quarta-feira, 4 de outubro de 2023

Lu Aiko Otta - O bode dos precatórios foi colocado na sala

Valor Econômico

Não há mais espaço para meteoros, muito menos para pedaladas

Precatório, o pagamento feito pelo governo quando é derrotado em tribunais, é um tema pouco badalado. Mas não deveria. Primeiro, pelo seu tamanho. O bolo a ser quitado alcança um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, o valor não aparece nas estatísticas da dívida bruta brasileira, pontuou o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.

Olhando à frente, a Justiça segue decidindo contrariamente à União em causas que não são bilionárias, mas também não são pequenas. Essas estão fora dos radares do governo e do Congresso. Mereceriam uma atuação mais assertiva para, eventualmente, alterar pontos da legislação que levam a União à derrota nos tribunais e à emissão de mais precatórios, disse outro integrante do governo.

Os precatórios federais vêm sendo parcialmente rolados. A base são duas emendas à Constituição aprovadas em 2021, quando esses pagamentos foram chamados de “meteoros”. O adiamento formou uma bomba-relógio bilionária que explodirá em 2027, com uma fatura de R$ 250 bilhões. A situação é dramática. Nem por isso, é claramente tida como urgente. Houve no governo quem defendesse deixar o caso para depois.

Na semana passada, os precatórios finalmente ganharam os holofotes. O governo apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma proposta para desarmar a bomba-relógio. Foi no âmbito de duas ações que discutem a constitucionalidade das emendas constitucionais que permitiram a rolagem dos pagamentos.

Ficou evidente que esse é um daqueles problemas com muitas soluções - uma para cada especialista. Nem no governo há consenso.

No entanto, foi dado um primeiro passo. O bode foi colocado na sala, definiu Ceron. Ele admitiu que sua proposta, elaborada junto com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), não é perfeita. É a que lhe pareceu menos problemática.

Outro integrante do governo concordou que o debate está apenas começando. E que, para além da discussão que ocorre no Judiciário, é possível que haja também um debate no Congresso Nacional. Para ele, a grande mensagem do momento é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia manter o problema debaixo do tapete, mas optou por resolvê-lo.

A rolagem do pagamento de precatórios tem sido chamada de moratória parcial, confisco e pedalada. O economista José Roberto Afonso, um dos mais respeitados especialistas em contas públicas do país, vê parentesco com as postergações de pagamentos que marcaram o fim do governo de Dilma Rousseff.

Na Fazenda, avalia-se que o STF tende a decidir pela inconstitucionalidade das pedaladas. O que poderia trazer o “caos”, disse Ceron, porque haveria um grande bolo a pagar. Esse sim, seria um verdadeiro meteoro.

Assim, o Tesouro e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional formularam uma proposta para sair dessa barafunda de forma organizada.

Em 2024, seriam quitados R$ 95 bilhões em precatórios, incluídos aí os vencidos. A despesa seria paga fora das regras fiscais. Detalhe: desse valor, seria deduzido aquilo que já está previsto no Orçamento para pagamento de precatórios. Dessa forma, a operação não afetaria a trajetória colocada para o resultado primário.

No fluxo, a proposta é dividir o valor dos precatórios em duas partes: principal e encargos. O principal seria pago dentro dos limites de despesa primária do arcabouço. O restante ficaria fora, como despesa financeira.

Não há assinaturas do Ministério do Planejamento no documento encaminhado ao STF porque a pasta liderada por Simone Tebet é contra a ideia de separar principal e financeiro do valor dos precatórios. Defende que tudo seja contabilizado como gasto primário, mas fora do limite do arcabouço.

Em entrevista ao repórter Guilherme Pimenta, deste jornal, o ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt defendeu uma solução diferente: ajustar a base de despesas do arcabouço para acomodar integralmente os gastos com precatórios.

Afonso acha que está certa a proposta do Tesouro. E chama atenção para outro ponto: os precatórios rolados têm seu valor corrigido pela taxa Selic, atualmente maior que o custo médio de captação do Tesouro.

Todas as grandes ações contra a União estão listadas no anexo de riscos fiscais que acompanha o Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO). As demandas judiciais de risco “possível” e “provável” somavam R$ 3,8 trilhões em junho passado. No entanto, esse número só capta causas na casa dos bilhões. Há inúmeras outras, de menor valor, que não integram essa estatística, explicou um integrante do governo.

Assim, um projeto já em andamento é olhar com mais atenção para essas ações e melhorar a defesa do governo.

Foi ousado trazer à luz o tema dos precatórios num momento em que a política fiscal é alvo de desconfiança. No entanto, é uma medida correta porque traz à luz um problema que estava nas sombras. É importante que seja conduzido com honestidade e transparência. Não há mais espaço para meteoros, muito menos para pedaladas.