O
livro de Mandetta revela como o governo ignorou medidas que poderiam ter
poupado vidas
O
dia em que Jair Bolsonaro for levado a responder por seus atos —não se trata de
se, mas quando—, o processo relativo ao seu anticombate à Covid-19 terá fartos
elementos no livro "Um
Paciente Chamado Brasil", do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique
Mandetta. Nele, entre relatos comprováveis por documentos e testemunhas, fica
claro que, em fevereiro, Bolsonaro já sabia o que era preciso fazer para
amenizar a disseminação do vírus e não quis fazer —ou fez o contrário.
No
livro, com a reprodução até dos diálogos, Mandetta detalha a quem, quando, como
e onde foram dados os alertas. Não foi só Bolsonaro quem ignorou a prevenção e
sabotou medidas diante dos primeiros contágios e mortes. Por cumplicidade
ideológica, ambições políticas ou vaidade pessoal, os paisanos e generais que o
cercam deram-lhe o apoio que queria. Eles também terão seus lugares no banco
dos réus.
No
dia 27 de março, em reunião oficial, Mandetta comunicou ao general Braga Netto,
chefe da Casa Civil, que, se a população fosse instruída a adotar medidas de
distanciamento social e padrões rígidos de higiene e proteção, o Brasil teria
de 60 mil a 80 mil mortos. Se não, eles chegariam a 180 mil. Bolsonaro,
informado disso, preferiu acreditar em seu ex-ministro da Saúde, o sabujo Osmar
Terra, que "calculou" 3.500 mortes.
Para
Bolsonaro, as vítimas se limitariam a idosos, que "morreriam de qualquer
jeito". Os outros seriam salvos pela cloroquina. E a quarentena era
impensável, porque "poria a economia em risco" e, logo, seu governo.
Foi apoiado por Paulo Guedes, ministro da Economia, e que, segundo Mandetta, só
enxerga a si próprio. Guedes igualmente esquentará o banquinho no tribunal.
A
16 de abril, quando Mandetta foi demitido, o Brasil tinha 2.000 mortos por
Covid. Hoje, passa dos 150 mil. Os 180 mil que Mandetta anteviu estão a
caminho. E Bolsonaro diz que não são de sua conta.
O chefe da Casa Civil, Braga Netto, fala ao ex-ministro Luiz Henrique Mandetta em evento no Planalto no início de abril -
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
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