo podemos
ser céticos, dogmáticos, indiferentes ou relativistas. A diferença é a alma
aberta para aprender. Sempre fui um iluminista, com mais dúvidas do que
certezas, querendo sempre pela razão clarear as questões que a vida apresenta.
Daí o meu estranhamento com o Brasil atual.
No Brasil pós 1985, com o florescimento da
democracia, houve sempre polarização, mas também certa contenção e
reconhecimento da legitimidade do adversário. Hoje não. A radicalização extrema
chegou às ruas. Em plena pandemia, há manifestações de direita e esquerda, e o
vírus frequentando as duas.
A emergência recente de uma direita
extremada e orgânica não é novidade no Brasil. Tivemos Plínio Salgado e seus
integralistas. Carlos Lacerda, inflamava as pessoas, com sua oratória sedutora
pelas rádios, e infernizava a vida de Vargas e JK. O regime militar levou ao
poder a ideologia da segurança nacional. Mas nunca houve tamanho enraizamento social
como agora na onda bolsonarista.
As redes sociais quebraram o monopólio das
elites que dominavam o poder, o saber e a riqueza. Hoje, a verdade de cada um
pode viralizar e contaminar milhões, mesmo que reproduza a negação do óbvio.
O desafio presente é como reestabelecer os canais de diálogo e, a partir da verdade de cada um, construirmos o mínimo de coesão e consensos progressivos para o país poder avançar do quadro dramático de graves crises superpostas.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
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