quinta-feira, 11 de abril de 2024

Cora Rónai - Muskou tudo

O Globo

Regulamentar as redes sociais sem comprometer a liberdade individual é um desafio. E o futuro da democracia depende desse equilíbrio

Não se amplia a voz dos idiotas. A frase é do Millôr, e as autoridades brasileiras, a começar pelo ministro Alexandre de Moraes, deveriam ter pensado nela antes de se deixar levar por Elon Musk — que, a despeito de ser o segundo homem mais rico do mundo e um empreendedor genial, não deixa de ser também um idiota: as condições não são excludentes.

Elon Musk quer plateia. Comprou o Twitter para isso, e o mundo faz a sua vontade quando o transforma em interlocutor sério fora das suas áreas de competência.

O que ele acha ou deixa de achar do ministro Alexandre de Moraes e da situação política brasileira deveria ser irrelevante; o Brasil se transforma em república de opereta quando passa recibo, e quando representantes do poder resolvem defender a “soberania nacional” — que, para início de conversa, não foi ameaçada.

Ninguém resiste a um bilionário.

Se o X descumprir ordens judiciais, que se entenda com a lei. Mas seria bom, para início de conversa, saber que leis são essas, e por que estão sendo invocadas.

Está todo mundo errado nesse furdunço, inclusive o ministro Alexandre de Moraes, e não só por usar maiúsculas e exclamação (“AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA SEM LEI! AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA DE NINGUÉM!”).

O ministro foi um herói quando a nossa democracia foi ameaçada e merece estátua em praça pública, mas agora deveria adotar um perfil mais discreto e moderado — como, aliás, todo o STF. Há algo errado num país que sabe de cor a escalação da Suprema Corte, e dispara nomes de juízes como se fossem jogadores do time da várzea.

O debate sobre liberdade de expressão se transformou num terreno minado. Estamos trabalhando com conceitos formulados no Iluminismo em plena era da internet, e nem sempre é fácil distinguir entre opinião pessoal e desinformação ou discurso de ódio. Suspender contas mal-intencionadas talvez seja necessário em momentos críticos, mas quanto tempo dura um momento crítico? E o que é uma conta mal-intencionada?

Todos têm direito à sua própria opinião. Quando todos acham que têm direito aos seus próprios fatos, porém, a sociedade corre riscos: “acho que vacina não funciona” é uma opinião, “vacina aumenta o colesterol” não é.

Desinformação e fake news são elementos tóxicos que precisam ser tratados, ou morreremos envenenados; mas asfixia geral não resolve isso.

É óbvio que as redes sociais precisam ser reguladas, e que as suas empresas precisam ser responsabilizadas pelo que publicam. Viver de conteúdo sem ter qualquer responsabilidade por este conteúdo não faz sentido.

O desafio de um milhão de dólares é fazer a regulamentação sem comprometer a liberdade individual. O futuro da democracia depende de encontrarmos esse equilíbrio, respeitando a diversidade de opiniões enquanto protegemos o tecido social contra a desinformação.

Boa notícia: a regulamentação está no Congresso.

Má notícia: a regulamentação está no Congresso.

Um comentário:

Daniel disse...

É bem isto!