Valor Econômico
Problemas sérios são ignorados e políticas
sólidas substituídas por expansões irresponsáveis de gastos
Faltando apenas dez dias para o primeiro
turno das eleições, o eleitorado brasileiro assiste a uma competição entre os
candidatos à Presidência para identificar qual deles é mais criativo em suas
promessas irrealizáveis. Em particular, a geração de empregos é tema dominante.
Segundo a Pnad Contínua, no segundo trimestre deste ano a população economicamente ativa (PEA) atingiu 108,4 milhões de pessoas, e a taxa de desocupação, 9,3%. Dos 98,3 milhões de trabalhadores ocupados, a parcela constituída por trabalhadores formais (do setor privado e público) é de 57,4 milhões. Retirando-se os servidores estatutários civis, militares e empregados formais do setor público, chega-se a uma população com ocupação formal no setor privado de 48,3 milhões. Mas como a propaganda eleitoral promete especificamente “empregos”, e não apenas “ocupações”, é preciso retirar também desse último grupo os empregadores formais e os trabalhadores formais por conta própria. Feito isso, conclui-se que existem 37,3 milhões de empregados formais no setor privado, ou seja, apenas 34,4% da PEA.
Por que será que, a cada três brasileiros
que estão trabalhando ou procurando trabalho, somente um deles encontra alguém
disposto a contratá-lo com carteira assinada? Entre as causas principais estão
a alta tributação sobre a folha salarial e salário mínimo (SM) elevado, quando
comparado à baixa produtividade dos trabalhadores menos qualificados.
Embora para padrões das grandes metrópoles
o valor do SM seja baixo, nas regiões menos desenvolvidas do país o SM está
muito acima da realidade do mercado de trabalho local. Indício disso é o fato
de que o SM equivale a 45% do salário médio pago no mercado de trabalho
nacional. Como comparação, esta relação nos Estados Unidos é de cerca de 26%. O
valor torna-se ainda maior quando se contabiliza a tributação sobre a folha
salarial de 34,5% - soma de INSS, Sistema S, salário educação, Incra, RAT, PIS
e FGTS - e, adicionalmente, se leva em conta que um empregado formal recebe
13,33 salários por ano, mas trabalha somente 11 meses.
O custo efetivo de cada mês trabalhado
equivale a 163 % (=1,345 x 13,33 / 11) do salário mensal de carteira. Em 2022,
um trabalhador CLT que recebe o SM custa a seu empregador R$ 1.975,93 por mês
trabalhado. Nas regiões mais atrasadas do país, nem mesmo o potencial
empregador consegue obter essa remuneração.
Um empregado CLT que ganha um SM recolhe
7,5% de sua remuneração ao INSS e é isento de IRPF, de modo que, a cada R$ 100
de salário, o empregador desembolsa R$ 134,50, mas apenas R$ 92,50 são
recebidos pelo trabalhador. Caso esse trabalhador passe a trabalhar na
informalidade, ele auferirá três ganhos: 1- dividirá com o empregador os 34,5%
incidentes sobre a folha salarial; 2- deixará de recolher sua parcela de 7,5%
ao INSS; 3- tornar-se-á elegível aos programas de transferência de renda (Bolsa
Família/Auxílio Brasil). Apesar de não contribuir para a previdência, esse
trabalhador preservará o direito de receber do INSS, ao atingir 65 anos de
idade, uma aposentadoria de um SM, pois pleiteará o Benefício de Prestação
Continuada (BPC).
A passagem da condição de empregado formal
para informal proporciona um significativo aumento de renda no presente, sem
perda de renda futura. Os incentivos são, portanto, perversos e distorcem o
mercado de trabalho.
No caso de um trabalhador qualificado, o
desincentivo ao emprego formal ocorre somente devido à alta tributação. É fácil
mostrar, olhando a legislação, que de cada R$ 100 recebidos por um trabalhador
com salário acima de R$ 5 mil, o custo incorrido por seu empregador é de R$
134,50 e deste valor o Estado embolsa cerca de 40%. Se esse trabalhador passar
a vender seu trabalho por meio de uma firma tributada pelo Simples, a tributação
cairá a um terço disso. Não surpreende que a pejotização esteja crescendo
tanto.
Ao longo das quatro últimas décadas, a
estagnação da produtividade do trabalho, decorrente de crônica deficiência da
educação pública e outros fatores, impediu o aumento dos salários reais de
mercado. A legítima pressão por distribuição de renda desaguou em aumentos
reais do SM, bem como expansão dos programas de complementação de renda - como
o BPC, Bolsa Família, Auxílio Brasil - cujo financiamento exigiu crescente tributação.
Criou-se um sistema em que os benefícios assistenciais recebidos por
trabalhadores informais são custeados pela tributação incidente sobre o
trabalho formal. O resultado foi a baixa geração de empregos formais.
Alguns avanços ocorreram. A reforma
trabalhista de 2017 tem estimulado a formalização do trabalho, assim como a
reforma da previdência de 2019 facilitará a futura redução da tributação sobre
a folha salarial.
Mas a geração de empregos formais requer
uma ampla reforma, envolvendo, entre outras medidas: 1- redução da tributação
sobre a folha salarial; 2- elevação da tributação sobre empresas hoje
beneficiadas por regimes especiais de IRPJ, aproximando-as do que se cobra das
empresas tributadas pelo Lucro Real; 3- reformulação das regras de elegibilidade
aos programas de transferência de renda, a fim de estimular a oferta de
trabalho em regime formal; 4 - cortes de subsídios, aumentos de impostos sobre
a alta renda, e reforma administrativa, no intuito de se compensar a queda de
arrecadação decorrente da menor tributação sobre folha.
A agenda resumida no parágrafo anterior é
espinhosa. Não surpreende que os candidatos à Presidência prefiram anunciar a
preservação do Auxílio Brasil no nível de R$ 600 mensais - Ciro Gomes chega a
R$ 1.000 - sem explicar como financiarão essa largueza. Isso reflete bem a
história recente: problemas sérios são ignorados e políticas sólidas
substituídas por distorções populistas e expansões irresponsáveis de gastos,
realimentando ainda mais a precariedade e o atraso.
*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da
EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento
*Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).
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