Problemas graves borbulham, podem ferver e país parece ainda mais anestesiado
Celso
Russomano (Republicanos) é o candidato de Jair Bolsonaro e da
Igreja Universal à prefeitura de São Paulo. Disse a empresários da Associação
Comercial desta cidade que os moradores de rua podem ser “mais resistentes do
que a gente” ao coronavírus. Como não pegaram Covid em massa, diz o candidato,
talvez tenham a imunidade das ruas, onde “convivem o tempo todo” e não têm como
tomar banho todos os dias.
Para
dizer a coisa de modo sarcástico, é uma teoria higienista ao contrário. Existe
“a gente” e existem “eles”, os sem-banho, talvez imunizados pela aglomeração em
uma espécie de espurcícia salubre. É uma variante da teoria do esgoto, de
Bolsonaro.
Em
26 de março, quando ainda estavam para morrer 150 mil pessoas de Covid, o
presidente desta República esgotada dizia o seguinte: “... o brasileiro tem que
ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai,
mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já
foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos
que ajuda a não proliferar isso daí”.
Bolsonaro e
Russomano devem se banhar em alguma fonte de sabedoria estranha
para “a gente” que esperava alguma revolta ou pelo menos comiseração por causa
do morticínio. A indiferença, quando não troça, não causa danos relevantes ao
prestígio “deles”. Não há organização ou interesse políticos suficientes para
cobrar consequências dessas barbaridades.
Os
poucos sinais de ira manifesta e coletiva contra o governo se esvaneceram desde
julho. Não houve tumulto social algum, menos ainda saques, o que é fácil de
entender. Os auxílios emergenciais mais do que cobriram a perda de renda dos
mais pobres, na média, embora pesquisas registrem o aumento do número de
pessoas que padecem de fome e o emprego para o povo miúdo não venha
reaparecendo.
Mesmo
as tretas, sururus e indignações entre as elites se dissipam rapidamente,
embora alguns de seus motivos continuem a queimar ou ferver nos subterrâneos.
Assim que chegaram algumas chuvas, foram passando os protestos mais ruidosos
contra as queimadas e outras destruições da natureza. Parece que faz tempo, mas
foi no final de setembro que o governo e seu centrão anunciou com estrondo e
cara de pau que financiaria
um Bolsa Família encorpado com uma pedalada, com o calote dos
precatórios.
Como
não há oposição política organizada ou partidos políticos com alguma
articulação social mais relevante e extensa, tais reações em parte se dissolvem
na espuma das mídias sociais, onde a cada minuto há nova maré alta de sujeira e
bobagem.
É
ilusão de que tudo passa, porém. Parte da finança e da grande empresa se
organizou para evitar danos maiores da política do mau ambiente de Bolsonaro,
por exemplo. Por falar em finança, as taxas de juros estão quase no mesmo nível
para onde pularam no anúncio da pedalada dos precatórios. A degradação
financeira e a desconfiança no país estão borbulhando e podem ferver.
Decisões
sobre assuntos centrais e urgentes da política econômica foram adiados “sine
die”: se haverá burla do teto, se o talho de mais de meio trilhão no gasto
federal pode provocar recaída econômica, se haverá “reformas”, se haverá
auxílios para os famintos de 2021, sem emprego, se o Brasil será rebaixado à
última categoria dos párias ambientais e diplomáticos etc.
O país está anestesiado, imune à indignação geral, talvez por ter se acostumado à aglomeração de sujeira juntada por governantes e candidatos bárbaros.
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