- Folha de S. Paulo
Se o ministro acha que envolverá os parlamentares recorrendo à versão do truque do bode na sala, está enganado
Paulo Guedes se acha mais esperto do que todo mundo. Não é. Especialmente no Congresso, há muita gente que dá um baile no ministro quando o assunto é cálculo político e raciocínio estratégico. Para usar uma imagem meio surrada, mas ilustrativa, os caras tiram a meia sem descalçar o sapato.
Nosso sistema tributário está entre os piores do planeta. Ele é excessivamente regressivo e traz tantas complexidades e excepcionalidades que os consumidores, que são os pagadores finais, acabam gastando não apenas com os tributos mas também para sustentar um exército de contadores e advogados.
Pior, o Brasil tem uma carga tributária muito alta para o nível de desenvolvimento em que se encontra, boa parte da qual é alocada, não em serviços destinados a todos, mas em bem-sucedidos esquemas de “rent seeking” (apropriação de renda).
E essa era a situação antes da pandemia. Agora, dado que haverá um importante aumento da dívida pública, nós dificilmente escaparemos de uma elevação ainda maior dos impostos, sem mencionar o fato de que a crise revelou a necessidade de adotarmos algum tipo de renda básica, o que também custa dinheiro.
Uma reforma tributária é necessária e urgente. E também é preciso reconhecer que, embora haja razoável consenso técnico sobre o que deve ser feito, as negociações para alcançar um entendimento são muito difíceis, pois interesses serão contrariados e muitos grupos têm poder de veto.
O ponto de partida para um debate produtivo é que os principais atores negociem de boa-fé, apresentando sem reservas nem armadilhas a visão que têm do problema e a integralidade de suas propostas. É só assim que se pode chegar a concessões que possibilitem um acordo.
Se Guedes acha que envolverá os parlamentares recorrendo à versão mais tosca do truque do bode na sala, está enganado. Será engolido por eles, como acaba de ser nas negociações do Fundeb e em tantas outras.
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