A "maldição do petróleo", fenômeno registrado nas principais
economias produtoras do mundo, já está presente nas cidades brasileiras mais
beneficiadas pelos royalties e pelas participações especiais. A Macroplan,
empresa de consultoria especializada em estratégia e cenários de longo prazo,
concluiu uma pesquisa focada na qualidade da gestão das 25 cidades que recebem
70% daqueles recursos.
Ao longo de uma década, 2000-2010, as cidades do chamado "arco do
petróleo" no Sudeste (16 do Estado do Rio, cinco do Espírito Santo e
quatro de São Paulo), receberam entre um total de R$ 27 bilhões.
O estudo ressalta que, ao mesmo tempo que os municípios vivem o seu melhor
momento econômico, com aumento considerável do Produto Interno Bruto (PIB),
quase todos não experimentam melhorias significativas nos principais
indicadores sociais. O PIB, em 18 das 25 das cidades estudadas, cresceu mais do
que o Produto de seus respectivos estados, mas a qualidade de vida dos seus
habitantes não acompanhou esse crescimento.
Outra conclusão mais geral dos analistas da Macroplan foi o vigoroso
crescimento demográfico com a consequente, e até esperada, pressão por acesso a
serviços públicos - principalmente saneamento, saúde e educação -, que veio
turvar o caminho do desenvolvimento com efeitos colaterais perversos - a
deterioração urbanística, o aumento no número de trabalhadores informais, a má
distribuição de renda, entre outros.
A vasta maioria dos municípios - cerca de 88% deles - registrou crescimento
demográfico superior ao de seus estados e, em quase a metade das cidades
pesquisadas, houve aumento no número de pessoas vivendo em habitações
subnormais, entre 2000 e 2010, sendo que nove delas tiveram um crescimento
maior que 100% nesse indicador.
A face mais cruel do empobrecimento da população se exibe no crescimento dos
indicadores de (in)segurança: 13 das 25 cidades têm taxas de homicídio acima
das respectivas médias estaduais, sendo que quatro delas figuram entre as cem
mais violentas do país (Búzios, Cabo Frio, Linhares e Paraty).
No terreno da educação, apesar do desempenho no país ter melhorado, de
acordo com o Índice da Educação Básica (Ideb) deste ano, os esforços para
avançar nos municípios pesquisados pela Macroplan conseguiram produzir apenas
pequenas mudanças nos anos iniciais do ensino fundamental.
Alguns chegaram a registrar queda do Ideb na década estudada, entre eles,
São João da Barra, Silva Jardim e Cachoeiras de Macacu - todos no Estado do
Rio. E a taxa de analfabetismo entre pessoas com mais de 15 anos, medida pelo
Censo de 2010, mostrou, em 20 das 25 cidades, patamar mais elevado que o de
seus respectivos estados.
Mas o que é feito, afinal, com o dinheiro do petróleo? O grande problema
dessas cidades, na conclusão do estudo, reside na baixa qualidade da gestão.
"Nenhuma cidade elaborou e seguiu planos de longo prazo, traduzidos em
projetos estruturantes, para o emprego dos royalties e muito menos para a
eventualidade de flutuações cíclicas ou declínio permanente, nem modelos de
gestão inovadores", observou o diretor da consultoria e um dos
coordenadores do estudo, Glaucio Neves.
Semelhança verificada nas cidades que passaram a contar com esses recursos é
o aumento do peso da máquina pública. No conjunto dos 25 municípios, houve
incremento de 74% no emprego na administração pública, mais do dobro da média
brasileira. Entre 2003 e 2010, as despesas de pessoal e as demais de custeio do
conjunto dos municípios analisados dobraram, em termos reais, enquanto os
investimentos só cresceram 24%. Apesar do aumento do número de empregos
públicos formais, a taxa de desemprego é elevada nessas cidades: 64% delas
apresentaram, em 2010, taxa de desemprego maior do que a média brasileira.
Em 2010, em 17 dos 25 municípios, o percentual de pessoas na condição de
pobreza extrema era mais alto do que a média dos estados: 41 mil pessoas
apresentavam renda inferior a R$ 70, e quase 200 mil, renda inferior a R$ 127
mensais. E, como mostra a pesquisa, para erradicar a pobreza extrema nessas
cidades no ano de 2010 seria necessário menos de 1% do volume anual de
royalties e participação especial transferido para esses municípios.
Fonte: O Globo
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