segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Ricardo Noblat - Descendo a ladeira

O Globo

Nada do que vi ou ouvi até agora me faz achar que há condições para um impeachment.
Roberto Setúbal, banqueiro

Dilma é a presidente do “sem”. Sem programa de governo. Sem equipe que preste. Sem base de apoio no Congresso. Sem interlocutores de confiança nos partidos. Sem apoio popular. Apesar disso, contava com dois fiadores desde o início do seu segundo mandato: Joaquim Levy, Ministro da Fazenda, e Michel Temer, o vice-presidente a quem entregou a coordenação política do governo. Em breve ficará sem Temer.


“Eu não posso desembarcar. Eu sou o vice”, repetiu Temer à exaustão quando colegas do PMDB cobravam seu afastamento do governo. Em uma conta grosseira, metade ou pouco mais de metade do partido torce pela queda de Dilma para que Temer a substitua. Do governo, em definitivo, ele não desembarcará. Seria uma covardia. Afinal, foi eleito junto com Dilma.

Desembarcará, sim, da coordenação política. Porque desembarcado já foi pela própria Dilma. É no que dá ter-se juntado com uma pessoa que não sabe lidar bem com seus semelhantes. Dilma pediu socorro a Temer depois de convidar Eliseu Padilha, ministro da Aviação Civil, para assumir a coordenação política do governo. Ouviu um sonoro “não”. Foi humilhada.

O que teria acontecido se o vice-presidente também tivesse dito “não”? Temer disse “sim” porque acreditou na chance de sair do anonimato reservado aos vices direto para a boca do palco. De fato foi parar ali. Mas ao protagonismo, condição sem a qual político algum sobrevive feliz, não correspondeu o exercício de fato do poder. Dilma não lhe delegou poderes. Temer acabou boicotado pelo PT.

No regime presidencialista brasileiro, a cooptação de aliados se dá com a distribuição de cargos para que roubem e permitam roubar, e de dinheiro destinado à construção de obras nos redutos eleitorais de deputados federais e senadores. Temer prometeu cargos e dinheiro e não entregou. Por fim, pregou que “alguém” unificasse o país. Dilma entendeu que esse “alguém” seria ele, e detestou. Perdeu a confiança em Temer.

Tomou-lhe a coordenação política sem dizer que o fazia. Passou, ela mesma, a distribuir cargos e autorizar a liberação de dinheiro para obras eleitoreiras. Até que a taça transbordou para o lado de Temer: foi quando Dilma entendeu-se diretamente com Renan Calheiros, presidente do Senado. Em troca do empenho do governo para que ele escape da Lava Jato, Renan inventou a “Agenda Brasil”.

Trata-se de... De nada sério. Renan reuniu mais de 40 projetos que tramitam no Congresso e batizou-os de “Agenda Brasil”. Dilma fez de conta que a agenda poderá salvar seu governo do buraco e aproximou-se de Renan. Atropelado, Temer concluiu que chegara a hora de devolver a Dilma a tarefa que ela lhe deu e tomou sem aviso prévio. Chega! Basta! Estou fora! E assim será.

O que Dilma ganhará com a troca de Temer por Renan? Um aliado capaz de barrar no Congresso as pautas bombas de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara denunciado à Justiça por corrupção e lavagem de dinheiro. O comportamento errático de Dilma é típico de quem não entende e não gosta do serviço que faz, e tampouco se cerca de quem entende, embora possa gostar.

É assim que ela pretende se arrastar pelos próximos 40 meses de mandato. Talvez consiga. Não se depõe presidente só porque ele governa mal. O preço que o país pagará por um governo desastroso será gigantesco, todavia. Aumenta o desemprego. Haverá dois anos consecutivos de crescimento negativo. Quem sabe essa não será a única forma de aprendermos a votar melhor?

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