Folha de S. Paulo
Reformas eleitorais não devem desconsiderar
ação e estratégia partidária
Mudanças exigem diagnóstico preciso do problema, análise da experiência internacional e compreensão das regras
Pesquisas de opinião sobre confiança nas
instituições políticas e sociais brasileiras são unânimes ao indicar que
partidos políticos e o Congresso
Nacional figuram entre aquelas com menor credibilidade. A
pesquisa mais recente sobre o tema, publicada em
setembro pela Quaest, mostra que apenas 36% dos brasileiros confiam
nos partidos e 45% confiam no Congresso.
A baixa confiança nas instituições é mais um
sintoma da insatisfação com a representação política e com a própria
democracia. Esse fenômeno não é exclusivo do Brasil e ocupa posição central no
nosso debate público.
Dirigentes políticos não são indiferentes ao descontentamento e buscam medidas para reduzir esse mal-estar.
Uma das mais recentes foi aprovada em 2021,
no escopo da emenda constitucional 111, que determinou que, para fins de
distribuição dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de
Financiamento de Campanha, os votos dados a candidatas
mulheres ou a candidatos pretos e pardos contariam em dobro
entre 2022 e 2030.
Meus colegas da FGV Thiago Fonseca, Débora
Thomé e João Victor Guedes-Neto estudaram os efeitos dessa medida. Eles lembram
um ponto básico: partidos existem para disputar eleições e
eleger representantes.
Logo, usarão todos os incentivos
institucionais disponíveis, mas sempre preservando o potencial de maximizar a
quantidade de cadeiras nas casas legislativas, especialmente na Câmara dos
Deputados.
O desempenho nessa Casa pesa no cálculo da
cláusula de desempenho, que define o acesso aos recursos públicos, além de sua
centralidade na elaboração e aprovação de leis de interesse nacional.
O estudo utiliza dados das eleições
legislativas federais e estaduais entre 2006 e 2022. Os autores construíram
subamostras para estimar efeitos entre candidatos competitivos e não
competitivos, definidos pela proximidade em votos em relação ao último eleito
de cada lista.
Como os incentivos se aplicam apenas aos
votos recebidos por candidatos à Câmara em 2022, as eleições estaduais serviram
como controle.
Os resultados indicam que os incentivos
aumentaram o total de votos dos partidos, mas não se traduziram em maior
sucesso eleitoral para mulheres ou pretos e pardos. Os votos dados a mulheres
cresceram 4,4%, e os recursos destinados às suas campanhas aumentaram 12%.
No caso dos candidatos
negros, houve aumento no número de postulantes, mas não no financiamento
recebido ou na quantidade de votos. O percentual de mulheres e de negros
eleitos permaneceu praticamente inalterado.
Os partidos direcionaram recursos adicionais
sobretudo às candidatas mulheres que obtiveram votos correspondente apenas até
10% da votação do último candidato eleito na lista. Essa estratégia permitiu
aumentar votos sem arriscar as cadeiras ocupadas por quadros estabelecidos e
experientes.
Esse é mais um exemplo de que boas intenções
não são suficientes para produzir mudanças substantivas na representação
política. Reformas eleitorais exigem diagnóstico preciso do problema, análise
da experiência internacional e compreensão profunda das regras que organizam a
competição.
No fim, a ambição partidária continua sendo
vencer eleições, ocupar cargos, controlar recursos e influenciar a agenda
pública.

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