sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Crise financeira dos municípios exige controle de gastos

O Globo

Qualquer nova ajuda federal precisará estar condicionada à adoção de regras que favoreçam equilíbrio no caixa

As prefeituras fecharam o ano de 2023 com déficit estimado em R$ 4,7 bilhões, de acordo com estimativa de técnicos da Frente Nacional de Prefeitos noticiada pelo GLOBO. Entre janeiro e outubro, o déficit foi de R$ 2,3 bilhões, e o último bimestre concentra pagamentos vultosos e o décimo terceiro salário do funcionalismo. Pelos números do Banco Central, os municípios acumularam R$ 10,9 bilhões no vermelho nos 12 meses encerrados em outubro.

As prefeituras atribuem a deterioração nas contas à queda na arrecadação do ICMS depois que o Congresso aprovou reduções nas alíquotas para combustíveis e energia antes das eleições de 2022. Mas em junho o Supremo Tribunal Federal mediou um acordo para a União compensar estados e municípios em R$ 27,5 bilhões pelas perdas. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as medidas de compensação — que também incluem a recomposição do Fundo de Participação dos Municípios — poderão alcançar R$ 14 bilhões em 2023.

A própria CNM reconhece ter havido aumento de 19% no custeio da máquina das prefeituras (6% nas despesas com pessoal). O desequilíbrio se concentra em cidades de pequeno porte, que somavam déficit de R$ 4,6 bilhões até outubro, ante superávit de R$ 728 milhões nas médias e de R$ 1,5 bilhão nas grandes. No quinto bimestre, estavam no vermelho 53% dos municípios pequenos, 50% dos médios e 36% dos grandes. Em ano de eleições municipais, a situação tende a piorar.

Menos de 30% dos mais de 5 mil municípios brasileiros arrecadam receita suficiente para pagar suas contas, de acordo com o índice de gestão fiscal elaborado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). E mais de um quinto gasta com pessoal acima de 54% das receitas, patamar que fere os critérios de equilíbrio da Lei de Responsabilidade Fiscal. Há, portanto, um trabalho de corte de gastos e ajuste fiscal essencial, que deveria ser tema prioritário na campanha eleitoral deste ano.

Ao mesmo tempo, se desenha uma crise previdenciária. A reforma aprovada em 2019 determinou que estados e municípios promovessem mudanças equivalentes às federais. Grande parte dos governos municipais instituiu novas regras, mas elas só estão em vigor em 701 das 2.117 cidades com regimes próprios de Previdência. Entre as que ainda não promoveram reforma ampla — implementando ao menos 80% das regras adotadas pela União —, estão capitais como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia ou Cuiabá. O déficit atuarial dos municípios — conta que subtrai da arrecadação prevista os benefícios a pagar no futuro — é estimado em R$ 900 bilhões, um quinto do rombo previdenciário do Estado brasileiro.

O correto seria os municípios que não promoveram ainda uma reforma ampla da Previdência adotarem as mudanças, e os demais acelerarem a implementação de leis já aprovadas. O imobilismo dos últimos quatro anos é prova de que prefeitos não têm incentivos para mexer em aposentadorias e pensões. Mas adiar a solução só fará crescer o problema, pois a evolução demográfica agravará o desequilíbrio.

É compreensível que os municípios em crise venham pedir ajuda ao governo federal. Mas qualquer auxílio precisará estar condicionado a medidas de ajuste fiscal e leis previdenciárias que permitam, no mínimo, vislumbrar um caixa mais equilibrado no futuro.

Justiça precisa adotar critério mais realista para autorizar saída de presos

O Globo

No Natal, 14% dos detentos não voltaram para a cadeia, entre eles pelo menos dois ex-chefes do tráfico

O crime organizado não se fortalece apenas quando recebe armas pesadas ou munições contrabandeadas. A criminalidade também se beneficia da leniência na execução das penas de bandidos graduados. A Justiça condena, mas fraqueja na hora de distribuir benesses previstas em lei. Assim ajuda a disseminar o sentimento de impunidade entre criminosos. Na última Visita Periódica ao Lar (VPL), de 24 e 30 de dezembro, dos 1.785 detentos beneficiados, 255 (14%) não retornaram à cadeia. Foi menos que os 42% do final de 2022, ainda assim um índice que põe em xeque as regras usadas para autorizar a saída.

Os critérios parecem razoáveis. Só são beneficiados nas datas comemorativas presos já em regime semiaberto — que saem de manhã para trabalhar e voltam à noite —, com bom comportamento, que não estejam submetidos ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) de reclusão e tenham cumprido ao menos um sexto da pena. Enquadram-se no RDD os que cometeram crimes hediondos ou lideram facções criminosas. Mas há uma brecha: se já lideraram, podem receber o benefício.

Fica patente a fragilidade da avaliação do juízes quando se constata que, entre os 255 que não retornaram da saída natalina, estão pelo menos dois ex-chefes da organização criminosa hegemônica no Rio, o Comando Vermelho: Saulo Cristiano Oliveira Dias, conhecido como SL, e Paulo Sérgio Gomes da Silva, o Bin Laden. SL, cuja base é o Complexo do Chapadão, na Zona Norte do Rio, foi preso em 2013, em São Paulo. Bin Laden esteve à frente do tráfico no Morro Dona Marta, em Botafogo, na Zona Sul. Outro preso que se evadiu foi Davi da Conceição Carvalho, conhecido como Davi do Chapadão ou Pinóquio, chefe do tráfico na favela Final Feliz, no Complexo do Chapadão.

Chama a atenção a ficha criminal dos condenados que aproveitaram a saída da prisão para fugir. Pinóquio foi condenado a 28 anos por chefiar o tráfico e por homicídio. SL cumpria pena de 18 anos e nove meses por homicídio qualificado, tráfico de drogas e uso de armas de fogo. Foi julgado culpado pelo assassinato de Thiago dos Santos Cruz, militar do Exército executado por traficantes do Chapadão sob a justificativa de integrar uma milícia. Era a primeira vez que SL obteve permissão de passar uns dias em casa, por decisão da juíza Larissa Maria Nunes. Bin Laden, condenado a cinco anos de detenção por tráfico, também aproveitou a primeira saída para escapar. A juíza Viviane Ramos de Faria, responsável pela liberação dele, deixou registrado o “caráter ressocializador” do benefício.

A condição de ex-chefe de quadrilha precisa ser mais bem avaliada pela Justiça. Qualquer um tem direito a se regenerar, mas o Estado deve checar as informações sobre os beneficiados com a saída da prisão, considerando que apenas o bom comportamento não basta. Fica evidente que, entre as diversas causas da crise de segurança pública, estão um sistema penitenciário que não ressocializa e uma Justiça que avalia mal a progressão de penas e distribui benefícios sem fundamento na realidade.

Cortes de juro na zona do euro e EUA virão, mas não logo

Valor Econômico

Ao que tudo indica, o movimento de volta da política monetária, dos cortes das taxas, não deverá ser tão rápido quanto o dos aumentos

A ata do Federal Reserve americano e os dados de inflação em duas das maiores economias da zona do euro - Alemanha e França - esfriaram as expectativas otimistas dos investidores, que esperavam o início do corte das taxas de juros, hoje em níveis nunca vistos em duas décadas, já a partir de março. O banco central americano deixou claro que prefere esperar para ver mais progressos em direção à meta de 2%. A inflação voltou a subir para alemães e franceses, nos dois países em função do fim dos subsídios à energia e, na França, também por pressão do setor de serviços.

As previsões de cortes mais rápidos e agressivos dos juros surgiram após o Fed se reunir em dezembro e revelar, em seu quadro de estimativas, que a maioria dos membros esperava pelo menos três cortes de 0,25 ponto percentual em 2024 - bem mais do que o revelado nas anteriores. Com o detalhamento da discussão, ficou claro que vários integrantes do comitê que decide o destino das taxas declararam que os juros poderiam permanecer em seu pico por mais tempo. Depois de esperar muito para combater a inflação, o Fed fez um ritmo inédito de quatro aumentos de 0,75 ponto percentual, até chegar aos 5,25-5,5% atuais. Criticado por estar “atrás da curva”, isto é, atrasado para deter a inflação, o Fed tem receio de cometer o erro contrário agora, iniciando o relaxamento monetário antes que os números da evolução dos preços deem uma indicação muito clara de que se aproximam de fato dos 2%.

O Fed pode estar quase no fim de seu trabalho. A inflação cheia ao consumidor (CPI) encerrou 2023 em 2,6%. O indicador preferido do BC americano é o núcleo dos gastos pessoais de consumo (PCE), que exclui as variações de energia e alimentos. Por ele, a inflação semestral anualizada já se encontra abaixo da meta, em 1,9% em dezembro. Várias medidas que calculam a inflação de bens (e não serviços), mostram a variação perto de 0% ou mesmo deflação (Oxford Economics). Há mais dados favoráveis. A abertura de vagas em novembro foi a menor em dois anos. A proporção de pessoas que trocam de emprego também diminuiu, um sinal de que a oferta de trabalho passou a arrefecer. Os ganhos salariais até novembro estavam, em 12 meses, um pouco acima dos 4%, o que os economistas consideram incompatível com a inflação de 2%.

Em outra pista de que o Fed conta com a vitória sobre a inflação, embora não pretenda decretá-la antes do tempo, foi a menção na ata da instituição de que está na hora de o banco começar a discutir um cronograma para o encerramento do aperto quantitativo, a política de vendas de títulos do Tesouro e dos lastreados em hipoteca em seu balanço, de US$ 60 bilhões e US$ 35 bilhões por mês, respectivamente. A redução do balanço do banco, hoje de US$ 7,7 trilhões, foi usado como meio auxiliar para enxugar a liquidez na economia e sustentar a alta dos juros.

Os investidores europeus também aguardavam uma mudança da rota do Banco Central Europeu para breve, depois que a inflação na zona do euro caiu por vários meses seguidos. Os índices recentes, porém, podem ter moderado as expectativas. A inflação subiu na maior economia da Europa, a Alemanha. Nos doze meses encerrados em novembro, foi de 2,3% e saltou para 3,8% em dezembro. Boa parte do aumento é decorrência do fim da proteção ao bolso dos consumidores depois que a Rússia parou de fornecer gás aos europeus, o que fez os preços da energia em geral, e desse combustível em particular, ter altas fortes. Os governos subsidiaram diretamente as contas de energia e esses subsídios começaram a ser retirados agora. O governo alemão, com o mesmo objetivo, baixou o IVA cobrados dos restaurantes, amortecendo os preços das refeições fora de casa, que têm grande impacto na inflação. Antes reduzido a 7%, o IVA voltou agora em 2024 a 19%.

Na França, a inflação anual subiu de 3,9% em novembro para 4,1% em dezembro, em uma tendência que deve se refletir no índice geral de inflação na zona do euro. Em novembro, a inflação anual caiu a 2,4%, já muito próximo da meta de inflação (perto, mas abaixo de 2%). No caso francês, além dos preços da energia, contribuiu também para o resultado a alta dos serviços. Diferentemente dos EUA, que apresentou um crescimento de 4,9% no terceiro trimestre, um desempenho notável que dificulta a queda da inflação, no bloco do euro a economia desacelera e deve ter fechado o ano em 0,6%, segundo previsão da Comissão Europeia. Há a estimativa de melhoria razoável neste ano (1,2%). Nos EUA e zona do euro, a alta dos juros conviveu com mercados de trabalho aquecidos, o que é extraordinário em ciclos de aperto monetário.

A manutenção de juros altos por mais tempo nos países desenvolvidos, concomitante à redução dos juros pelo Brasil, reduz a atratividade dos ativos brasileiros, se durar muito. O diferencial, porém, ainda é alto e continua estimulativo à atração de capital externo. Quando e com que velocidade reduzir os juros são as questões que tomarão a atenção dos BCs em 2024. Ao que tudo indica, o movimento de volta da política monetária, dos cortes das taxas, não deverá ser tão rápido quanto o dos aumentos.

À espera do MEC

Folha de S. Paulo

Pasta deixa descalabro para trás, o que é pouco ante as deficiências da educação

A educação está entre as áreas da administração federal nas quais o mero contraste com o descalabro herdado do antecessor favorece o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —assim como saúde, ambiente e relações exteriores. Essa comparação, entretanto, não pode ser parâmetro de desempenho.

Sob nova gestão, o MEC deixou para trás o que havia de pior nos tempos de Jair Bolsonaro (PL), quando a pasta empilhava dirigentes escolhidos a partir da afinidade ideológica com pautas que passavam ao largo das prioridades do setor, casos do Escola sem Partido e do ensino domiciliar. Ainda assim, os avanços por ora são tímidos.

O atual ministro, o petista Camilo Santana, foi governador do Ceará, estado reconhecido por avanços no aprendizado dos alunos da rede pública. Sua secretária-executiva, Izolda Cela, tem méritos reconhecidos nos resultados na gestão da educação cearense.

No ano passado, o MEC deu atenção a ao menos três temas essenciais na agenda nacional —a reforma do ensino médio, o fomento do ensino em tempo integral e a alfabetização, cujos indicadores sofreram impacto devastador da pandemia. As providências, contudo, andaram em ritmo lento.

Só em outubro o governo enviou ao Congresso seu projeto para enfrentar os problemas de execução da reforma do nível médio, sem ter conseguido ainda um entendimento com parlamentares e governadores para sua aprovação.

Nos outros dois casos, houve atrasos na liberação dos recursos prometidos, o que em geral indica planejamento deficiente ou anúncio prematuro de programas.

Historicamente, as políticas educacionais das administrações petistas foram comprometidas pela visão corporativista do partido. Foca-se, em geral, no aumento de despesas, na maioria destinadas a contratações e reajustes salariais, em detrimento de metas, avaliações e cobranças no aprendizado.

Replicando o discurso do sindicalismo, o PT rejeita o debate sobre o aporte de recursos privados no ensino superior público, preservando um status quo que beneficia alunos de estratos mais ricos e mantém as universidades federais e estaduais em pleito permanente por verbas governamentais.

O Estado brasileiro, dentro de suas possibilidades, não gasta pouco em educação —são cerca de 6% do Produto Interno Bruto, cifra que varia conforme a medição utilizada, dentro dos padrões internacionais. A alta da despesa média por aluno nos últimos anos, porém, não se fez acompanhar de melhora correspondente de desempenho.

Há muito a avançar em gestão, portanto, ainda mais num quadro de severa restrição orçamentária que tão cedo não será superado.

Academia e ideologia

Folha de S. Paulo

Renúncia da reitora de Harvard revela efeito da guerra cultural em universidades

O ataque terrorista a Israel acirrou ainda mais a chamada guerra cultural que vem produzindo efeitos temerários nas universidade americanas. A recente renúncia da reitora da Universidade Harvard, Claudine Gay, tem como pano de fundo esse fenômeno.

A dura reação israelense, que fez centenas de vítimas civis, gerou uma onda de manifestações pró-Palestina em instituições de ensino superior dos EUA. Alunos publicaram textos nos quais imputavam ao "regime de apartheid" em Gaza a causa da ofensiva do Hamas.

A retórica que culpa a vítima e a confusão entre o apoio ao povo palestino e ao grupo terrorista gerou críticas que levaram à instauração de um comitê na Câmara dos EUA.

Durante depoimento de três reitoras, uma congressista republicana perguntou se defender o genocídio de judeus violaria o código de conduta das instituições. Nenhuma das ouvidas afirmou diretamente que "sim"; Claudine Gay disse que "depende do contexto".

A polêmica resultou na renúncia de Liz Magill, da Universidade da Pensilvânia. Já Harvard endossou a posição de Gay.

Nas últimas semanas, contudo, um escrutínio sobre seu trabalho acadêmico revelou trechos praticamente iguais aos de outros autores sem a devida citação, o que poderia ser considerado plágio.

Ademais, especialistas em educação superior apontam a incompatibilidade entre o posto então por ela ocupado e sua precária trajetória acadêmica —só 11 artigos publicados em revistas científicas ao longo de 26 anos de carreira.

A pressão levou à renúncia, que vem sendo usada como arma em uma disputa ideológica.

Argumenta-se que a ex-reitora foi perseguida por ser mulher e negra, e é uma pena que a própria Gay tenha se valido desse subterfúgio. Afinal, cientistas homens e brancos também sofrem consequências por falta de rigor em pesquisas —como o reitor da Universidade Stanford, que renunciou em julho do ano passado.

O episódio revela como o foco excessivo em questões políticas na universidade, à esquerda e à direita, gera distorções na sua missão de buscar a excelência acadêmica.

Por óbvio, o debate sobre problemas sociais não pode ser ignorado, mas deve ser travado com sensatez e respeito à liberdade. A renúncia de Gay suscita reflexão sobre os rumos do ensino superior —que, pelo visto, demanda equilíbrio entre ciência e política.

O absurdo calendário das emendas

O Estado de S. Paulo

Se o problema não começou com Lula, resolvê-lo é sua responsabilidade. Ele precisa investir mais na relação com os parlamentares e convencê-los a apoiar as políticas públicas

De forma correta, o presidente Lula da Silva vetou a proposta do Congresso de estabelecer um calendário para o empenho e a execução de emendas parlamentares. A iniciativa fazia parte da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, sancionada nesta semana.

Se esses trechos tivessem sido mantidos, o Executivo seria obrigado a empenhar os valores referentes às emendas até 30 dias após a publicação das indicações pelos Ministérios. Também seria obrigado a pagar os valores referentes a todas as emendas impositivas até 30 de junho deste ano.

O estabelecimento desses prazos representava uma clara invasão, por parte do Legislativo, de atribuições que competem exclusivamente ao governo, entre as quais a gestão da execução orçamentária e financeira do Poder Executivo. O governo, por óbvio, não poderia compactuar com mais esse avanço sobre suas prerrogativas.

Como mencionou o Ministério do Planejamento na justificativa do veto, não há previsão constitucional expressa sobre o calendário. O cronograma também viola a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e ignora a necessidade de cumprimento de etapas regulares e processos administrativos inerentes à execução de despesas orçamentárias, eventos que “não necessariamente se concretizam nesse lapso temporal”.

Ao saberem da notícia, algumas lideranças do Congresso começaram a angariar apoio para derrubar o veto presidencial assim que o recesso parlamentar for encerrado. Foi o caso do relator da LDO, deputado Danilo Forte (União-CE). Forte disse que o cronograma seria um marco a fortalecer a “autonomia do Legislativo”, preservar e garantir recursos aos municípios e assegurar uma distribuição mais justa dos programas sociais federais.

O calendário, ainda segundo o deputado, foi construído e aprovado após amplo debate com parlamentares e visa a conferir lisura às votações, bem como “promover maior equidade e previsibilidade a parlamentares e aos prefeitos, que são os que mais sofrem com os critérios subjetivos de liberação dos recursos”.

A nota distribuída mostra o quanto o debate sobre as emendas parlamentares continua fora do prumo. O deputado, atualmente em seu terceiro mandato, não é nenhum amador para confundir as funções que cabem ao Executivo e ao Legislativo, devidamente definidas na Constituição.

Enquanto relator da LDO de 2014, Forte teve participação direta na criação do orçamento impositivo, primeiro passo para tornar obrigatórias as emendas individuais – o que viria a se confirmar, de maneira definitiva, com a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no ano seguinte.

Desde então, o poder do Legislativo sobre o Orçamento cresce na mesma proporção da perda do controle do Executivo sobre a peça. Em 2019, as emendas de bancada se tornaram obrigatórias em 2019 e surgiram as “emendas pix”. No ano seguinte, nasceu o orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Parte dos recursos das emendas de relator acabou por ser direcionada às emendas de comissão.

Juntas, as emendas parlamentares somarão R$ 53 bilhões neste ano, um valor recorde. Mas nem mesmo o valor recorde foi capaz de conter os deputados e senadores. Não basta, apenas, direcionar recursos para suas bases. Agora, é preciso garantir que eles cheguem antes da eleição municipal.

Como solução imediata, o veto presidencial é um instrumento adequado para conter esse movimento, mas não será surpresa se ele for derrubado com bastante facilidade. Caso isso aconteça, é possível recorrer ao STF, mas o drible que foi feito com o orçamento secreto mostra que essa solução tampouco seria definitiva.

Se o problema não começou no governo Lula, resolvê-lo é sua responsabilidade. O presidente precisa se envolver mais diretamente na relação com o Congresso e convencer os parlamentares a apoiar as políticas públicas de Estado. Vincular os recursos das emendas a essas políticas é uma maneira mais eficaz e eficiente de reduzir desigualdades sociais e regionais, algo que certamente une – ou deveria unir – os interesses do governo e os do Legislativo.

A democracia não é um detalhe

O Estado de S. Paulo

Ao encontrar no Judiciário o primeiro obstáculo institucional a seu propósito de revolucionar a Argentina por decreto, Milei descobre que a democracia tem ritos que devem ser respeitados

O presidente da Argentina, Javier Milei, topou com o primeiro obstáculo institucional ao seu plano de desregulamentar totalmente a economia por meio de decreto. Coube à Justiça do Trabalho expressar com todas as letras que, na democracia argentina, qualquer alteração em leis vigentes exige o debate e a anuência do Parlamento. Embora restrita ao capítulo laboral do texto baixado em dezembro pela Casa Rosada, a decisão do colegiado pôs em xeque a adequação da revolução ultraliberal de Milei aos trilhos do Estado Democrático de Direito. Nas entrelinhas, ditou que a Justiça não aceita um atalho autoritário.

Ao suspender as mudanças nas regras trabalhistas incluídas no Decreto Nacional de Urgência (DNU) de Milei, o colegiado da Câmara Nacional de Apelações do Trabalho não se ateve ao mérito. Em avaliação bem ampla, centrou seu julgamento no fato de a via do decreto presidencial não cumprir os ritos democráticos. Baseando-se em decisões anteriores da Suprema Corte, a maioria dos juízes concluiu que as considerações genéricas do texto “são incapazes de justificar a edição de medidas legislativas pelo Poder Executivo Nacional”.

Aguarda-se agora a decisão da Suprema Corte sobre o assunto, e presumese que a decisão da Justiça do Trabalho seja levada em conta no processo. No outro campo institucional, o Congresso tem se mostrado resistente à aprovação do DNU em bloco até 31 de janeiro – o prazo determinado por Milei. Mais provável será a rejeição de todo o conteúdo por falta de apoio até mesmo de setores da minguada base parlamentar do governo.

O fato evidente é que a Justiça do Trabalho colocou o guizo no gato. Antes da palavra final da Suprema Corte sobre o decreto, outras cortes podem vir a se manifestar sobre os demais capítulos do decreto nessa mesma linha. E tudo isso porque o método escolhido por Milei para fazer o país engolir suas drásticas mudanças sem qualquer debate é evidentemente antidemocrático. Por mais consistentes, necessárias e urgentes que sejam as medidas de desregulamentação de uma economia engessada pela visão brutalmente estatista de sucessivos governos peronistas, a Casa Rosada sob comando de “El Loco” tropeçou em seu próprio impulso autoritário de baixar a revolução liberal por decreto.

A incerteza jurídica em torno do decreto e de suas consequências para a economia turva ainda mais o horizonte argentino, justamente no momento em que o país precisa de apoio de organismos multilaterais e de investimentos estrangeiros, em especial do Fundo Monetário Internacional (FMI). Várias das medidas anunciadas no terceiro dia do governo Milei – consideradas “bem-vindas” pela diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva – constam do texto agora posto em xeque pela Justiça. Outras constam de um truculento projeto de lei que atribui a Milei poderes excepcionais de legislar e travar o Judiciário ao longo dos quatro anos de seu mandato, o que obviamente deverá ser questionado no Congresso.

A primeira missão do FMI na gestão Milei já estava presente na capital argentina quando a Justiça do Trabalho julgou o decreto. Desta vez, os técnicos do Fundo não se limitarão a revisar as metas flagrantemente descumpridas pelo país no trimestre passado. Eles deverão negociar uma tábua de salvação para que a Argentina atravesse os primeiros meses do ano sem o risco de declarar-se falida. Trata-se de um waiver de pelo menos US$ 3,3 bilhões até abril e um desembolso adicional. Se nos cafés de Buenos Aires há quem acredite que a revolução de Milei poderá ter efeitos positivos no curto prazo, os técnicos do Fundo certamente não têm dúvidas de que o presidente argentino terá de rever seus métodos.

É certo que, antes de completar um mês à frente do governo, Milei cumpriu boa parte de suas promessas eleitorais, mas desprezou os ritos democráticos de um país que, a duras penas, reconstruiu o Estado Democrático de Direito há 30 anos. Os argentinos precisam do apoio de suas instituições e dos organismos internacionais para sair do abismo econômico ao qual foram empurrados por décadas de irresponsabilidade e paternalismo. Por isso, o autoritarismo de Milei não é um bom caminho.

Aumenta o cerco à Eletrobras

O Estado de S. Paulo

É descabido o apoio do governo à suspensão de assembleia que votaria incorporação de Furnas

No último dia útil de 2023, uma assembleia extraordinária de acionistas da Eletrobras foi suspensa por duas liminares expedidas por desembargadores do Rio de Janeiro. A reunião, convocada havia um mês, iria decidir sobre a incorporação de Furnas, a maior de suas cinco subsidiárias, e já havia atingido o quórum necessário para deliberar quando as decisões proferidas por plantonistas durante o recesso judiciário interrompeu o processo.

A incorporação de Furnas faz parte da reestruturação da Eletrobras, desestatizada em 2022, por meio de uma capitalização que tirou da União o controle da companhia. O grupo virou uma “corporation”, como são rotuladas no mercado as empresas sem dono definido. Na nova etapa, tenta reorganizar a governança corporativa e reduzir custos operacionais e administrativos.

As liminares atenderam a pedidos da Associação dos Empregados de Furnas (Asef). Até aí, nada de incomum. Ao contrário, funcionários de companhias que migram da administração estatal para iniciativa privada costumam recorrer a liminares para barrar mudanças que, na grande maioria dos casos, levam ao enxugamento de quadros de pessoal, geralmente inchados.

A novidade desta vez foi o empenho do ministro Alexandre Silveira, que, por meio da assessoria do Ministério de Minas e Energia, tornou público seu descontentamento em relação à incorporação de Furnas, “um patrimônio de Minas”. Como ferrenho crítico da perda de poder do governo na Eletrobras, o mineiro Silveira já tentou, inclusive, atribuir à privatização o apagão de agosto de 2023, causado, confirmou-se depois, por falhas em parques solares e eólicos do Ceará.

Quando a Eletrobras foi criada, no início da década de 1960, para concentrar as empresas do setor elétrico, fazia sentido mantê-las independentes, para facilitar o investimento em um país continental. Ao longo de 60 anos, o segmento evoluiu, notadamente após a grave crise que levou ao racionamento de energia entre 2001 e 2002. O sistema integrado nacional não carece mais das subsidiárias separadas que, nas últimas décadas, serviram mais a interesses paroquiais de grupos políticos do que à estratégia de crescimento.

Note-se que, ao final de um eventual processo de incorporação, além da consolidação de atividades operacionais, seriam unificados cargos da alta administração que, durante a fase de estatal plena, se tornaram feudos de partidos políticos. De qualquer forma, a decisão sobre unificar ou não cabe à empresa.

Embora o “Grupo Governo” – como a Eletrobras define a União e as empresas e fundos a ela vinculados de alguma forma – detenha 46,7% do capital (dados de novembro/23), a mudança para “corporation” limitou seu poder de voto a 10%.

Por meio da Advocacia-Geral da União o governo Lula da Silva tenta reverter essa situação no Supremo Tribunal Federal; por meio dos sindicatos, tenta frear o processo de reestruturação da Eletrobras – interesse que parece atrelado a ganhos políticos, e não à oferta de bons serviços aos cidadãos.

Jovens e os riscos da falta de informação

Correio Braziliense

É possível atestar que existe uma distância enorme entre os médicos e a população quando o assunto envolve temas como planejamento familiar e infecções sexualmente transmissíveis

O uso indiscriminado de pílulas contraceptivas de emergência — conhecidas como pílulas do dia seguinte — não é novidade para ninguém. Também não é surpresa o fato de que a grande maioria de consumidoras do produto seja formada por mulheres jovens, geralmente com pouca ou nenhuma informação sobre os riscos e malefícios que o medicamento causa no organismo.

O uso irrestrito das pílulas orais para a contracepção de emergência pode trazer consequências graves. De acordo com levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde, de 40% a 50% das mulheres sofrem efeitos colaterais como náuseas, vômitos, cefaleia, dor mamária, alterações no ciclo menstrual e vertigem. O relatório aponta, ainda, que o medicamento é contraindicado para mulheres com antecedentes de acidente vascular cerebral, tromboembolismo, enxaqueca severa ou diabetes com complicações vasculares.

Esses números assustaram duas estudantes de enfermagem do Centro Universitário de Brasília (Ceub), que fizeram uma pesquisa sobre o tema, entrevistando universitárias. Os resultados enfatizam a importância de ações educacionais sobre o uso criterioso da contracepção de emergência e sobre os riscos que a mulher corre ao receber uma alta dose de hormônios.

A pesquisa analisou a frequência do uso de contraceptivos orais de emergência por 120 universitárias, entre 18 e 25 anos, e os motivos por trás da escolha. Chama a atenção o número de jovens que admitiram ter utilizado a pílula no mínimo uma ou duas vezes no período de 12 meses: 27%. Dessas, 84% fizeram uso do medicamento dentro das primeiras 24 horas após relação sexual desprotegida, sendo que 65% delas relataram alterações nos ciclos menstruais após o uso, além de efeitos colaterais.

Com o objetivo de prevenir a gravidez após o envolvimento em relações sexuais desprotegidas, 66,5% das estudantes afirmaram recorrer aos contraceptivos de emergência com frequência, mas apenas 1,13% das entrevistadas obteve o método mediante prescrição médica, o que demonstra que o acesso ao medicamento ocorreu por iniciativa própria ou, em sua maioria, contou com o apoio de familiares, entre outros.

A partir dos números, é possível atestar que existe uma distância enorme entre os médicos e a população quando o assunto envolve temas como planejamento familiar e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A carência é de informação, pelo menos de informação técnica. Por que procurar um médico se consigo resolver isso na farmácia mais próxima?

Como se vê, faltam políticas públicas e iniciativas de entidades médicas no sentido de criar um espaço de acolhimento para casais, liderado por profissionais com conhecimento multidisciplinar: ginecologistas, psicólogos, clínicos gerais, sexólogos, endocrinologistas e enfermeiros. E, como a maior parte desse público é formado por jovens, começar pelas redes sociais não seria má ideia.

 

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